Artigo | A apropriação mercadológica da Micareta de Vitória da Conquista

Por - 22 de abril de 2024

O movimento levanta questões sobre as formas de expressão do racismo e a necessidade de preservação da representatividade das festas populares.

Nós precisamos debater criticamente o carnaval e a micareta de Vitória da Conquista, sobretudo depois da apropriação de natureza mercadológica dessas festas do povo. Para discorrer sobre a questão, referencio o artigo intitulado “A Fotografia na Memória dos Carnavais Conquistenses”, escrito por Alberto Bomfim da Silva e Edson Farias. O texto apresenta uma pesquisa em andamento, no Programa de Pós-Graduação em Memória da UESB, sobre as associações negras e mestiças de Vitória da Conquista entre os trânsitos políticos e culturais da carnavalização (1950-2000).

O estudo aborda a importância da memória religiosa e do processo de carnavalização na constituição desses grupos, utilizando a fotografia como documento. A pesquisa utiliza entrevistas com pessoas envolvidas com os carnavais de rua e organizadores de entidades carnavalescas. Além disso, faz uma análise de mais de 1900 fotografias relacionadas ao carnaval encontradas no Arquivo Público Municipal de Vitória da Conquista.

No contexto da capital do sudoeste baiano, a transição do carnaval à micareta marcou uma metamorfose festiva que reconfigurou significativamente a dinâmica das celebrações populares na cidade. A mudança, que teve início a partir de 1989, trouxe consigo não apenas alterações temporais, mas também transformações profundas na participação da população, bem como nas influências das religiões de matriz africana.

A micareta, portanto, marca o início do crescimento da festa em termos de “profissionalização”, atraindo também um público mais elitizado, que antes frequentava o carnaval nos clubes. Essa mudança gradual resultou na perda do protagonismo dos grupos carnavalescos tradicionais nas ruas, dando lugar a blocos com trios elétricos e a presença de celebridades artísticas midiáticas. A partir de então, o protagonismo passou a ser ocupado cada vez mais por blocos afros com proposições políticas mais evidentes.

Nesse contexto, a partir de 1989, a população que participa da micareta é diversificada, incluindo tanto a população negra e mestiça da cidade, que antes tinha protagonismo nos grupos carnavalescos tradicionais, quanto um público mais elitizado que passou a frequentar a festa com a sua profissionalização. As contribuições das religiões de matriz africana à micareta são significativas, uma vez que estavam presentes nas representações simbólicas da população que fazia o carnaval de rua na segunda metade do século XX.

Portanto, a transição do carnaval à micareta em Vitória da Conquista representa não apenas uma mudança na dinâmica festiva, mas também uma reflexão sobre as transformações sociais, culturais e econômicas que impactaram as celebrações populares.

Com a realização do evento privado na área nobre do Shopping Boulevard, evidencio a necessidade de uma reflexão crítica acerca da apropriação mercadológica da micareta. Esse movimento quase sempre promove o branqueamento e levanta questões sobre as formas capitalistas de expressão do racismo e a necessidade de preservação da representatividade das festas populares, bem como sobre o papel do mercado privado na reconfiguração desses eventos festivos.

Embora seja inquestionavelmente legal o uso da “marca” MiConquista, é essencial refletir sobre o impacto dessas mudanças na cultura popular. É preciso pensar sobre o modus operandi de empresários capitalistas que, ao reproduzir o capital, promovem a subsunção de um rico processo sócio-histórico e cultural do carnaval/micareta da cidade de Vitória da Conquista.

*Herberson Sonkha é um militante comunista negro que atua em movimentos sociais. Integra a Unidade Popular (UP) e o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB). É editor do Blog do Sonkha e, atualmente, também é colunista do jornal Conquista Repórter.

Foto de capa: Secom/PMVC.

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