Prefeitura de Vitória da Conquista fechou 14 escolas quilombolas em cinco anos

Por - 29 de fevereiro de 2024

Desde 2018, diversas crianças estão sem direito à educação nos seus territórios, o que causa impactos na cultura, memória e identidade étnica de remanescentes de quilombos. De acordo com moradores, as desativações aconteceram sem diálogo com as comunidades.

“Eles simplesmente desativaram a escola, não comunicaram a comunidade”. A frase é de Magna Novais de Oliveira, de 48 anos, que conversou com o Conquista Repórter na sala de sua casa, no quilombo do Sinzoca, situado no distrito de José Gonçalves, zona rural de Vitória da Conquista. Ela é agente comunitária de saúde e também é mãe de Bruna, uma jovem de 24 anos que cursa Psicologia na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Quando criança, Bruna estudou na Escola Municipal Inocêncio Santos, que funcionava na própria comunidade onde a família reside. Mas assim como outras 13 instituições de ensino localizadas em quilombos do município, o colégio foi desativado, deixando dezenas de crianças sem o direito à educação em seu território.

No Sinzoca, a escola foi fechada em 2018. Um ano depois, no quilombo de Cachoeira dos Porcos, no Distrito do Iguá, foi a vez da Escola Municipal Juvêncio Rocha ser alvo de um possível fechamento. “A gente fez manifestação, veio polícia, veio sindicato. Fechamos a estrada do Rancho Alegre até Cachoeira, aí pronto, pararam com isso de querer fechar a escola”, conta Vitória Fernandes Marinho, coordenadora da associação de agricultores familiares da comunidade remanescente de quilombo.

Mas a mobilização dos moradores de Cachoeira dos Porcos, naquele ano, não foi suficiente para manter de pé o que Vitória classifica como “patrimônio da comunidade”. Três anos depois, em 2022, as portas da escola foram fechadas. “A desculpa era que queriam acabar com as classes multisseriadas (onde alunos de idades e níveis educacionais diferentes são orientados pelo mesmo professor). Mas se o objetivo era esse, bastava construir mais salas”, diz.

A primeira tentativa de fechar a escola de Cachoeira dos Porcos aconteceu em 2019.

No quilombo de Lagoa dos Patos, certificado pela Fundação Palmares em 2006, o cenário não foi diferente. No ano de 2020, a Escola Municipal Joaquim Manoel Macedo, que atendia alunos do Ensino Fundamental I (1º ao 4º ano), deixou de ser um espaço de aprendizado para as crianças da comunidade. Hoje quem passa em frente ao prédio só vê portas trancadas por grades e cadeados. 

“Eles alegaram que tínhamos poucos alunos, mas na realidade não existe isso. Nós temos o direito de ter uma escola funcionando na comunidade”, afirma Maria Aparecida Souza, coordenadora da associação de Lagoa dos Patos e tesoureira do Conselho Quilombola do Sudoeste Baiano. Quando se refere a “eles”, a líder quilombola, assim como Magna e Vitória, fazem menção à Secretaria Municipal de Educação de Vitória da Conquista (SMED). É esse o órgão responsável por planejar, coordenar e executar a política educacional do município.

A falta de diálogo da SMED com as comunidades quilombolas é algo que se repete em todas as histórias ouvidas pelo Conquista Repórter. O consenso é que foram tomadas decisões unilaterais, sem levar em conta as considerações dos moradores dos territórios, mesmo quando eles protestaram ou buscaram respostas junto à secretaria. A postura da gestão municipal também vai na contramão do que prevê a Lei 12.960, de março de 2014.

Prefeita Sheila Lemos e secretário de Educação, Edgard Larry, em visita a obras em escolas na zona rural, em maio de 2022. Foto: Secom/PMVC.

De acordo com a lei, o fechamento de escolas do campo, indígenas e quilombolas, deve ser precedido de manifestação do órgão normativo do respectivo sistema de ensino, “que considerará a justificativa apresentada pela Secretaria de Educação, a análise do diagnóstico do impacto da ação e a manifestação da comunidade escolar”. Mas não houve nada disso. “Os direitos das nossas crianças estão sendo desrespeitados. Se a escola é numa comunidade quilombola, a criança é quilombola, ela tem que continuar no seu lugar”, ressalta Vitória Marinho, de Cachoeira dos Porcos.

De um total de 26 escolas quilombolas, ao menos 14 foram desativadas, desde 2018, pela Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista. Os dados foram obtidos a partir de um cruzamento entre diferentes fontes e documentos, o que inclui informações solicitadas via LAI (Lei de Acesso à Informação), um levantamento realizado pelo Conselho Quilombola do Sudoeste Baiano, e uma pesquisa sobre o fechamento de escolas do campo desenvolvida pela professora Vanessa Costa dos Santos, na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). 

