Prefeitura descumpre promessa e prolonga entrega da clínica veterinária municipal

Por - 21 de março de 2022

A previsão era de que o Centro de Apoio à Saúde Animal (Casa) fosse inaugurado em fevereiro deste ano. Ativistas ressaltam que o equipamento não exclui a necessidade de um Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) em Conquista.

Apesar de não anular a necessidade de um Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) em Vitória da Conquista, já que a cidade é a única do Brasil com mais de 200 mil habitantes que não possui uma unidade, a implantação de um Centro de Apoio à Saúde Animal (Casa), prometido desde novembro de 2020, durante a campanha eleitoral do ex-prefeito Herzem Gusmão, trouxe esperanças aos ativistas da causa que atuam no município. 

Afinal, a chegada do primeiro hospital veterinário público da região Sudoeste da Bahia não deixa de representar um avanço para quem luta há anos contra o abandono e os maus-tratos de animais, mesmo tendo pouco ou praticamente nenhum suporte do Poder Público. 

Diante da demora para a inauguração da clínica, construída na Avenida Brumado, esse suporte continua quase inexistente. Com a proposta de atender gratuitamente a bichos de estimação de pessoas de baixa renda, bem como aqueles resgatados por grupos protetores de animais, a previsão era de que o Centro de Apoio à Saúde Animal (Casa) fosse entregue até a primeira quinzena do mês passado pelo Executivo municipal.

Desde então, mais de 30 dias se passaram e reina o silêncio na cidade em torno do assunto. A última vez que a inauguração do Casa entrou em pauta no debate público foi durante uma audiência promovida pela Câmara de Vereadores, no dia 9 de dezembro de 2021, com intuito de discutir os maus-tratos contra animais e a adoção de políticas públicas voltadas para a causa. 

Antes disso, em novembro do mesmo ano, a vereadora Viviane Sampaio (PT) cobrou a conclusão da obra durante uma Sessão Ordinária do Legislativo. Na época, ainda nem se tinha notícia de quando ela seria entregue. “A gente sabe da necessidade desse equipamento para Conquista”, destacou a parlamentar, na ocasião. 

A audiência pública pela causa animal, realizada em dezembro do ano passado, foi uma iniciativa do mandato do vereador Marcus Vinicius (Podemos). Foto: Ascom / CMVC.

Uma protetora que pediu anonimato contou à nossa reportagem que passa constantemente em frente ao local e percebe que o Casa ainda está em fase de obra, pelo que observa “vendo o andamento por fora”, ressaltou. “Estava inacabada e com longos intervalos de movimentação, porém, há 2 semanas tenho notado movimento constante”, relatou na última sexta-feira, 18.

Assim como outros ativistas com quem conversamos, ela acredita que há empenho e boa vontade da atual secretária de Meio Ambiente, Ana Cláudia Oliveira Passos, para que a obra seja concluída o quanto antes. Mas afirma que, “para a Prefeitura, de maneira geral, o hospital [veterinário] não é nem de longe uma prioridade”. 

“Sensação de descaso, negligência, e abandono por parte do Poder Público. Não exitaram em prometer algo em um prazo que sabiam sem a menor dúvida que não poderiam cumprir, visto que, alegam que dependiam de processos licitatórios para equipamentos e seleção de profissionais, então como puderam dar um prazo? Esperamos, no mínimo, que os serviços sejam prestados da maneira devida”, complementou.

Vídeo que mostra a frente do Casa, gravado pela protetora que pediu anonimato à nossa reportagem.

De acordo com a integrante do Grupo Quatro Patas, Débora Almeida Lima, acontece, nesta terça-feira, 22, uma reunião entre ativistas e grupos protetores da cidade com a prefeita Sheila Lemos para cobrar mais envolvimento da gestora com a causa animal. Na ocasião, também será discutida a entrega do Centro de Apoio, além de outros projetos. 

“Como já recebemos várias promessas e muito adiamento das mesmas, não criamos expectativas e seguimos fazendo o que está ao nosso alcance, mas esperamos que a inauguração aconteça e que seja muito eficaz”, disse Débora. Por e-mail, o Conquista Repórter solicitou posicionamento da Prefeitura acerca do assunto, mas até o fechamento desta reportagem, não obtivemos resposta.

