Problemas apontados em auditoria ameaçam qualidade do serviço prestado pelo Esaú Matos

Por - 1 de outubro de 2021

Análise feita entre 2017 e 2018, pela Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab), constatou dezenas de irregularidades na unidade e, cerca de três anos depois, várias delas ainda não foram solucionadas

Tratamento inadequado do lixo hospitalar, contratação de funcionários sem a realização de concurso público, inexistência de comissões de ética profissional e de relatórios de alta, controle ineficiente do estoque de medicamentos e inadequações em prontuários. Essas são apenas algumas das dezenas de irregularidades identificadas no Hospital Municipal Esaú Matos (HMEM) após auditoria realizada pela Secretaria Estadual de Saúde da Bahia (Sesab), entre outubro de 2017 e março de 2018.

Realizada a pedido da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), a auditoria teve como objetivo “avaliar a execução do Contrato de Gestão nº 141/2016, firmado entre a SMS e a Fundação Pública de Saúde de Vitória da Conquista (FPSVC) para gerenciamento do Hospital”. O relatório do processo foi publicado no Diário Oficial do Estado (D.O.E.) em fevereiro de 2020. 

Tanto a direção da Fundação quanto a SMS já sabiam da existência do documento e dos problemas apontados pela auditoria desde o segundo semestre de 2019. Ainda assim, o relatório foi concluído sem que ambas as instituições apresentassem justificativas para as chamadas “não-conformidades” constatadas pela Sesab.

Além disso, o parecer só passou a ser debatido publicamente no início do mês de setembro, por iniciativa do Conselho Municipal de Saúde (CMS), que teve acesso ao documento e decidiu encaminhá-lo à Câmara de Vereadores e ao Conselho Curador da Fundação Esaú Matos. Até então, representantes dessas entidades não tinham conhecimento do relatório, de acordo com a vereadora Viviane Sampaio (PT), que tem acompanhado as discussões em torno do assunto e cobrado a resolução dos problemas elencados na auditoria

“O Conselho Curador é um órgão de gestão paralelo à administração da Fundação. Ele é o colegiado que delibera todas as ações da instituição. E mesmo assim, muitos conselheiros não tinham conhecimento desse relatório. É uma falta de transparência muito grande com relação a essas questões que estão acontecendo. O nosso interesse é que esses problemas sejam realmente sanados, porque estamos falando de dinheiro público”, destacou Sampaio, que é presidente da Comissão de Saúde e Assistência Social da Câmara.

Viviane Sampaio: ” O nosso interesse é que esses problemas sejam realmente sanados, porque estamos falando de dinheiro público”. Foto: Ascom / CMVC.

Segundo a vereadora, já que a Prefeitura de Conquista tinha conhecimento de todo o processo realizado pela Sesab, a gestão municipal – na época do ex-prefeito Herzem Gusmão – teve um total descaso ao não responder o Estado. Viviane acredita que o Executivo local deveria ter, no mínimo, informado “as medidas que estavam sendo adotadas ou encaminhar um plano de trabalho para resolver todas as não-conformidades apresentadas no relatório”.

Ameaças à qualidade do serviço prestado pelo Esaú 

A Comissão de Saúde da Câmara avalia que os problemas apontados pela auditoria da Sesab no Hospital Esaú Matos comprometem a qualidade da assistência prestada pela instituição aos conquistenses, sobretudo às gestantes, lactantes e puérperas, principais grupos atendidos na unidade. Algo que contribui para isso, de acordo com o relatório da Secretaria Estadual, é a sobrecarga dos profissionais de saúde, o descumprimento de normas de segurança do paciente, de segurança do trabalho, entre outras legislações.

Sampaio acredita que as implicações de todas as não-conformidades podem ser ainda piores, levando ao aumento da mortalidade infantil e materna e acarretando a perda da habilitação do Esaú Matos como referência na gestação de alto risco e de UTI neonatal. “Foi tudo isso que nos causou muita preocupação em relação a esse relatório da auditoria”, acrescentou a vereadora.

Fiscalizações e cobranças

A Câmara Municipal, através das comissões de Saúde e de Direitos Humanos, tem apurado a situação desde o dia 9 de setembro, quando parlamentares se reuniram para analisar o documento. No dia 16 desse mesmo mês, ocorreu uma reunião entre representantes do Legislativo conquistense, do Conselho Municipal de Saúde (CMS) e da Fundação de Saúde de Vitória da Conquista.

Na ocasião, a Fundação fez um balanço dos problemas apontados na auditoria que, de acordo com a instituição, já haviam sido resolvidos, e apresentou justificativas para aqueles que não foram solucionados. Segundo a assessora da FPSVC, Ceres Neide Almeida Costa, a pandemia da covid-19 impediu que houvesse celeridade na resolução das irregularidades.

Ceres destacou também que algumas pendências relacionadas à infraestrutura do Hospital foram sanadas. A gestora disse que foram compradas poltronas removíveis e máquina autoclave e foi feita a manutenção dos quartos de repouso e dos equipamentos de UTI, além da elaboração de relatório de vacinação dos profissionais do hospital, entre outras ações. Mas o saldo final do balanço apresentado pela Fundação não foi positivo, de acordo com o CMS e com os vereadores Alexandre Xandó (PT) e Viviane Sampaio (PT), que estavam presentes na reunião do dia 16.           

Registro da reunião realizada no dia 16 de setembro. Foto: Ascom / CMVC.

“Apesar de vários pontos terem sido sanados, identificamos que alguns, como a CIPA [Comissão Interna de Prevenção de Acidentes] não está em atividade. É um ponto gravíssimo, já que se trata de um organismo referente à saúde do trabalhador”, afirmou Xandó. Ele também criticou o caráter informal da reunião, já que nela não foram entregues documentos com as informações passadas pela Fundação. 

