Artigo | Porque a Prefeitura foi obrigada a reduzir carga horária de servidor com filho autista

Por - 21 de setembro de 2023

Professor acionou a justiça com o apoio do Simmp. Decisão judicial foi baseada em novo entendimento do STF sobre lei que garante aos pais de crianças com deficiência a redução da jornada de trabalho.

Davi é o primogênito do professor Davino Nascimento e da enfermeira Ilana. É um adolescente com inteligência musical e forte inclinação artístico-cultural. Tudo leva a crer que herdou essa verve musical do pai, que é poeta, compositor e professor jequieense licenciado em Letras Vernáculas. Uma década depois de ter nascido Davi, veio Guilherme (Gui), uma criança linda e extremamente carinhosa. Embora quase imperceptível nos primeiros meses de vida, Gui nasceu com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Essa nova realidade passou a exigir do casal uma atenção redobrada, que foi prontamente assumida por eles. Não pretendo discutir conceitualmente o TEA porque não tenho estofo intelectual para aprofundar essa temática tão necessária. Mas o fato de não dominar o conhecimento científico difundido na área pela academia não me impede de acompanhar alguns estudos científicos basilares que comprovam que crianças com esse transtorno precisam de um conjunto de condições muito específicas para um pleno desenvolvimento social e humano.

Essas condições são marcadas por um nível de comprometimento infinitamente maior para com as mesmas. Aliás, Davino e Ilana perceberam que Guilherme tem interesses em atividades com determinadas especificidades que são exclusivas de crianças com TEA. Passaram então a adequar a organização da dinâmica da casa às rotinas de aprendizagem que são realizadas continuamente com o filho.

Para a Secretaria Municipal de Educação (SMED) de Vitória da Conquista, entretanto, a sigla TEA parece não significar absolutamente nada. A pasta deixou (e continua deixando) inúmeras mães de crianças neuroatípicas desesperadas porque seus filhos são privados do acesso à escola, pois a prefeita e o secretário se recusam a contratar profissionais qualificados para a função de cuidadores ou monitores para acompanhar esses estudantes na vida escolar.

No caso do professor Davino Nascimento, a solicitação feita ao poder público municipal foi a redução da sua carga horária de trabalho como servidor em razão das necessidades de cuidado do filho com deficiência, um direito previsto em lei. Seu pedido, entretanto, foi negado. Diante disso, foi preciso acionar a justiça com o apoio do Simmp (Sindicato do Magistério Municipal Público) para que ele tivesse sua solicitação atendida.

A decisão favorável à Davino partiu do novo entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a Lei 8.112/1990, que garante aos pais de crianças PCDs a redução das horas de expediente. Anteriormente, a garantia desse direto valia apenas para os servidores públicos federais. Mas se agora ele também vale para funcionários públicos da esfera municipal, seria obrigação da Prefeitura respeitá-lo e cumpri-lo, sem nem mesmo precisar que a justiça fosse acionada.  

Como alertou a compositora baiana Maria Bethânia, em 2012, na nona faixa do álbum ‘Oásis de Bethânia’, ninguém está absolutamente sozinho. “Não mexe comigo. Que eu não ando só”, diz um trecho da letra. O ogã Davino Nascimento se reputa a essa premissa tão inexorável a qualquer candomblecista enquanto filho de Santo de Pai Cely do Ilê Asé Kossíonilê (Ogum Megê) para responder às perseguições desse desgoverno municipal.

Portanto, o governo local fascista o subestimou ao achar que o mesmo estava sozinho. Não sabe que, além de ocupar um cargo de suma importância pela responsabilidade dentro dos rituais de Candomblé, o militante ocupa uma posição respeitável na base sindical do SIMMP. Sua força advém de quem carrega consigo um orixá dual, convergindo a força de Ogum, sob a égide da mão absoluta de Exu que dá o caminho para que o autêntico trabalhador que manuseia metais no calor do fogo passa forjar todas as armas necessárias que serão utilizadas para vencer todas as guerras.

Na educação, o ogã Davino Nascimento estabelece que a principal luta é vencer o racismo, a criminalização às minorias, a opressão e as perdas salariais de quem é peça indispensável no processo de ensino-aprendizagem, porque, segundo Muniz Sodré a escola é a “comunidade de partida”, sendo, portanto, fundamental na transformação da vida de qualquer pessoa. Assim como Sodré, a luta desse ogã e do SIMMP consiste na busca por mudanças profundas no sistema educacional do país para erradicar todas essas formas de silenciamento, exclusão, opressão e pauperização da categoria, sobretudo o racismo conquistense. E isso deve começar pelo nível básico do ensino.

O atual governo municipal, último bastião do fascismo em Vitória da Conquista, será coagido pela justiça a fazer aquilo que a prefeita Sheila Lemos queria negar a um professor, pai e a toda uma família. Dessa forma, a decisão judicial de conceder a Davino a redução de sua carga horária abriu não apenas o maior precedente histórico da categoria da educação no município, mas promoveu a desmoralização pela justiça do “governo para pessoas” (os ricos).

A atual gestão terá que engolir a sua arrogância e prepotência para ceder a toda a rede municipal de educação. Aliás, a todos, todas e todes servidores municipais na mesma condição de mãe e pai de crianças autistas. Maria Bethânia sabiamente tem razão, pois não se deve mexer nem com quem anda com orixás, muito menos com quem anda com a coletividade sindical.

Laroiê Exu!

Ogunhê!

*Herberson Sonkha é um militante comunista negro que atua em movimentos sociais. Integra a Unidade Popular (UP) e o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB). É editor do Blog do Sonkha e, atualmente, também é colunista do jornal Conquista Repórter.

Fotos da capa: Reprodução Simmp/Secom PMVC.

Montagem: Conquista Repórter.

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