Perspectivas e desafios

Segundo o que foi divulgado ano passado pelo Executivo, o Centro de Apoio à Saúde Animal é, na verdade, a etapa inicial para a implantação do hospital veterinário público de Vitória da Conquista. Nessa primeira fase, o Casa irá oferecer serviços como pequenas cirurgias e castração, mas o atendimento ocorrerá mediante agendamento. Além disso, o horário de funcionamento será limitado, diferentemente de um hospital, que funciona 24 horas por dia. 

“Acredito que a chegada da clínica veterinária municipal vai ajudar, principalmente, animais de rua e de pessoas de baixa renda, que muitas vezes não têm pra onde ou pra quem pedir socorro”, avalia a médica veterinária Hosana Oliveira, uma das fundadoras da Associação Amiga dos Animais (AMA). Ela lembra que a criação do Casa, inclusive, é uma reivindicação antiga de ativistas e grupos protetores de animais da cidade.

O ativista Vitor Quadros, que luta pela causa animal há cerca de 20 anos, afirma que a clínica também poderá contribuir bastante com o atendimento de animais vítimas de acidentes de trânsito. Para isso, ele defende que o Casa “precisa ter um setor de ortopedia, porque muitos animais são atropelados, semanalmente, em Conquista”.

Entretanto, ele não acredita que o equipamento será suficiente para atender a toda a demanda de animais que precisam de cuidados na cidade. Uma das questões que o Centro de Apoio não irá resolver, de acordo com o ativista, é o transporte ou a locomoção de animais até o local onde o equipamento está localizado. 

“Hoje, até para você achar um transporte por aplicativo que permite carregar bicho está difícil. Só existe um serviço especializado de táxi dog em Vitória da Conquista e, por ser especializado, é obviamente mais caro do que qualquer outro serviço tradicional. E a cidade é grande. Por mais que o Casa esteja bem localizado, em um local de fácil acesso, pessoas que moram muito longe da Avenida Brumado terão dificuldade para chegar lá com seus bichos”, opina.

Para o ativista, por estar associado ao cuidado com os bichos, o novo espaço também deve gerar um aumento do número de animais abandonados na localidade. Atualmente, ONGs e grupos protetores estimam que existem cerca de 10 mil bichos nas ruas de Vitória da Conquista, entre cachorros, gatos e cavalos. Mas não há estatísticas oficiais sobre o assunto. “Essa é outra problemática”, destaca Vitor. 

Ele diz ainda que os efeitos da pandemia sobre a economia também agravaram essa situação. “E colocando na balança as demandas e urgências de um município, naturalmente, os animais vão ficar em último plano”, complementa. 

Em razão disso, o ativista não tem esperanças de que um Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) seja construído na cidade pelo menos pelos próximos 15 anos, por mais que se faça necessário, já que o CCZ cumpre um papel diferente daquele exercido por uma clínica veterinária pública como o Casa.

Vitor Quadros: “Colocando na balança as demandas e urgências de um município, naturalmente, os animais vão ficar em último plano”. Foto: Reprodução / Zoom Meet.

Uma questão de saúde pública

Geralmente vinculados ao Poder Público, os Centros de Controle de Zoonoses são órgãos que não têm como objetivo final cuidar da saúde dos animais, como em um hospital veterinário, mas sim controlar as doenças que eles podem transmitir ao ser humano, como a raiva, a leptospirose, entre outras. 

Para isso, são oferecidos serviços como desratização, vacinação antirrábica, resgate ou captura de animais “errantes” e castração, tudo de forma gratuita. Dessa forma, essas estruturas conseguem interromper ou pelo menos minimizar os efeitos da reação em cadeia provocada pelo alto número de animais abandonados.

Ao estarem nas ruas, os bichos ficam mais suscetíveis a maus-tratos e vulneráveis a diferentes tipos de patógenos. Se a maioria não é castrada nem vacinada, rapidamente eles se proliferam e espalham doenças uns aos outros. Consequentemente, tornam-se também fontes de contaminação para as pessoas. E quanto maior a quantidade de animais nas ruas, mais alto é o risco de transmissão das zoonoses.

Durante a audiência pública pela causa animal realizada em dezembro do ano passado pela Câmara de Vereadores, a coordenadora do curso de Medicina Veterinária da UniFTC, Jéssica Tigre, explicou que a saúde pública não depende, portanto, somente da saúde das pessoas, mas também do cuidado com os animais. E ressaltou: “Transmitir doença não é escolha deles e sim da situação para a qual foram empurrados”. 