Por isso, foi decidido que a instituição deveria entregar a documentação até o dia 20 de setembro, comprovando o que já havia sido feito e apresentando um planejamento para a execução das ações restantes. A maior parte dos documentos solicitados foram entregues ao Conselho Municipal de Saúde apenas no dia 21, mas a Fundação não os encaminhou para o Legislativo e se queixou do curto prazo para reuni-los.

Como encaminhamento da reunião do dia 16 de setembro, também foi agendada uma visita do CMS e da Câmara ao Esaú Matos para fiscalização do hospital. A ação ocorreu na última terça-feira, 28, e contou também com a presença do Conselho Curador da FPSVC. O principal objetivo, de acordo com a presidente da Comissão de Saúde do Legislativo, a vereadora Viviane, foi “fazer uma vistoria in loco, principalmente para observar a estrutura física e algumas questões documentais”. Ela foi acompanhada pelo vereador Ricardo Babão (PCdoB).

Ao final da visita, eles identificaram que as irregularidades ainda não solucionadas dependem de adequações, como melhorias na estrutura física, implantação de protocolos e o manejo correto dos resíduos sólidos. A partir de agora, as comissões da Câmara e os conselheiros do CMS irão se reunir para finalizar um relatório que deve ser encaminhado à Secretaria Municipal de Saúde (SMS). As questões que competem à SMS serão tratadas diretamente com a pasta.

Registro da vistoria feita no último dia 28 pela Câmara e CMS, no Hospital Esaú Matos. Foto: Ascom / CMVC.

“Situação é crítica”, diz conselheira de Saúde

Em nota publicada ainda na terça, 28, no site da Prefeitura de Vitória da Conquista, a assessora técnica da diretoria da FSVC, Monica Rodrigues Andrade, afirmou que a instituição “cumpriu boa parte das exigências apontadas pela auditoria, e as poucas que ficaram nós estamos planejando para apresentar e programar a adequação”. Mas para a conselheira de Saúde, Suzana Cristina Silva Ribeiro, a situação ainda é crítica, principalmente no que diz respeito às condições de armazenamento e manejo dos resíduos sólidos produzidos pela unidade.

Durante a visita feita no início desta semana, foi constatado que o tratamento inadequado do lixo hospitalar, uma das mais graves irregularidades apontadas na auditoria da Sesab, é um problema que persiste, da mesma forma como havia sido observado pelos auditores da Secretaria Estadual da Saúde, em 2018. 

Em entrevista ao site Conquista de Fato, Ribeiro disse que as bombonas com lixo infectante e perfurocortantes ficam a céu aberto e que há caixas plásticas grandes cheias de lixo sem tampas, além de uma improvisação com um freezer para colocar placentas e restos de parto. A conselheira acredita que a precarização do Esaú afeta não apenas Conquista, mas toda a região. Ela já advertiu para o fato de que o hospital pode perder repasse de recursos ao não fazer as adequações cobradas.

A importância do Esaú no contexto regional

Considerado uma referência em obstetrícia no interior da Bahia, devido ao atendimento prestado em casos de gestação de alto risco, o Hospital Municipal Esaú Matos é, atualmente, a principal porta de entrada para a maternidade na região Sudoeste e Norte de Minas Gerais. Além de realizar exames laboratoriais e de imagem, ele conta com pronto-atendimento obstétrico 24 horas, leitos de internação hospitalar específicos para gestantes de alto risco, sala de estabilização neonatal, unidade de terapia intensiva e semi-intensiva neonatal.

O trabalho da unidade é orientado pela Política Nacional de Humanização (PNH), que visa a garantia de um acolhimento humanizado aos pacientes. Para isso, a instituição conta com uma equipe multidisciplinar, composta por médicos, psicólogos e assistentes sociais. A Fundação Pública de Saúde (FPSVC) é responsável não só pela sua administração, mas também de outros quatro equipamentos: o Laboratório Central Municipal, o Banco de Leite Humano, a Clínica Municipal de Reabilitação e o Ambulatório de Saúde Mental.

Vale destacar que esses serviços não foram auditados pela Sesab, somente o Esaú. Ao longo dos últimos anos, o hospital já esteve envolvido em diversas outras polêmicas que também vieram a público por meio da imprensa, como, por exemplo, o atraso no pagamento de contas de energia. A vereadora Viviane Sampaio (PT) ressalta que a população precisa ficar sempre atenta a todas essas questões.

Paciente é atendida no Hospital Esaú Matos. Foto: Secom / PMVC.

“Trata-se de um patrimônio público. Hoje, praticamente todas as crianças [de Vitória da Conquista] nascem no Esaú Matos. Foi algo construído a várias mãos, principalmente para as mulheres trabalhadoras. E precisamos fiscalizar para que o hospital possa realmente prestar uma assistência cada vez mais segura e de qualidade”, concluiu.

O Conquista Repórter solicitou entrevista e/ou nota de esclarecimento acerca dos fatos apurados e contextualizados pela reportagem à direção da Fundação Pública de Saúde de Vitória da Conquista (FPSVC) e à Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Entretanto, até a conclusão desta matéria, não obtivemos resposta. 

Foto de capa: Secom / PMVC

Gosta do nosso trabalho? Então considere apoiar o Conquista Repórter. Doe qualquer valor pela chave PIX 77999214805 ou assine a nossa campanha de financiamento coletivo no Catarse. Assim, você nos ajuda a fortalecer o jornalismo independente que Vitória da Conquista precisa e merece!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  • some
  • Somos uma organização de mídia independente que produz jornalismo local em defesa dos direitos humanos e da democracia no sertão baiano.
  • Apoie

© 2021-2024 | Conquista Repórter. Todos os direitos reservados.