A Câmara Municipal e a igreja de fanáticos com ódio de classe, raça e gênero

Por - 28 de outubro de 2021

Segundo o professor e militante do PSOL, Herberson Sonkha, é inaceitável que a Câmara de Vereadores de Conquista seja "uma imensa igreja repleta de fanáticos fundamentalistas"

“[…] o vereador Adinilson Pereira (MDB) apresentou uma moção de repúdio contra a DC Comics, uma empresa estadunidense, por trazer ao seu universo de HQs (Histórias em Quadrinhos) um novo superman assumidamente bissexual. Uma imagem do personagem beijando outro do mesmo gênero viralizou nas redes sociais e veículos de imprensa, após um anúncio feito pela DC, no dia 11 deste mês” (Jornal Conquista Repórter. 20 de outubro de 2021).

A matéria jornalística do site Conquista Repórter mostra o discurso homofóbico do vereador Adinilson Pereira (MDB). Uma matéria tecnicamente cirúrgica e politicamente assertiva ao expor as vísceras do pensamento político em estado de putrefação a exalar das entranhas de um sujeito bolsonarista. Homofobia não é só crime, mas também um estado mental deplorável de quem está vegetando e ainda não sabe disso.

O político conservador distraído vivencia a mais absoluta ausência de conhecimento sócio-histórico e político necessário para oxigenar a sua massa cefálica que padece da doença chamada analfabetismo político. Seu inconsciente é um gatilho pronto para acionar o protocolo de morte encefálica. Pior ainda se for exigido um conhecimento mínimo sobre a constituição brasileira. Mas mesmo assim, o politicamente morto em pé foi eleito vereador pela horda de fanáticos religiosos.

A matéria nos revela de maneira inequívoca algo estarrecedor (embora previsível) que deveria deixar perplexa a população conquistense, formada em sua maioria por populações negras e mulheres periféricas, mas com recorte de populações com orientação sexual fora da caixinha heteronormativa. Sendo esta última, objeto de investigação jornalística.

Em condições normais, àquelas previstas no art. 5º da Constituição Federal do Brasil, não existe nenhuma razão jurídica plausível que autorize intervir em qualquer igreja de matriz cristã com a intenção de promover quaisquer tipos de reprimendas pelo livre exercício de sua religiosidade. Muito menos a ingerência política de quaisquer órgãos de Estado com a finalidade de cercear a liberdade de culto religioso. As liberdades políticas não gozam das mesmas condições das liberdades religiosas, pois o inverso deveria ser verdadeiro, mas não tem sido.

Desde a legislatura passada que a Câmara Municipal de Vitória da Conquista vem sendo alvo da bancada de situação que não hesita em atacar essas populações com comportamentos de intolerância religiosa, misoginia e lgbtqia+fobia que ferem as liberdades assistidas pela ordem constitucional brasileira. Especialmente aquelas que negligenciam a diferença constitucional entre as liberdades e as garantias previstas na Constituição da República Democrática do Brasil.

São reminiscências do golpe e tem a ver com o alinhamento ideológico com a narrativa negacionista, genocida e fascista do atual presidente da república. Além de demonstrar apreço ao Estado de exceção, a bancada situacionista confirma que sua intenção é ir muito além disso. Almeja contribuir para consolidar a situação de ruptura da ordem constitucional.

No passado recente o Brasil conheceu a virulenta letalidade e opressão do terrível Estado de sítio instituído pelas Forças Armadas com apoio norte-americano (golpe civil-militar de março de 1964-1985). As limitações cognitivas impedem a bancada de perceber o remake da velha política conservadora brasileira de impor no grito o Estado de exceção, reutilizado pelo bolsonarismo. Uma medida extremada que esse desgoverno federal acuado pela possibilidade de impeachment encontrou para sair do cerco criado pela CPI do Senado.