O papel do Poder Público

Para a Dra. Hosana Oliveira, são os atendimentos e serviços prestados pelo Poder Público que se constituem, de fato, como o melhor caminho para minimizar os riscos das zoonoses para a saúde da população. Nesse sentido, ela considera necessário a criação de uma lei municipal que garanta o tratamento digno aos animais, com multa para quem maltratá-los, além da implementação de um cadastro de protetores.

Esse dispositivo legal já existe na cidade. É a Lei Municipal nº 2.207, de 20 de dezembro de 2017, que determina o pagamento de multa aos atos de crueldade cometidos contra animais e proíbe que pessoas soltem ou abandonem bichos em vias e logradouros públicos e privados.

A nível federal, o abandono e os maus-tratos contra animais é criminalizado através da Lei Federal nº 9.605/98. A pena para quem descumpria essa legislação era detenção de até um ano, mas a Lei Federal nº 14.064, de setembro de 2020, determinou o aumento da pena para até cinco anos. 

O ativista Vitor Quadros defende que “o grande projeto pelo qual devemos lutar em Conquista é uma secretaria ou departamento especializado na causa animal”. Outro órgão que pode ser criado a curto ou médio prazo, segundo ele, é um Conselho Municipal de Defesa e Proteção Animal, algo que a cidade ainda não possui. “Mesmo depois de várias audiências públicas que já aconteceram na Câmara, essa ideia não se tornou uma realidade”, critica.

Ainda segundo ele, é preciso que a Prefeitura faça campanhas institucionais para educar a população sobre o assunto, no mínimo, mensalmente. “Várias cidades, até mesmo algumas menores do que Conquista, já realizam ações e têm departamentos especializados sobre o tema, pois é necessário que seja feito um trabalho integrado e em rede, já que esse não é só um problema ambiental”, comenta. 

Ex-integrante da AMA, Vitor administra, atualmente, um grupo no Facebook com quase 20 mil membros, que ele classifica como uma “central não oficial de denúncias de abandono e maus tratos, resgates e adoções de animais em Vitória da Conquista”. Além disso, ele já se apresenta como pré-candidato ao Legislativo conquistense “essencialmente pelos bichos”.

Página do grupo “Adoção de Animais – Vitória da Conquista”, administrado por Vitor. Imagem: Reprodução / Facebook.

A importância das ONGs e grupos protetores

Em Conquista, existem outras diversas iniciativas de proteção e defesa dos animais. Uma delas é o Grupo Quatro Patas, do qual a ativista Débora Almeida Lima faz parte. Ele existe desde 2009. “Comecei sozinha abrigando animais temporariamente na minha casa e depois não consegui mais me afastar da causa, devido à grande demanda que fui encontrando pelo caminho. Com o tempo, foram surgindo voluntários interessados em ajudar de diversas formas, e crescemos ao ponto de lotarmos dois abrigos”, conta. 

Atualmente, o grupo também realiza resgates e até financia tratamentos veterinários para animais debilitados, por meio de campanhas de arrecadação nas redes sociais. “As ONGs e protetores independentes são fundamentais pois, no momento, somos os únicos lutando pelos animais, dando voz a quem não consegue falar. Muitas pessoas não tem o tempo, a disponibilidade ou não querem se doar para a causa, mas nos ajudam para que nós possamos fazê-lo”, afirma Débora.

A Dra. Hosana Oliveira também é enfática ao destacar o papel desses grupos: “Se não existissem as ONGs e os grupos protetores, coitados desses bichos, porque cada um tenta, da forma que é possível, ajudá-los. Eles vão atrás de castrações, medicamentos, cuidam de animais caídos nas ruas, fazem realmente um trabalho do serviço público. Então, esses grupos sim estão de parabéns, porque se a situação de Conquista é ruim, estaria bem pior se não tivesse a mão de cada um, um dedinho de cada um ajudando os animais de rua”.

Veja a seguir uma lista de perfis de ONGs e grupos protetores de Vitória da Conquista, enviada ao Conquista Repórter pelo ativista Vitor Quadros:

Associação Amiga dos Animais

Grupo Quatro Patas

Adote um Amigo VCA

Adote Animais VDC

Patas Carentes VCA

Salve um Gatinho

ONG Geamo – Proteção Animal

Saulo Botelho Protetor Animal

*Foto de capa: Secom / PMVC.

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