Paloma de Oxóssi: a mãe de santo que atua em defesa dos direitos das mulheres trans

Por - 13 de julho de 2022

“Tenho mais tabus para quebrar enquanto Deus me der vida e saúde”, conta a ativista, que se orgulha da sua ancestralidade e sonha em adotar uma menina.

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Paloma de Oxóssi nasceu duas vezes. Na primeira saiu do ventre da mãe, Maria da Conceição, com corpo de menino. Precisou vestir bermuda, engrossar a voz e esconder no fundo da garganta, por 14 anos, a vontade de dizer que era uma mulher. Confessou esse segredo aos pais em silêncio, quando se despediu de um namorado na frente de casa, com os lábios borrados de batom e as unhas enfeitadas. Quando seu pai, Jonas dos Santos, viu a cena, fez questão de dizer: “vou te aceitar como meu filho ou minha filha, do jeito que Deus quiser”. Foi assim que Paloma nasceu de novo. 

Durante o processo de se conhecer como mulher, apesar do carinho e proteção oferecidos pelos pais e pelos irmãos, ela sofreu com os olhares atravessados de professores e os dedos apontados para o seu rosto por colegas de escola. Um episódio, em especial, fez as mãos de Paloma tremerem e o coração disparar. Aconteceu quando ela cursava o 7º ano do ensino fundamental, aos 18 anos.

Enquanto decidia se deveria somar ou multiplicar um cálculo numa questão de uma prova de matemática, resolveu dividir seu material escolar com um colega que havia esquecido a borracha em casa. No mesmo momento, ouviu o grito estridente da professora, que jurou ter visto Paloma passar as respostas para o amigo. “Uma pessoa da sua espécie não é pra estar na sala de aula”. Essa foi uma das últimas frases que a jovem ouviu antes de sair pela porta do Centro Territorial de Educação Profissional (CETEP), jurando voltar apenas se a professora fosse substituída. E foi. 

O despertar como ativista

Um ano após o ataque LGBTfóbico sofrido na escola, Paloma decidiu se aproximar dos movimentos sociais. Passou a frequentar as reuniões da Coordenação LGBT+ de Vitória da Conquista e a compartilhar sua trajetória com outras pessoas. Pouco tempo depois, foi convidada para se tornar ativista pelos direitos das mulheres transexuais do município e, atualmente, aos 37 anos, segue na luta por direitos para a população LGBTQIAP+. “Hoje eu já conheço todas as leis e os meus direitos”, afirma.

Quando uma mulher transexual não encontra acolhimento familiar, Paloma se torna sua esperança. Oferece roupas, alimentos, conselhos e afeto. Ela também conta que, de tempos em tempos, bate à porta das casas de pais e mães que não aceitam suas filhas para oferecer uma conversa seguida de orientações, mas pode contar nos dedos as vezes em que foi recepcionada com boa vontade. Mesmo assim, garante que jamais vai parar de ajudar quem precisa. “Tô olhando não só por mim, mas por todos. Eu tô fazendo minha parte, Deus tá me ajudando na frente”, diz.

Filha de Oxóssi e guiada por boiadeiro, Mãe Paloma jamais negou sua ancestralidade religiosa. Para ela, a umbanda é uma herança familiar que pretende carregar no sangue e no espírito para sempre. Tornou-se Mãe de Santo durante um dos seis anos que morou em Nazaré das Farinhas, a 374,6 km de Vitória da Conquista, enquanto dividia a casa com o velho e sábio Pai João. Quando retornou para a cidade, seguiu frequentando diversos terreiros até construir seu próprio local de trabalho. 

Desde então, a ativista vem lutando também pelos direitos de seus filhos e filhas de santo. Ao lado do vereador Alexandre Xandó (PT), seu amigo de longa data e apoiador da causa, ela garante que estão sempre de ouvidos abertos para entender as demandas do povo de terreiro que, em grande maioria, vive em bairros onde não existe asfaltamento. “Estamos lutando, mas chega uma hora que a gente acaba ficando desgostoso da vida sem querer correr atrás dos movimentos”, confessa. Apesar do esforço, ela relata que tem sido difícil ajudar a comunidade com o pouco apoio da atual gestão municipal da terceira maior cidade da Bahia. 

Uma mulher sonhadora

Em 2014, Paloma conheceu a razão de sua existência e o motivo pelo qual desperta todas as manhãs: o filho. Quando descobriu que a genitora maltratava o menino, ela correu para resgatá-lo. No corpo vulnerável de 10 meses de idade, havia marcas de feridas e desamor, que os cuidados e orações de Paloma trataram de cicatrizar. “Meu filho eu não dou pra ninguém, nem que eu precise passar por cima de todos que estiverem na minha frente, mas estou aqui para lutar por ele”. Foi o que disse ao juiz assim que ele a concedeu guarda definitiva. 

Mesmo considerando-se feliz e completa, Paloma ainda mantém no coração o desejo de tornar-se mãe de uma menina. Ela e o marido Geraldo, com quem divide a vida há 16 anos, depositaram suas esperanças no processo de adoção e aguardam pacientemente o momento do encontro. 

Outro sonho de Paloma é continuar os estudos. Mesmo com mais de 15 certificados de cursos sobre direitos humanos, direitos da mulher e da comunidade LGBTQIAPN+, ela garante que está longe de se dar por satisfeita. Mesmo receosa por causa da idade, a ativista ainda pretende se formar em Direito Criminal para proteger as pessoas que mais precisam de apoio. “Tenho mais tabus para quebrar enquanto Deus me der vida e saúde”, ressalta. 

Foto de capa: Letícia Mendes.

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Uma resposta para “Paloma de Oxóssi: a mãe de santo que atua em defesa dos direitos das mulheres trans”

  1. Davi Villar disse:

    Mãe mãe, mãe minha todo mundo tem uma mãe, mais nn é igual a minha… 🤩🙏🏽🤍✨

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