Profissionais da cultura reivindicam reativação de espaços artísticos e recursos para produções locais
Por Karina Costa - 30 de agosto de 2023
Trabalhadores e trabalhadoras das artes cênicas encaminharam uma carta à Secretaria de Cultura de Vitória da Conquista. O setor audiovisual solicita o uso de recurso da Lei Paulo Gustavo para reabertura do Cine Madrigal.
Com manifestações públicas via redes sociais e documentos escritos coletivamente, os trabalhadores e trabalhadoras do setor cultural de Vitória da Conquista têm reivindicado políticas públicas continuadas para o segmento. Um manifesto da SASB (Associação do Setor Audiovisual do Sudoeste Baiano) em defesa do Cine Madrigal e uma carta elaborada por profissionais das artes cênicas representam a mobilização da categoria em busca de diálogo com a Prefeitura Municipal e de recursos mínimos para a realização de projetos culturais.
Entre as demandas descritas na carta assinada por representantes do teatro, da dança e do circo, estão a retomada e manutenção de espaços culturais, a criação de editais para montagem, circulação e formação para diversas manifestações da arte, e a destinação de valores que atendam às necessidades dos agentes do cenário artístico.
No documento, encaminhado à prefeita Sheila Lemos (UB), ao secretário de Cultura, Eugênio Avelino (Xangai), e ao Conselho Municipal de Cultura, está inserida uma tabela com orçamentos mínimos necessários para o desenvolvimento de atividades culturais. “Nós apresentamos um cenário minimamente ideal. Não temos condições de fazer um espetáculo de grande porte com 5 mil reais, porque entendemos quanto custam cachês, meses de ensaios, equipe técnica, figurino”, explica Daisy Andrade, articuladora do Rédeas do Teatro, uma rede que reúne agentes culturais do sudoeste e médio sudoeste baiano.
Kétia Damasceno, produtora executiva da Companhia Operakata de Teatro, participou da construção da carta dos trabalhadores e trabalhadoras das artes cênicas. Ela destaca que os valores descritos no documento foram decididos de forma coletiva, com base no recurso previsto na Lei Paulo Gustavo (Art.8º – R$785.416,65) destinado às demais áreas da cultura além do audiovisual, e levando em consideração a realidade econômica de Conquista e os investimentos necessários para o pagamento digno dos profissionais que se dedicam ao meio artístico.
“Quando as pessoas vão ao teatro e assistem um espetáculo bonito, ninguém percebe tudo o que está por trás daquela produção, todo o tempo de estudo, de ensaio e de investimento tirado do próprio bolso do artista. As pessoas não têm ideia de como é difícil levantar tudo aquilo sem recurso, sem um lugar estruturado para ensaiar”, conta Kétia, que também é Mestre em Cultura e Sociedade pelo Programa de Pós-Graduação da UFBA (Universidade Federal da Bahia).
Espaços culturais abandonados
Segundo Kétia, a falta de recursos para a realização de produções culturais e, principalmente, a ausência de políticas públicas continuadas para o setor se devem à forma como a gestão pública municipal olha para a cultura, colocando-a como um gasto e não como um investimento. “A cultura gera renda para a cidade, é um potencial. Mas o que vemos em Vitória da Conquista, historicamente, é que a cultura se limita a entretenimentos momentâneos e aos grandes eventos”, diz a produtora.
Essa prática de valorização das atividades culturais apenas em períodos festivos também está destacada na carta dos artistas locais e regionais, assinada por pessoas físicas, jurídicas e coletivos. De acordo com a categoria, mesmo durante os anos de 2007 a 2016, quando havia um alinhamento político entre as três esferas do poder (municipal, estadual e federal), o que prevalecia era uma “política de eventos limitada ao Natal e ao São João”.
Por isso, o que os artistas e agentes culturais reivindicam vai além da criação de editais esporádicos. Envolve o amadurecimento de uma política cultural no município, o que inclui fomento contínuo para as artes e garantia de espaços adequados para ensaios, apresentações e difusão em geral das produções artísticas.
