Com epidemia da dengue, população aguarda até oito horas para ser atendida na UPA

Por - 23 de abril de 2024

Segundo pesquisador em saúde pública, a superlotação da Unidade de Pronto Atendimento está relacionada à fragilidade da atenção primária à saúde em Vitória da Conquista. O professor avalia ainda que uma única UPA é insuficiente para atender as demandas do município.

Uma mulher de 67 anos apresenta febre, vômito e dores no abdômen. Diante da persistência dos sintomas, ela é levada pelos dois netos até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA), situada no bairro Jurema, em Vitória da Conquista. Chegando lá, a família encontra uma emergência superlotada, resultando em uma longa espera até que a idosa fosse atendida. Essa situação foi vivida por Iago Ancelmo, 21, e Geovana Dias, 22, no dia 16 de abril, quando se deslocaram do bairro Urbis II em busca de cuidados para a avó. Eles chegaram na UPA às 9h, mas só foram atendidos às 17h.

Foram oito horas de espera para uma paciente que, durante a triagem, teve o seu caso classificado como urgente. Mas essa não é uma situação isolada. A estudante Cláudia Almeida passou por algo parecido quando precisou levar o pai, de 76 anos, até a UPA. Os dois chegaram na unidade às 2h e foram atendidos por volta das 10h. “Os técnicos de enfermagem estão fazendo o possível para atender, mas a sobrecarga é grande. São poucos funcionários para muita demanda”, relata. “Tá superlotado mesmo”, complementa.

A sala de espera não é o único espaço superlotado. Por trás das portas internas, pessoas são atendidas em macas colocadas nos corredores. À vezes, pacientes se acumulam até na área externa da unidade. O cenário tem sido mais recorrente em meio à epidemia da dengue no município. Quem observa esse movimento é Sérgio Trindade, que faz parte da 1ª Igreja Batista de Vitória da Conquista e semanalmente está na UPA para levar alimentos até pessoas como Iago, Geovana e Cláudia, que esperam durante horas por atendimento.

“Eu estou aqui toda terça-feira e observo que o pessoal tem sofrido muito. São oito, dez, ou até catorze horas para as pessoas serem atendidas. E a gente vê uma grande necessidade de outras UPAs aqui na cidade. Temos pessoas que vêm da roça, passam horas e muitas vezes não têm como comprar um alimento, por isso a gente traz as comidas e também a palavra de Deus para dar um pouco de conforto”, conta Sérgio.

O pintor Lindoval Souza também acredita que é necessária e urgente a construção de outras UPAs em Vitória da Conquista, considerando a quantidade de pessoas que diariamente buscam a emergência. “Não é porque o atendimento é ruim, o problema é que temos um local só para muita gente. Tem pessoas que vêm de outras cidades para cá. Então fica cheio demais e a unidade não suporta a demanda”, explica.

O Conquista Repórter visitou a UPA, no bairro Jurema, numa terça-feira à noite. Foto: Karina Costa.

Capacidade de atendimento

A superlotação da UPA não é um problema novo. Vez ou outra, a situação vira manchete na mídia local e regional. O cenário costuma se agravar quando há crises sanitárias ou a intensificação de determinadas doenças virais. Em 2022, o grande fluxo de pacientes com sintomas gripais fez com que a unidade recebesse uma demanda excessiva de atendimentos. Este ano, com Vitória da Conquista liderando o ranking de casos da dengue na Bahia, mais uma vez a emergência se encontra sobrecarregada.

Inaugurado em 2016, o equipamento é gerido pelo Governo do Estado da Bahia e funciona 24 horas por dia, sendo designado para urgências e emergências. Em meio à epidemia da dengue, a instalação tem sido o centro da disputa política entre as gestões municipal e estadual. A Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (SESAB) afirma que a superlotação ocorre devido às deficiências das estruturas de saúde municipais. Do outro lado, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) rechaça as acusações e destaca as ações do município para enfrentamento à arbovirose.

Pesquisador do Instituto Multidisciplinar de Saúde da Universidade Federal da Bahia (IMS-UFBA), campus de Vitória da Conquista, José Patrício Bispo Júnior explica que, de fato, uma única UPA é insuficiente para atender o município. “Essa unidade é do tipo III. Isso significa que é recomendada para uma população de até 300 mil habitantes. Então se considerarmos apenas o critério populacional, o número de habitantes é superior a capacidade de atendimento da unidade”, destaca o professor.

O Conquista Repórter questionou a SESAB, via e-mail, quanto a possibilidade da implementação de outras UPAs na capital do sudoeste baiano, mas não recebemos resposta até a publicação desta reportagem. Na segunda-feira, 22 de abril, a Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista publicou, no Diário Oficial do Município (DOM), o aviso de licitação para a construção de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), de porte III, no bairro Brasil, por meio do programa Acelera Conquista.

Por trás das portas internas da UPA, pessoas são atendidas em macas colocadas nos corredores. Imagens: Iago Ancelmo.

Atenção primária frágil

Além da necessidade de outras UPAs no município, há algo estrutural que causa a superlotação da unidade, segundo o pesquisador José Patrício Bispo Júnior. Ele faz questão de destacar que o desempenho desse equipamento não pode ser analisado de forma isolada. O serviço de urgência e emergência também está vinculado ao sistema de atenção primária à saúde, ou seja, aos atendimentos nos postos do município.

“Quando o centro do debate na mídia, nos meios de comunicação e na política é a UPA, isso é um sinal de que o sistema não está bom”, explica. Segundo o professor, que é doutor em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), mesmo que Vitória da Conquista tivesse duas ou até três UPAs, os problemas nos atendimentos de saúde continuariam.

“Boa parte dos casos que sobrecarregam a UPA é decorrente da fragilidade do sistema de atenção primária à saúde no município. Isso precisa ser dito, não sendo uma crítica pessoal, mas uma necessidade que a cidade tem de pensar de forma estratégica a organização do sistema de saúde”, destaca o docente.

De acordo com o professor do IMS-UFBA, a cobertura da estratégia de saúde da família em Vitória da Conquista é muito baixa, pontuando cerca de 56%. Isso é causado, por exemplo, pela sobrecarga das próprias equipes que atuam nos postos. “O Ministério da Saúde preconiza que cada equipe de saúde da família deve ser responsável por 3 mil pessoas. Em Conquista, temos equipes com até 14 mil. Por mais qualificados que sejam os profissionais, eles não vão dar conta de uma demanda tão alta”, conclui.

Em Vitória da Conquista, são 57 equipes de saúde da família, segundo o pesquisador José Patrício Bispo. Foto: Secom/PMVC.

José Patrício Bispo destaca ainda que apesar do cenário ter se agravado nos últimos anos, a situação de fragilidade do sistema municipal de saúde não é recente. “Nós já tínhamos esses baixos índices há cerca de 20 anos atrás. A gente experimentou um avanço importante no sistema de saúde na década de 90 e talvez na metade dos anos 2000, mas após isso, a cidade se desenvolveu, teve um aumento populacional, e mesmo os governos anteriores não tiveram a capacidade de ampliar essa rede de atenção primária”, finaliza.

O Conquista Repórter buscou ouvir outras fontes, como a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (SESAB), o Conselho Municipal de Saúde e a Comissão de Saúde da Câmara Municipal de Vitória da Conquista, mas não recebemos respostas dos referidos órgãos até a publicação desta reportagem.

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