Ledison Manrique: o violinista venezuelano que se dedica à arte de tocar e ensinar música

Por - 17 de dezembro de 2021

Em 2019, o músico e a esposa decidiram deixar o país de origem e buscar melhores condições de vida no Brasil. Em Conquista, ele atua como instrutor de cordas agudas no Núcleo Territorial NEOJIBA.

Nascido em Caracas, capital da Venezuela, Ledison Manrique, de 34 anos, é o filho caçula de Miriam, professora aposentada, e de José Vicente, vendedor de equipamentos médicos. Violinista e professor de música, ele é o único da família que seguiu carreira artística. Seus dois irmãos mais velhos atuam na área de segurança de patrimônios e eventos. 

Em 2019, o músico decidiu deixar o país de origem e buscar melhores condições de vida no Brasil. Em maio, chegou a Vitória da Conquista e, desde setembro daquele ano, trabalha como instrutor de cordas agudas no Núcleo Territorial NEOJIBA (Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia), na terceira maior cidade do estado. 

Para Ledison, a escolha de se dedicar à educação teve influência de sua mãe, que ensinava alunos em idade pré-escolar. Os pais de Manrique também foram os responsáveis por seu primeiro contato com a música. Quando criança, ele participava de diferentes atividades fora da escola: jogava beisebol, praticava natação e fazia parte de um coro. Certo dia, Miriam e José, na época já divorciados, o fizeram escolher apenas um entre os programas extracurriculares.

Aos quatro anos, o menino escolheu a música. No coral, ele iniciou os estudos com a flauta doce. Mais tarde, começou a aprender a tocar o cuatro, instrumento musical muito popular em toda a América Latina, principalmente em países como Porto Rico, Colômbia e Venezuela. “Eu escolhi a música porque era uma atividade mais tranquila em comparação aos esportes, mas era também a mais difícil”, disse sorrindo. 

Ledison Manrique: “Eu escolhi a música porque era uma atividade mais tranquila, mas era também a mais difícil”. Foto: Conquista Repórter.

Ledison tinha um tio que trabalhava no Sistema Nacional de Orquestras e Coros Juvenis e Infantis da Venezuela, modelo de educação musical pública criado pelo maestro José Antonio Abreu. Foi a partir desse contato que Manrique teve a oportunidade de ingressar no Núcleo San Agustín, localizado em sua cidade natal.

Inicialmente, ele queria se dedicar ao estudo do trompete, o instrumento que mais gostava. Mas por conta da asma, não conseguiu seguir por esse caminho. “Eu lembro que tive uma ou duas aulas, mas para tocar, é preciso soprar muito ar. Eu buscava fazer o som e imediatamente passava mal e desmaiava”, contou.

Devido ao problema respiratório, uma professora apresentou a Ledison um outro instrumento: a flauta transversal, mas essa não o agradou. Depois, veio o violino, sua grande paixão após anos de estudos e prática. Na época, ele já tinha sete anos de idade. “No início eu não gostava, mas com o tempo, à medida em que fui desenvolvendo habilidade, eu me apaixonei e hoje é o meu instrumento principal”.

A experiência em Santa Cruz del Este

Após se apaixonar pelo violino, no Núcleo San Agustín, um dos mais de 50 que integram o Sistema Nacional de Orquestras e Coros Juvenis e Infantis da Venezuela, também conhecido como El Sistema, Manrique começou a participar de muitas apresentações e a desenvolver maior afinidade com as orquestras. 

Ele iniciou em uma orquestra pedagógica, depois passou a fazer parte do núcleo infantil e, em seguida, de um grupo juvenil, considerado quase semiprofissional. “Fiquei muitos anos treinando ao lado de colegas. Inclusive, muitos deles estão espalhados por todo o mundo, em Berlim, Viena, Nova York, Londres e também aqui no Brasil. Sempre tem um venezuelano representando o país em grandes orquestras”, afirmou.

Em 2014, formou-se em Educação Musical pela UNEARTE (Universidad Nacional Experimental de las Artes). Durante sua trajetória profissional, coordenou projetos, foi diretor de orquestras e teve a oportunidade de estudar e se familiarizar com outros instrumentos de corda, além do violino, como viola, violoncelo e contrabaixo. “Eu comecei a aprender o básico para conseguir dialogar com os outros músicos, especialmente quando atuava como regente”.

No final de 2014, ele foi um dos responsáveis pela fundação do Núcleo Santa Cruz del Este, que atendia pessoas em situação de vulnerabilidade econômica e social em Caracas. Segundo Ledison, esse foi um dos momentos mais marcantes e emocionantes de sua carreira enquanto educador musical.

1750 pessoas assistiram à apresentação do Núcleo Santa Cruz del Este, no Teatro Teresa Carreño, em 2016. Foto: Arquivo Pessoal.

Naquela comunidade, havia muitas crianças com pouco ou nenhum grau de escolaridade. Por isso, Manrique teve que ensinar não apenas a linguagem musical, mas também as letras que compõem o alfabeto. Segundo o músico, o início do programa foi muito difícil, mas, ao longo do tempo, ele contou com a ajuda de colegas professores e de grandes maestros venezuelanos, que visitavam regularmente o Núcleo.