Cultura, identidade e pertencimento

Quando uma criança quilombola é retirada da sua comunidade de origem para ser educada em outra localidade, ela perde uma referência importante para sua formação humana e cidadã. “O que se perde é a identidade histórica. E os professores que estão nessa outra escola [fora do quilombo], normalmente não têm esse conhecimento. Para eles saberem que a criança é pertencente a uma comunidade quilombola, ela tem que falar: eu sou. E muitas vezes por medo do preconceito, do racismo, da exclusão, ela se priva de falar”, relata Dhovana Rosa de Jesus, liderança quilombola e integrante do Movimento Negro Unificado (MNU).

A jovem é estudante de Pedagogia na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), campus de Vitória da Conquista. Mas antes de ingressar no ensino superior, foi aluna na Escola Municipal Inocêncio Santos, desativada em 2018 no quilombo do Sinzoca. Quando o colégio deixou de existir, Dhovana já não estudava mais lá. Ainda assim, sentiu a perda desse patrimônio onde vivenciou aprendizados sobre si mesma e sobre a cultura dos seus ancestrais. 

Ao relembrar seus dias na escola e as memórias da infância, a líder quilombola destaca um evento que era conhecido como “Semana Cultural”. “Era um resgate muito grande, de voltar a sentir o batuque. Muitos não entendem o que sentimos quando a gente escuta um samba de roda. É como se ele batesse lá no fundo da nossa alma. E eles [os professores e a semana cultural] trouxeram isso pra gente. A vontade de descobrir a cultura, o porquê do nome da nossa comunidade, o desejo de lutar pelo que é nosso”, explica. 

Dhovana é mãe de Arthur Gabriel, 7 anos, que não consegue estudar dentro do seu quilombo.

O projeto foi criado por um professor chamado Eugênio, e envolvia alunos, mães, pais, além de movimentos sociais. Era uma celebração da história e cultura afro-brasileira. Capoeira, samba de roda, peças teatrais que retratavam as fugas das pessoas negras escravizadas, contos sobre os orixás, comidas tradicionais. Tudo isso estava presente para estimular as crianças e suas famílias a se conectarem com suas raízes e suas origens. 

Dhovana conta que, através desse projeto, ela pôde aprender o porquê da relação entre os santos católicos e os orixás. “Foi aí que eu descobri que essa troca dos nomes [das divindades] acontecia para que a gente pudesse fazer os cultos religiosos sem que o senhor [de engenho] castigasse todo mundo”, afirma. No sincretismo religioso, Ogum, por exemplo, está associado a São Jorge. Segundo a historiografia, “trocar” os nomes era uma forma das pessoas escravizadas continuarem realizando seus rituais sem perseguições.

A agente comunitária de saúde Magna Novais de Oliveira também tem boas recordações da Semana Cultural. Como mãe de uma ex-aluna da escola, ela participava ativamente do evento. Na entrevista ao Conquista Repórter, ela contou sobre a tradição do pilão de aroeira, que fazia parte da programação. “Tinha o pilão e uma torradeira de café. Uma pessoa sentava para torrar o café e os outros iam cantando cânticos. A gente já levou esse pilão pra Conquista e fizemos apresentações com outras comunidades. Teve até um prêmio. Na época ganhamos 500 reais e mais uma TV para a escola”, diz.

No quintal de sua casa, no quilombo do Sinzoca, Magna guarda o pilão de aroeira.

Magna conheceu a história por trás do pilão através de seus avós. Segundo os relatos dos mais velhos, por conta do trabalho pesado e da rotina cansativa, os trabalhadores criavam cânticos “para desfazer da tristeza”. “Enquanto estavam pilando milho ou alguma outra coisa, eles cantavam, porque pra eles era um motivo de alegria”, explica. Numa tentativa de manter viva a tradição, ela compartilhou o que aprendeu com seus antepassados com a sua filha, Bruna.

“Pra mim é muito triste [ver a escola fechada] porque acaba morrendo um pouquinho de tudo, da cultura, da educação. Infelizmente as crianças de hoje não têm a oportunidade de ter esse conhecimento [sobre sua comunidade] porque elas estão em outra escola, com outras crianças que não são quilombolas”, afirma a estudante de Psicologia.