“Homofobia não é só crime, mas também um estado mental deplorável de quem está vegetando e ainda não sabe disso”, Herberson Sonkha. Foto: Arquivo Pessoal.

A Comissão Parlamentar de Inquérito apurou a existências de inúmeras denúncias de corrupção (formação de quadrilhas, peculato, improbidade administrativa, etc.) e constatou a promoção de ações negacionistas que levaram à morte desnecessária de mais de meio milhão de nossa maravilhosa gente brasileira, pela Covid-19.

Não é só esse vereador que reproduz essa narrativa ultraconservadora, mas, especificamente esse vereador defendeu no parlatório uma realidade deprimente que mostra que esses vereadores flertam diariamente com essas narrativas de golpe de Estado. A bancada de situação de modo inconsequente acredita que só através da autorização popular dada ao presidente para abrir precedentes sobre Poderes (Legislativo e Judiciário) para suspender as liberdades individuais acabaria com a corrupção do Brasil e baniria o “comunismo” implantado pelo PT no país.

Anseiam por abrir esse expediente burocrático de natureza política que permitirá ao presidente da república suspender por um período temporário o funcionamento dos Poderes Legislativo e Judiciário. Um recurso emergencial sem finalidade pessoal ou de disputa de poder só aplicado em situação de extrema necessidade. Isto é, quando for imprescindível viabilizar as ações governamentais emergenciais durante períodos de grandes turbulências e necessidades de força urgente do Estado. 

Conspiram como os conservadores bolsonaristas a serviço da república do ódio, da intolerância, da perseguição, do medo, da corrupção, dos empresários, do terror, da perseguição, da fanfarrice, dos racismos, da misoginia, da lgbtqia+fobia, da tortura e do genocídio. Para isso, pretendem suprimir as garantias e sobrepor as liberdades como se isso fosse perfeitamente possível.

Sobre a narrativa falsa das inexequíveis atribuições das liberdades, com o papel de atuarem como Estado ou como se fossem as próprias pessoas, Jorge Miranda (2000) elucida essa questão afirmando que:

“As liberdades são formas de manifestação da pessoa; as garantias pressupõem modos de estruturação do Estado; As liberdades envolvem sempre a escolha entre o facere e o non facere ou entre agir e não agir em relação aos correspondentes bens, tem sempre uma dupla face – positiva ou negativa; as garantias têm sempre um conteúdo positivo, de atuação do Estado ou das próprias pessoas. As liberdades valem por si; as garantias têm função instrumental e derivada” (MIRANDA 2000, p. 95-96).

A ação política do vereador, apontada pela matéria do jornal Conquista Repórter, como mandatário que cometeu práticas homofóbicas em sua narrativa e propôs a nota de repúdio, demonstra que ele não sabe nada sobre a distinção entre Estado e Igreja. Uma divisão feita com o fito de resguardar uma garantia fundamental indispensável à saúde e bem estar da sociedade democrática. Isso o torna um prevaricador que age contra a ordem constitucional.

Isso nos impõe uma urgente reflexão crítica acerca do tipo de ação iníqua de legislador que esses religiosos fanáticos ultraconservadores (fundamentalistas) vêm elegendo sem nenhum filtro cognitivo necessário ao exercício do mandato. A imunidade do cargo é intocável até que ações suas possam ferir princípios constitucionais elementares que asseguram a própria imunidade parlamentar. Embora suas limitações o impeça de perceber, a Constituição Federal o protege, inclusive dele mesmo.

É dever de ofício da Comissão responsável pelo escrutínio de todas as narrativas (escritas, áudios e vídeos) desses vereadores e o fazem (pelo menos deveria) à luz da constituição com o compromisso profissional de emitir parecer técnico orientando-os para evitar a naturalização da cultura de crimes de prevaricação.

Não podemos aceitar passivamente quaisquer narrativas criminalizadoras, e, isso inclui essa nota esdruxulamente inconstitucional de autoria do mesmo vereador, sob a alegação do mesmo desconhecer a Constituição brasileira, pois se trata de um legislador cujo objeto de trabalho é a própria lei.