Uma das experiências mais recompensadoras, de acordo com Ledison, aconteceu dois anos após a fundação do grupo em Santa Cruz del Este, em 2016. Seus alunos realizaram uma apresentação em um dos mais importantes espaços culturais da Venezuela, o Teatro Teresa Carreño. “Foram 1750 pessoas vendo o nosso trabalho. É inesquecível. Chegar até aquele momento, depois de todas as carências e dificuldades, é algo muito grande”, contou.

Um recomeço: a chegada ao Brasil

Ledison chegou a Conquista acompanhado da esposa. Assim como o marido, Dainey é professora de música, especializada em musicalização infantil. Ambos tomaram a decisão de deixar a Venezuela por causa da situação econômica e social do país. “Era difícil. Trabalhávamos muito, mas o dinheiro não dava para nada”, disse Manrique.

Ao chegar na cidade, o casal foi acolhido por um amigo venezuelano, que também estudou e trabalhou no El Sistema, e já morava no Sudoeste baiano. Os recém-chegados passaram um período à procura de empregos, mas foi difícil encontrar vagas na área em que atuavam: a educação musical.

Devido à falta de oportunidades no mercado da música, Manrique realizou trabalhos temporários. Ele cantou em casamentos, participou de forma pontual de apresentações de orquestras e atuou como ajudante de pedreiro. “Precisava de dinheiro porque todas as nossas economias já tinham acabado. Era algo muito diferente do que já havia feito na vida, mas fiz com muita dignidade e reponsabilidade. Foi um aprendizado”.

Em setembro de 2019, Ledison se deparou com uma vaga de emprego. O NEOJIBA (Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia) estava em busca de um instrutor de cordas agudas para trabalhar no Núcleo Territorial de Vitória da Conquista. “Esse é um projeto inspirado no sistema de orquestras da Venezuela, então eu praticamente continuo o trabalho que comecei lá”, explicou. Já sua esposa ainda não encontrou um trabalho fixo na área musical.

O Núcleo Territorial do NEOJIBA foi inaugurado em outubro daquele ano em Conquista. Para o músico, esse foi mais um momento marcante da sua trajetória profissional. “Foi muito importante para mim ter a orquestra no teatro [do Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima] e o maestro Ricardo Castro observando o nosso trabalho de perto”. Em Salvador, quando foi recebido no programa, viveu outra situação da qual irá sempre se lembrar.

Durante a ação de boas vindas, foi exibido um vídeo que mostrava apresentações do sistema de orquestras da Venezuela. “Éramos três venezuelanos que iriam ingressar em núcleos diferentes e essa foi uma recepção que fizeram pra gente. Quando começou a exibição, em umas das tomadas, apareceu uma imagem minha, de quando eu era criança, tocando. Isso mostrou o quanto nos valorizavam e como o nosso trabalho transcende”, contou.

O Núcleo do NEOJIBA em Vitória da Conquista foi inaugurado em outubro de 2019. Foto: Reprodução/NEOJIBA.

Após mais de dois anos em solo brasileiro, Ledison segue apaixonado pela música e pela educação. Em meio ao seu percurso no NEOJIBA, ocorreu a pandemia da covid-19, que trouxe desafios para o seu dia a dia com os alunos. Segundo Manrique, o tato é essencial para o aprendizado de qualquer instrumento musical, por isso, o ensino remoto se mostrou um grande obstáculo para o treinamento e evolução dos estudantes.

“Para ensinar, a gente precisa tocar nas mãos, ajustar a posição e orientar. Por isso, trabalhar através de uma tela é difícil, dá mais trabalho e menos resultado”, explicou o violinista. No dia em que conversamos via Zoom, sua turma de cordas agudas havia se apresentado, poucas horas antes, no Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima. O recital foi um dos primeiras eventos presenciais do NEOJIBA em Conquista depois do avanço da vacinação contra a covid-19.

“A gente vem encontrando maneiras de continuar, seguindo os protocolos de segurança. Uma tática que eu utilizo é usar um lápis, por exemplo, para ajustar a posição das mãos dos alunos. Como não podemos ter o contato físico direto, essa é uma forma de adaptar o trabalho”, contou.

Desde que deixou a Venezuela, em 2019, Manrique ainda não teve a oportunidade de retornar para visitar a família e os amigos. Mas a viagem está nos planos dele e da esposa, assim que conseguirem se estabelecer financeiramente. “Sinto falta de muitas coisas, mas estamos sempre em adaptação e, além disso, tentamos manter os nossos costumes: ouvir a nossa música e ficar atentos para não perdermos a nossa identidade”.

*’Histórias à margem’ é uma série especial do Conquista Repórter que tem como objetivo dar visibilidade a personagens do cotidiano de Vitória da Conquista marginalizadas pela mídia tradicional e pela sociedade.

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2 respostas para “Ledison Manrique: o violinista venezuelano que se dedica à arte de tocar e ensinar música”

  1. Mariela disse:

    Hermoso nuestro director del sistema de orquesta infantil y juvenil del núcleo de bello monte, caracas Venezuela. El mayor de los éxitos y mil.bendiciones por sus enseñanzas y por demostrar que los buenos somos mas

  2. Deus Carmo disse:

    Muito bom vocês divulgarem o trabalho do professor Ledison Manrique. Vou também divulgar seu trabalho nos meus blogues, inclusive no Noite em Paris.

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