Uma das crianças que hoje não tem a oportunidade de estudar dentro do seu quilombo é Arthur Gabriel, de 7 anos, filho de Dhovana. Ele está no Ensino Fundamental I e frequenta a escola no povoado da Roseira. “Eu queria muito que ele vivesse uma semana cultural. É triste ver meu filho querer falar que é de uma comunidade quilombola e ser proibido de fazer isso. Eu vejo como as pessoas olham pra gente quando ele afirma isso. E eu sempre digo pra ele: fale, grite, agradeça o lugar de onde você veio e respeite suas raízes”, conta a militante do Movimento Negro Unificado (MNU).

A educação escolar quilombola

Aos 26 anos, Dhovana tem muito orgulho do lugar de onde veio, o quilombo do Sinzoca. A Escola Municipal Inocêncio Santos, onde estudou e pôde se compreender enquanto mulher negra, é um exemplo de como a educação escolar quilombola é possível e necessária. Mas essa é umas das exceções dentro de Vitória da Conquista. Segundo a professora Niltânia Brito Oliveira, que atua na rede municipal de ensino há 30 anos, ainda estamos distantes de ter escolas que de fato aplicam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica.

Essas diretrizes são definidas por uma resolução do Conselho Nacional de Educação, publicada em novembro de 2012. Além disso, um importante instrumento legal para a construção da educação escolar quilombola é a Lei 10.639/2003, que instituiu a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira no currículo oficial da educação básica em todo o país.

Em Vitória da Conquista, para atender a política pública exigida pela lei federal, foi aprovada uma resolução pelo Conselho Municipal de Educação, que criou a disciplina História e Cultura Africana e Afro-Brasileira para compor o currículo das escolas do município.

Entre os princípios previstos na resolução de 2012 estão o respeito e o reconhecimento da história e da cultura afro-brasileira como elementos estruturantes do processo civilizatório nacional. Foram esses aspectos que Niltânia encontrou na escola do Sinzoca, enquanto realizava seu trabalho de mestrado, no qual pesquisou a política da educação escolar quilombola em Vitória da Conquista.

Acervo da Kilombeco, biblioteca comunitária do Beco de Vó Dôla, quilombo urbano de Vitória da Conquista.

De acordo com a pesquisadora, naquele ambiente escolar, o professor mostrava aos estudantes a história do povo negro a partir dos reis e rainhas de África, para só depois trazer à tona o processo de escravização. “Nós precisamos ampliar isso para todas as escolas que recebem os nossos alunos quilombolas. Você não pode construir uma história negando outra. É preciso que ela seja contada em todas as suas vertentes”, destaca.

Com a rara exceção da escola do quilombo do Sinzoca, durante sua pesquisa, Niltânia percebeu que não existe, em Conquista, a implementação de um currículo adequado às especificidades das comunidades quilombolas. “Os professores, no intuito de fazer um trabalho, mas sem nenhuma formação específica, reforçavam mais preconceito do que trabalhavam a desconstrução desse racismo”, afirma.

Essa falta de um olhar específico para a educação escolar quilombola fica evidente na prática. De acordo com Dhovana e Bruna, que estudaram na escola do Sinzoca, quando outros professores assumiram as turmas na comunidade, alguns não quiseram realizar a semana cultural. “As diretrizes orientam que os profissionais sejam preferencialmente pessoas que compõem aquele território quilombola. Por quê? Porque conhecem as tradições, a história, sabem quem são as pessoas que lá estão, sabem as especificidades, as necessidades”, explica Niltânia Brito Oliveira.

Como resultado da sua pesquisa, que abrangeu o período de 2012 a 2017, a docente constatou que, entre os 82 educadores que atuavam em um total 25 escolas nos quilombos conquistenses, apenas 20% eram oriundos das comunidades. Quem vive nesses territórios sente falta de professores que “falem a sua língua”, como destaca o agricultor e líder comunitário Valdenicio Gonçalves, morador do Oiteiro.

Para Niltânia, esses dados e a realidade dentro dos quilombos mostra que há uma negação da política que rege a educação escolar quilombola. “Em Vitória da Conquista, nós tivemos um avanço, de 2005 a 2011, um trabalho efetivo nessa perspectiva de pensar o projeto pedagógico específico para as comunidades quilombolas, mas de lá para cá, infelizmente, vemos uma descontinuidade desse processo”, destaca a professora.

A negação dessa política significa que não basta existir uma escola dentro da comunidade quilombola, é preciso que a instituição de fato aplique um currículo que trabalhe de maneira antirracista a história e cultura afro-brasileira. Para Flávio Passos, doutorando em Estudos Étnicos e Africanos pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), a educação escolar quilombola se constrói a partir do diálogo entre diversos elementos. 

