Artigo | Apesar de resistir ao fascismo, a nossa democracia segue ameaçada
Por Afonso Ribas - 18 de janeiro de 2023
Não podemos minimizar nem subestimar a ameaça bolsonarista ao Estado Democrático de Direito. Esse é o primeiro passo para assumirmos uma postura ativa no combate ao golpismo e aos terroristas disfarçados de patriotas.
Depois de quatros anos de obscurantismo e retrocessos, o fascismo encarnado na figura do ex-presidente Jair Bolsonaro foi derrotado democraticamente nas eleições federais de 2022. Há, portanto, evidentes motivos para celebrar e ter esperança. E não apenas em razão da vitória de um projeto de poder progressista, mas principalmente pelas ações e medidas que o novo governo Lula já tem tomado desde o seu primeiro dia de mandato, como a revogação de decretos que aumentaram o porte de armas, só para citar um exemplo.
Ter esperança, entretanto, não pode se traduzir em apatia e comodismo. A onda conservadora que tomou conta do país a partir de 2015 está claramente longe de ter fim. O mesmo podemos dizer do próprio bolsonarismo, sobretudo a sua vertente mais extremista. A nossa democracia continua ameaçada. É preciso repetir: a nossa democracia continua ameaçada. Tão logo despontou no horizonte, o ano de 2023 deixou isso tragicamente escancarado.
Menos de dez dias após a posse do presidente Lula, a sede dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que constituem a base do nosso Estado Democrático de Direito, foi alvo de ataques golpistas sem precedentes na história da nossa República. Felizmente, não demorou muito para a mídia e a sociedade como um todo dar nome aos bois, tratando os vândalos bolsonaristas como o que verdadeiramente são: terroristas que envergonham o Brasil. Falsos patriotas.
Por outro lado, demorou para que percebêssemos o horror eminente que viria a acontecer no fatídico dia 8 de janeiro de 2023, acompanhado da conivência de forças de segurança e de agentes públicos como o ex-ministro bolsonarista Anderson Torres. Não faltaram sinais e indícios do que estava por vir. É necessário reconhecer que o Estado poderia não apenas prever, mas também impedir o atentado à Praça dos Três Poderes. Ao mesmo tempo, é necessário assumirmos a nossa parcela de culpa nisso tudo.
Essa não foi uma falha apenas do Estado. Em uma democracia ameaçada, mídia e sociedade também cumprem um papel de vigilância, fiscalização e cobrança. Um papel que, muitas vezes, serve de alerta. Mas, infelizmente, não nos preocupamos o suficiente com os riscos que motins e acampamentos bolsonaristas espalhados por todo o país representavam. Ora os ignoramos, ora os tratamos como piadas, transformando terroristas ambulantes em memes e nos esquecendo que lidávamos, na verdade, com criminosos.
Não cobramos, efetivamente, medidas que os responsabilizassem por suas ações. As manifestações democráticas contra os golpistas, apesar de válidas, só ocorreram um dia depois que a tentativa de golpe já havia se concretizado. Em uma entrevista para o programa Fantástico naquele 8 de janeiro, o jornalista Fernando Gabeira, da Globo News, também pontuou, ainda que de forma tímida, a falha da imprensa, seja independente ou tradicional, em não alertar de forma mais incisiva sobre a ameaça dos ataques terroristas.
Muitos de nós jornalistas passamos quatro anos monitorando grupos bolsonaristas e denunciando as suas intenções golpistas, mas baixamos a nossa guarda justo quando essas intenções estavam mais próximas de se tornarem reais. O que é compreensível, em certa medida, tendo em vista o cansaço físico e mental extremo ao qual fomos submetidos ao longo desse tempo. Infelizmente, numa democracia ameaçada, descanso e paz de espírito são grandes privilégios. É duro admitir isso, mas é preciso.
Você pode até pensar que toda essa conjuntura que tracei até aqui está distante de sua realidade. Muito pelo contrário. Em Vitória da Conquista, por exemplo, o extremismo e a onda conservadora que fincou raízes no Brasil mostrou sua face terrorista antes mesmo do atentado ocorrido em Brasília. Logo no primeiro dia do ano, enquanto petistas de diversas partes do país comemoravam com fervor a posse do presidente Lula, um terreiro de Candomblé localizado na Vila Elisa, Loteamento do bairro Espírito Santo, ficou completamente destruído após ser invadido e vandalizado em um evidente ato de racismo religioso.
Por ter deixado um documento pessoal cair durante a ação criminosa, o responsável foi identificado pela Polícia Civil da cidade, mas em vez de ser preso em flagrante, foi simplesmente conduzido à delegacia, ouvido e liberado. Devido a isso, representantes do povo de Santo fizeram um protesto na porta do Distrito Integrado de Segurança Pública (Disep). Numa democracia ameaçada, não se pode jamais fechar os olhos para a impunidade. Por isso, tem sido importante, desde o dia 8, vermos golpistas, racistas e vândalos serem efetivamente responsabilizados por seus atos, ainda que tardia e posteriormente a um evento extremo.
A nossa democracia, apesar de frágil e ameaçada, ainda funciona e pode sim vir a se consolidar. Mas para isso, não basta somente “esperançar”, é preciso agir.
Foto de capa: Marcelo Camargo / Agência Brasil.
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