“Nós somos a terceira maior cidade da Bahia e temos pouquíssimos equipamentos culturais que possam atender o que o município produz de arte. É muito preocupante que desde o retorno da pandemia da covid-19, o Teatro Carlos Jehovah, o único teatro municipal e o segundo com esse tipo de arquitetura em todo o estado, permaneça fechado”, afirma a atriz Shirley Ferreira.
Assim como o Teatro Carlos Jehovah, a Praça CEUs – Estação Cidadania J. Murilo, localizada no bairro Alto Maron, é mais um importante espaço cultural que se encontra em situação de abandono pela gestão municipal. O local já sediou atividades de grupos de diversas linguagens artísticas, como o teatro, a dança e a pintura. Mas, desde que foi reaberto após a pandemia da covid-19, necessita de reforma e manutenção adequada.
“Reativar esses equipamentos significa dar possibilidade para que a arte possa continuar pulsando e crescendo. Não tem como os trabalhadores do teatro se sustentarem em uma cidade como Conquista sem ter espaços físicos para escoar suas obras”, ressalta Shirley.
No último dia 23 de agosto, a Prefeitura divulgou, por meio do site da gestão municipal, a realização de uma reunião entre a Secretaria de Cultura, o consultor Pena Schmidt e ex-alunos de Arquitetura e Engenharia para discutir a revitalização do Teatro Carlos Jehovah. Mas o Executivo não respondeu aos questionamentos enviados pelo Conquista Repórter, via email, a respeito de ações ou do planejamento para o espaço.
Para a produtora Kétia Damasceno, quem também perde com a ausência de políticas e espaços culturais, além da própria classe artística, é a cidade como um todo. “Nós perdemos artistas que não vêem perspectiva no município e vão embora ou desistem de desenvolver seus potenciais. E a população também perde porque não consegue usufruir de uma produção local potente”, diz a representante da Companhia Operakata de Teatro.
A defesa do Cine Madrigal
Os amantes da sétima arte também perdem a oportunidade de prestigiar produções locais, regionais e até nacionais em um cinema de rua em razão do fechamento do Cine Madrigal há cerca de dez anos. Assim como os profissionais das artes cênicas, os trabalhadores e trabalhadoras do audiovisual reivindicam políticas públicas continuadas e investimento no setor, o que inclui a reabertura desse equipamento histórico, inaugurado em 1968.
A retomada desse lugar significa a possibilidade de salas de cinema acessíveis para a difusão de obras que refletem a realidade da população do interior baiano. “Nós precisamos nos ver refletidos na arte e as nossas produções se baseiam na nossa identidade e realidade como pessoas do Sudoeste baiano, mas sobretudo como nordestinos, como pessoas do interior desse estado de dimensão gigantesca”, explica Rayssa Coelho, diretora executiva da SASB (Associação do Setor Audiovisual do Sudoeste Baiano).
Em maio deste ano, a associação lançou um manifesto em defesa do Madrigal, apontando ao governo municipal a necessidade de utilizar o recurso previsto no Inciso II (Art.5º) da Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar 195/2022) para a reforma do espaço. Esse trecho da legislação destina apoio a reformas, restauros, manutenção e funcionamento de salas de cinema, sejam elas públicas ou privadas, bem como de cinemas de rua e itinerantes.
Nos meses de julho e agosto, por meio de publicações no Instagram, a SASB convocou a prefeita Sheila Lemos (UB) a agendar uma conversa com a categoria para discutir a utilização desse recurso no Cine Madrigal. De acordo com a distribuição de valores do Ministério da Cultura, do Governo Federal, a Bahia receberá mais de R$16 milhões apenas para a reforma de salas de cinema (Inciso II – Art.5º). Já o município de Vitória da Conquista terá cerca de R$329 mil que deverá ser destinado a esse propósito.
Segundo Rayssa Coelho, produtora e realizadora audiovisual, a categoria quer entender se a Prefeitura de Vitória da Conquista tem ou não a intenção de utilizar esse recurso da Lei Paulo Gustavo (LPG) para a adequação do cinema histórico. “Queremos conversar sobre isso. E se não há essa intenção, como será feita a reforma e quando? Porque isso precisa ser urgente, precisamos produzir para os nossos e garantir que a gente tenha telas acessíveis e democráticas para o nosso público”, destaca.