“É uma costura bem feita que exige investimento, formação dos professores, e uma desconstrução da perspectiva colonial e racista. A maioria dos professores que vão para essas comunidades moram na cidade, levam seus valores para dentro da sala de aula e desdenham daquilo que é a riqueza da comunidade quilombola”, afirma Passos. Mas ainda assim, não há como ignorar a importância da existência de uma escola dentro de um quilombo. “Fechar uma escola é um projeto de genocídio”, complementa.

Retrocesso e negação de direitos

De acordo com levantamento da 2ª Regional da Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE/BA), realizado em 2022, 93% dos alunos quilombolas não estudam em suas próprias comunidades em Vitória da Conquista. Apenas 7% dos estudantes têm acesso ao ensino no território onde vivem. Segundo Domingos Lemos, presidente do Conselho Quilombola do Sudoeste Baiano, a principal queixa das populações quilombolas nos últimos anos tem sido justamente o fechamento de escolas. 

Domingos conta que, a partir de 2018, houve uma intensificação do processo de desativação de escolas, numa ação que ele chama de “extermínio dos direitos e das tradições dos povos quilombolas”. Além disso, no mesmo período, foram encerradas as atividades do núcleo de diversidade até então existente dentro da Secretaria Municipal de Educação (SMED).

Domingos Lemos é natural do quilombo de São Joaquim do Sertão.

A professora Niltânia Brito participou da formatação desse núcleo, em 2005. O setor era responsável por pensar a pedagogia voltada para a educação do campo e para a educação quilombola. Naquela época, segundo a pesquisadora, junto à SMED, foi possível conquistar muitos avanços para a política educacional do município. Um ano antes, havia sido iniciado o processo de reconhecimento e certificação quilombola em Vitória da Conquista, a partir do programa Brasil Quilombola, instituído pelo Governo Federal em 2004.

“Esse núcleo oferecia o suporte pedagógico até para que os professores pudessem estar colocando as suas demandas, as suas necessidades, aquilo que eles precisavam de material específico para trabalhar dentro das escolas”, diz Niltânia. Ela explica que atualmente o núcleo está sem coordenação. “Me parece que a gente volta lá no início de tudo. Depois de vinte anos [desde a Lei 10.639/2003], ainda temos que dizer que muita coisa parou no caminho, infelizmente”, ressalta.

Em 2023, durante o 9º Encontro das Comunidades Quilombolas do Sudoeste Baiano, realizado em Vitória da Conquista, os 20 anos do Decreto 4887/2003 foi um dos temas discutidos na programação do evento. A normativa regulamenta a certificação e titulação das terras ocupadas por remanescentes de quilombos no Brasil.

Para a educadora, o que acontece em Vitória da Conquista se reflete em todo o país, quando o assunto é o apagamento da história da população negra e quilombola. “Nós temos dois projetos em jogo, o da classe trabalhadora e o da elite. Tudo o que está sendo pensado é para descaracterizar a educação quilombola, para que se possa dar notoriedade para o projeto de branqueamento, que vai simplesmente fazer com que os sujeitos quilombolas percam a oportunidade de fortalecer ainda mais as suas referências, as suas existências enquanto sujeitos”, destaca.

Os obstáculos e dificuldades

Além dos impactos na cultura e identidade étnica, o fechamento de escolas nos quilombos traz outras consequências, como a dificuldade de deslocamento até os colégios localizados fora das comunidades quilombolas. No Sinzoca, no Distrito de José Gonçalves, após a desativação da Escola Municipal Inocêncio Santos, os alunos foram transferidos para uma unidade no Povoado da Roseira. Mas em períodos de chuva, o transporte até o novo local de estudo das crianças é inviável.

“Quando chove, a gente não consegue sair daqui. Já ficamos ilhados por muito tempo. Nesse período de chuva o carro nem entra nem sai da comunidade, então, os meninos já ficaram sem estudar por muitos dias”, conta a agente de saúde Magna Novais de Oliveira. Para chegar até o Sinzoca, é preciso atravessar uma estrada de chão muito estreita, quase que escondida pela vegetação presente em seu entorno.

Estrada de chão em frente à casa de Magna, no quilombo do Sinzoca.

Poço de Aninha, Manoel Antônio e Taboa são outros quilombos conquistenses por onde o transporte escolar municipal não passa, devido às condições das estradas. “Temos crianças de cinco anos que precisam andar 1h para chegar no ponto de ônibus. Tem uma família que, quando chove, os meninos atravessam rio, passam por dentro de carreiro no mato”, revela Ramônica Mendonça, líder comunitária e secretária da Associação de Agricultores Familiares das Comunidades Remanescentes de Quilombos de Oiteiro e Região.