A nenhum vereador é dado o direito de atentar contra um “direito-garantia” essencial à proteção de direitos complementares, amparados por um conceito maior da liberdade religiosa. Sob o risco de agir à revelia da lei e promover o vilipêndio e o cerceamento das liberdades conforme assegura o art. 5º, II, enfaticamente o inciso II, que afirma que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. 

A conjuntura atual pede a urgência de compreensão de fatos históricos indeléveis, a exemplo de feitos históricos dos reformadores protestantes medievos (1517). As histórias das sociedades têm dado demonstrações inequívocas de que a não definição entre político e religioso pode gerar intolerância e perseguições.

O péssimo exemplo dessa manifestação ridícula desse vereador sem noção que acha que o parlatório é um púlpito; o presidente da casa é um presbítero vitalício; aquelas cadeiras no entorno da mesa diretora são ocupadas por uma claque de diáconos e obreiras; e a Câmara Municipal é uma imensa igreja repleta de fanáticos fundamentalistas em êxtase fazendo gesto da arminha e pedindo intervenção das Forças Armadas, é inaceitável.

De tempos em tempos surgem personagens bizarras, doentias e deprimentes na sociedade conquistense para cumprir esse papel de sabotar a democracia, negar o conhecimento científico do século XXI e transformar a Casa Legislativa em igreja para pregar a prosperidade como bênçãos cristãs limitadas a alguns poucos. 

Thierry Rambaud (2004) nos adverte sobre isso (aberração política), afirmando que a ideia central é a “atribuição de máxima efetividade ao princípio da liberdade religiosa”. Pois, urge a necessidade de consignar a ordem institucional com direito-garantia que separe efetivamente o Estado de Igreja, instituir regime de essencial separação de modo imperativo a imposição aos poderes públicos um padrão de conduta calcada na “neutralidade axiológica”.

Com base no ponto de partida da reciprocidade de independência entre Estado e Igreja, Rambaud sugere-se a “não-ingerência” institucional e dogmática nos assuntos internos das organizações religiosas. Diante disso, o texto em questão salta aos olhos dessa institucionalidade. E não é possível conviver com o silenciamento, pois não há vivência democrática possível com vereadores ultraconservadores negacionistas, religiosos fundamentalistas, apoiadores de genocidas e seguidores da necropolítica.

Torna-se insustentável, porquanto fica cada vez mais difícil ignorar esses ataques que causam enormes prejuízos à sociedade. Além de apoiar atos golpistas, milícias, fazer dancinha da arminha, aprovar a extorsiva taxa de lixo, ainda propagam intolerância de toda ordem (classe, raça e gênero) com base no mito da criação.

Este é o espírito de morte que infestou a Câmara Municipal de Vitória da Conquista, o fantasma doentio que assola nosso tempo ao lograr êxitos com uma bancada de sujeitos reacionários, pessoas arrogantes que vaidosamente estufam o peito para intimidar pessoas com seu conservadorismo. São politicamente intragáveis e não justificam o custo-benefício para a sociedade que paga um alto salário (R$12.025,50) e não fazem jus pelo que recebem.

Enquanto isso, a maioria absoluta da população conquistense morre de Covid-19 nas periferias da cidade. Além de amargar o desemprego, a inflação, a fome, a pobreza ou se espreitam à procura de ossos descartados no lixo.

Estas são as consequências de se fazer escolha sem pensar, uma opção perversamente péssima de gestão e de parlamentares situacionistas medíocres pela ausência de estofo intelectual que só fazem aumentar as desigualdades, aumentando à extrema-pobreza e piorando o sofrimento e as condições deploráveis de vida da população periférica.

Ao invés de enxergar as causas desses males e combatê-las, escolhem criminalizar e responsabilizar o PT por implantar o comunismo (mesmo sem nunca ter tido) no Brasil, uma espécie de espectro da maldade.