Antes mesmo da mobilização deste ano, em dezembro de 2022, os profissionais do setor encaminharam à Secretaria Municipal de Cultura, Esporte e Lazer (Sectel) uma proposta para execução da Lei Paulo Gustavo em Conquista. Após a regulamentação da legislação, que ocorreu em maio de 2023, alguns valores foram adequados, mas o objetivo do documento permaneceu o mesmo: propor ao poder público municipal sugestões de orçamentos necessários para a realização de produções audiovisuais.
A economia e territorialização das políticas públicas do audiovisual será, inclusive, um dos temas abordados no 1º Fórum Audiovisual dos Interiores da Bahia, promovido pela SASB. O evento começou nesta quarta-feira, 30, e segue até a próxima sexta, 1º, no Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima. A programação inclui mesas de discussões, grupos de trabalho e a participação de convidados de diversas áreas e regiões do estado.
Linhas de apoio para o audiovisual
Além do investimento em salas de cinema, previsto no Inciso II (Art.5º) da Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar 195/2022), a proposta dos profissionais do audiovisual encaminhada à Sectel propõe a distribuição dos recursos para diferentes formatos e atividades do audiovisual.
São três linhas de apoio, divididas de acordo com os incisos da legislação federal: I – auxílio a produções audiovisuais; II – incentivo a reformas e manutenção de salas de cinema; III – capacitação, formação e qualificação no audiovisual, apoio à cineclubes e à realização de festivais e mostras. Para cada um desses campos, Vitória da Conquista receberá um valor de investimento do Ministério da Cultura.
Segundo Rayssa Coelho, diretora executiva da Associação do Setor Audiovisual do Sudoeste Baiano (SASB), a categoria participou de reuniões com a Secretaria de Cultura do município, onde foi possível apresentar e justificar a proposta de utilização dos recursos. “Não tivemos uma negativa, mas uma sinalização de que eles vão observar as nossas reivindicações. Lembrando que esse diálogo foi sempre com a Sectel e não diretamente com a prefeita”, ressalta.
Sem posicionamento da Prefeitura
A Prefeitura de Conquista, assim como todos os municípios brasileiros que aderiram à Lei Paulo Gustavo, tem até o dia 31 de dezembro de 2023 para executar os recursos. O governo municipal deve aplicar esses incentivos através de mecanismos legais, como chamamentos públicos, editais ou prêmios. Através de um formulário online, a gestão Sheila Lemos (UB) realiza uma consulta pública para que agentes culturais possam opinar sobre a distribuição dos valores.
No site do Executivo conquistense, a última notícia relacionada à execução da LPG foi publicada em 1º de junho deste ano, divulgando a realização de consultas públicas presenciais com representantes do setor cultural. No mesmo mês, aconteceu uma plenária de formação sobre a lei federal, realizada pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara de Vereadores com apoio da Secretaria de Cultura da Bahia (SecultBa), no Sindicato dos Bancários.
Até o momento não foi divulgado nenhum edital municipal ou estadual para utilização dos recursos. Mas o Governo do Estado, por meio da SecultBa, já anunciou que o Programa Paulo Gustavo Bahia contemplará mais de 1.800 propostas através de 24 editais. Serão oito voltados para o cinema e audiovisual e 16 para outras linguagens artísticas e setores da cultura e da economia criativa, com a inclusão de cotas para pessoas negras e indígenas.
“A Lei Paulo Gustavo é importante para mostrar aos gestores e à própria cidade que existem produções artísticas em Vitória da Conquista e, a despeito da ausência de políticas públicas e de investimento financeiro por parte do poder local, existem artistas no município que atuam com as mais diversas linguagens”, afirma Kétia Damasceno, da Companhia Operakata de Teatro.
O Conquista Repórter solicitou posicionamento da Prefeitura Municipal a respeito das reivindicações do setor cultural descritas na reportagem, mas não recebemos resposta até o fechamento da matéria.
Foto de capa: Secom/PMVC.
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