Ramônica conta que duas unidades escolares foram fechadas em Oiteiro, que compreende sete comunidades quilombolas. Foram desativadas a Escola Municipal Teófilo Lemos, no quilombo de Teófilo Lemos, e a Escola Municipal Jorge Amado, no quilombo de Manoel Antônio. Todas as crianças, de ambos os colégios, foram transferidas para a Escola Municipal Alfredo Brito, localizada no quilombo de Lagoa de Maria Clemência. 

Inicialmente, segundo a líder comunitária, a Secretaria de Educação queria levar os estudantes para o Distrito do Pradoso, mas após muitos protestos de mães, a gestão voltou atrás na decisão e os alunos puderam permanecer pelo menos dentro do território quilombola.

Em Cachoeira dos Porcos, os alunos foram realocados para um colégio no Campo Formoso, após a desativação da Escola Municipal Juvêncio Rocha. O povoado está há 13,5km do quilombo. De acordo com Vitória Fernandes Marinho, liderança da comunidade, existe até dificuldade de comunicação com os responsáveis pelas crianças, caso ocorra alguma urgência. “Não tem sinal de telefone. Se o ônibus quebrar na estrada ou se um filho adoecer, não tem como os pais saberem e irem lá buscar”, explica.

Outro lado

Conquista Repórter solicitou esclarecimentos da Secretaria Municipal de Educação de Vitória da Conquista (SMED) a respeito dos fechamentos de escolas nos quilombos e do encerramento do núcleo de diversidade que existia dentro do órgão. Além disso, questionamos a entidade sobre as políticas existentes no município para a aplicação da Resolução CNE Nº 8/2012, que define Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica. 

A SMED não respondeu diretamente ao Conquista Repórter, mas a Secretaria Municipal de Comunicação (Secom) enviou uma nota à imprensa via lista de transmissão no WhatsApp. Na mensagem, o órgão afirmou que “tem feito importantes investimentos nas escolas quilombolas e nas escolas que atendem alunos quilombolas”.

Por meio de nota, a gestão Sheila Lemos (UB) informou que atualmente existem 12 escolas em comunidades quilombolas, conforme apurou esta reportagem, e duas sendo estruturadas para atender a educação quilombola, a Escola Municipal Otaviano Salgado, no Povoado de Campo Formoso, e a Escola Municipal Antônia Cavalcanti e Silva, situada na zona urbana do município.

Além disso, o órgão responsável por gerir a educação em Vitória da Conquista justificou alguns fechamentos, afirmando que “as atividades foram suspensas por falta de alunos”. Foram citadas as escolas Gustavo Alves da Silva, no Boqueirão, e Corredor do Rio Pardo, em Cachoeira do Rio Pardo. A SMED destacou ainda a inauguração da Escola Municipal Otaviano Salgado, a primeira com ensino em tempo integral na zona rural, prometendo que essa unidade “será transformada em polo de educação quilombola”. Segundo a nota, o ensino em tempo integral e as turmas organizadas de forma regular e por ano (sem serem multisseriadas) são “ganhos” para as comunidades.

A Secom enfatizou ainda que “se encontra em processo de construção uma proposta de trabalho, com aquisição de material didático específico, para ampliação do combate ao racismo e valorização da cultura afro-brasileira e indígena”. Leia a nota na íntegra aqui.

A reportagem também buscou posicionamento do Conselho Municipal de Educação (CME), da Comissão de Educação da Câmara Municipal de Vitória da Conquista e do Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA). 

O presidente da Comissão de Educação do Legislativo municipal, Valdemir Dias (PT), afirmou que está ciente dos fechamentos de escolas nos quilombos e que tem denunciado a questão no plenário da Câmara. “Estamos cobrando uma posição da SMED e do CME. Sou membro efetivo do Fórum Municipal de Educação e temos discutido essa pauta”, explicou. O vereador disse ainda que o fórum irá se reunir com o secretário da pasta, Edgard Larry, para solicitar explicações sobre as desativações. Além disso, ele informou que vem cobrando uma ação do Ministério Público

O CME não respondeu ao nosso questionamento. Já o MP-BA alegou que “não tem conhecimento dos fatos relatados e, por isso, não há procedimento abordando o assunto na instituição”. O ministério disse que enviará ofício à SMED solicitando informações sobre o cenário relatado na reportagem.

Fotos: Afonso Ribas, Karina Costa e Victória Lôbo.

*Reportagem publicada originalmente como parte do especial multimídia ‘Educação Quilombola’, do Conquista Repórter, em dezembro de 2023. A pauta foi selecionada pelo 5º Edital de Jornalismo de Educação da Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação), em parceria com a Fundação Itaú.

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