Estou propenso a pensar que a política no parlamento e no executivo municipal não recebe nenhuma influência de alguns amigos liberais, intelectuais orgânicos que nada decidem por ser minoria, mas se reivindica da heterodoxia liberal. Possivelmente, esses liberais minoritários jamais admitiriam tal defesa da extrema-direita eivada de negacionismo por considerar uma anomalia política.

Isso não os exime da questão central que é a possibilidade de se confrontar o status quo de classe média ameaçada por qualquer retrocesso de direitos. Os riscos iminentes de serem incluídos na carnificina nazifascista os colocam contra extremistas de direita. Todavia, não se pode ignorar que o perigo mora na institucionalidade e são os liberais ortodoxos nomeados por uma maioria taticamente despolitizada/despolitizante que operam a política institucional neste momento.

Os liberais ortodoxos são dirigentes pragmáticos carreiristas, havidos por vantagens financeiras, privilégios e segurança do Estado. Consequentemente, não hesitaria em nenhum momento em capitular aos interesses e a práxis política da extrema-direita como fez o vereador da matéria em questão ao deixar o Partido Socialista Brasileiro (PSB), partido dirigido por quadros que jamais permitiriam tal inferência homofóbica de cunha fascista.

O crescimento eleitoral da coalizão de grandes massas populares em torno de programas eleitorais de centro-esquerda parece ameaçar o Estado Mínimo do neoliberalismo. Em alguma medida acaba arrefecendo o desejo imperialista compulsivo por ditaduras na América Latina, talvez isso explique a posição de certos liberais heterodoxos que se antecipam em defender paliativos liberais para o Brasil, a exemplo do Estado de bem estar social.

A sanha contra a esquerda radical consiste no fato de que a verdadeira ameaça é a insubordinação e ruptura com o establishment por meio de levantes populares orgânicos de caráter emancipacionista da classe trabalhadora e das populações subalternizadas (classe, raça e gênero).

Óbvio, que se mais pessoas das populações negras, mulheres e lgbtqia+ estão organizadas politicamente, ocupando espaço, circulando livremente com empoderamento, com consciência emancipacionista e sem nenhum receio de repressão do braço armado do Estado e da criminalização da sociedade civil burguesa, isso realmente apavora a intelligentsia liberal burguesa.

Lembrando aos distraídos que não existe liberalismo originariamente operário (da classe trabalhadora). O que existe mesmo, e, se deve ter muito cuidado, é com a intelectualidade vendida de classe média ligada a setores da classe trabalhadora para cooptar lideranças. O discurso ideológico socialdemocrata serve apenas para enfraquecer movimentos emancipacionistas da classe trabalhadora e das populações subalternizadas.

Inexoravelmente, todo liberal é por consequência um adepto da ideologia burguesa, mesmo não sendo efetivamente um detentor de capital que compra força de trabalho para produção privada de mercadoria (riquezas) para empresários donos de empresas capitalistas.

Estes “distraídos” são apenas peões dóceis, alienados, instrumentalizados e posicionados na linha de frente da luta de classes para morrer em nome do capitalismo para preservar os burgueses, quase sempre contra seus próprios interesses. Morrem defendendo uma ideologia liberal burguesa que nada diz a seu respeito, além da escravização e manipulação ideopolítica.

*Herberson Sonkha é um militante político-partidário desde meados da década de 80 e seu último partido é o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), sendo dirigente da corrente interna Fortalecer o PSOL. Atuou como militante social no Movimento estudantil secundarista (Grêmio, UMES e UBES) e universitário (CA de Economia Celso Furtado). No final dos anos 90 passou a atuar no Movimento Negro passando a compor a direção municipal, estadual e nacional da entidade Agentes de Pastorais Negros e Negras do Brasil (APN’s).

Fotos de capa: CMVC/DC Comics

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