Dona Noélia: a história de uma defensora e amante do Parque Municipal Lagoa das Bateias

Por - 4 de março de 2022

“É o lugar que Deus preparou pra mim. É como se fosse minha casa”, conta a comerciante, que sempre morou na zona oeste de Vitória da Conquista.

O maior sonho de Dona Noélia Silva, atualmente, é ver o Parque Municipal Lagoa das Bateias revitalizado. O descaso da Prefeitura de Vitória da Conquista com o espaço, localizado na zona oeste da cidade, não faz a comerciante, de 62 anos, perder a esperança de voltar a vê-lo cheio de vida e de gente, tal como era há cerca de 15 anos, quando começou a vender doces e salgados no quiosque em que trabalha, de domingo a domingo.

O abandono do Parque pelo Poder Público pode ser percebido no mato alto que toma conta da lagoa e dos seus arredores. Onde antes se via água só tem taboa. Além disso, não é preciso andar muito pelo local para se deparar com lixo, bancos e brinquedos quebrados ou com o mau cheiro causado pelo esgoto. 

A beleza que Dona Noélia via na Lagoa das Bateias ficou apenas em sua memória. “Isso aqui era lindo demais. Hoje não tem o que tinha antes, não tem de jeito nenhum. Acabou tudo tudo tudo tudo. Sempre tinha alguém por perto. Hoje não tem nada. Parece que só tem eu e Deus aqui, e pronto. A única coisa que eu fico triste é com isso”, desabafa. “Mas eu gosto ainda assim”, complementa, enquanto ri. 

Vez ou outra sua mãe, que possui 92 anos, liga e pergunta: “Noélia, tu tá aí com quem?” A resposta é quase sempre a mesma: “estou mais Deus, mainha, estou rodeada dos anjos”, conta, e logo dá outra gargalhada. “Quando eu ver isso aqui arrumado, vai ser o dia mais feliz da minha vida. Em nome de Jesus, antes de morrer, eu irei ver essa lagoa revitalizada”, afirma. 

O vínculo afetivo

Nascida e criada em Vitória da Conquista, Dona Noélia frequentava a Lagoa das Bateias muito antes do Poder Executivo municipal decidir transformar a área onde ela está localizada em uma unidade de conservação ambiental. “Quando o Parque estava sendo construído, eu nem sabia o que ia ser isso aqui. Era um lugar onde a gente brincava quando era criança. Era um sítio. Vinha aquela turma cá pra baixo pra brincar”, recorda.

Dona Noélia: “Em nome de Jesus, antes de morrer, eu irei ver essa lagoa revitalizada”. Foto: Conquista Repórter.

Ela conta que sempre morou “do lado de cá”, se referindo à zona oeste da cidade. No bairro Brasil, residiu com a família na Avenida Alagoas e na Avenida Recife. Morou também no Henriqueta Prates e, atualmente, está no Loteamento Nossa Senhora de Lourdes, que fica mais próximo da Lagoa das Bateias. Foi entre uma mudança e outra de endereço que Dona Noélia traçou boa parte da sua história de vida. 

Estudou até a 5ª série do ensino fundamental. Ela teve que abandonar os estudos depois que a sua irmã caçula nasceu. “Minha mãe era costureira. Meu pai tinha se separado dela, aí ela não tinha condições de manter eu e mais três irmãos na escola. E era eu que tinha que tomar conta da minha irmã, que era pequena. Aí tive que sair. E eu fiquei triste porque eu gostava muito muito muito de estudar”, relata. Mas faz uma ressalva: “Ainda vou estudar. Já estou correndo atrás do meu material pois eu quero concluir [o ensino básico]”. 

Na escola, ela conheceu aquele que se tornaria, futuramente, seu marido e pai dos seus dois filhos. “A gente estudava juntos quando éramos crianças. Só que, depois de um tempo, cada um foi para um lado”, lembra. Quando se reencontraram, já eram adolescentes. “Ele começou a ir lá em casa, começamos a ir pra festas juntos, construímos amizade, aí pronto. Aconteceu que a gente casou”. 

Na época do casamento, Dona Noélia tinha apenas 15 anos. Passou os 23 anos seguintes da sua vida junto com o marido, até que ele faleceu, em 2009. Seu filho mais velho, de 38 anos, herdou a profissão do pai: capoteiro. A comerciante conta que ele amadureceu cedo, antes mesmo de chegar a adolescência. “Com nove anos, já estava tomando conta da vida dele, da minha e da irmã. Já me ajudava. Hoje em dia, trabalha por conta própria, tem a oficina dele aqui em Conquista”, diz.

A filha de Dona Noélia é apenas dois anos mais jovem e, diferentemente do irmão, mora em São Paulo, onde atua como enfermeira. “Eles são minhas duas bençãos”, comenta, com orgulho. O amor com os filhos só é dividido com o quiosque que ela toma conta na Lagoa das Bateias. “Minha menina já chegou a falar uma vez bem assim: “é mainha, eu já vi que a senhora gosta mais do quiosque do que da gente”, conta. 

Rapidamente, ela explica o apego com o local, que conquistou através de um sorteio feito pela Prefeitura para comerciantes da cidade antes da inauguração do Parque Municipal. “Eu tenho um amor muito grande por aqui, porque é o lugar que Deus preparou pra mim. É como se fosse minha casa. Eu falo que tenho a casa só pra dormir. E aqui pra eu vir passar o dia todo. Eu chego aqui de manhã e só vou embora seis horas da noite. Porque agora só estou passando o tempo mesmo, né?”, afirma. 

O quiosque de Dona Noélia, em registro de janeiro de 2022. Foto: Conquista Repórter.

Dona Noélia vai ao Parque todos os dias, sem exceção. “Eu não tenho feriado não. Feriado que é o bom. A maioria da minha clientela vem pra cá no final de semana, nos domingos, ou nos feriados, aí eu não posso perder não”, esclarece. Mas apesar do gosto pelo comércio, nem sempre trabalhou nesse ramo. Já foi costureira, assim como sua mãe, atuou como diarista e já montou até um salão de beleza, após fazer um curso de cabeleireira, certa vez. 

“Tenho curso até de limpeza de pele, de tudo. Mas sempre gostei mais daqui por conta do verde. Eu adoro verde. Isso me pegou, me conquistou”, relata. Nem mesmo as dezenas de assaltos que já sofreu lhe fizeram parar de vender seus doces e salgados no quiosque da Lagoa das Bateias. 

“Teve dia que cheguei aqui e não achei nada, nada, nada no quiosque. Geladeira amassada, porta e balcão quebrado, meus docinhos esparramados, meu sonzinho quebrado”. Nada disso a intimidou. Afinal, o Parque Municipal é também o espaço onde ela construiu e continua construindo diversas amizades. E esses são bens dos quais ela não abre mão. 

“Eu seguro isso aqui com tanto amor e cuido da mesma forma, tu precisa de ver. É por isso que eu peço, gente, pra que cuide mais, que dê uma olhada pro lado de cá, porque isso aqui é um espaço tão bom que dá pra aproveitar pra muita coisa. Eu estou falando não é só por mim não, é pela população também”, conclui. 

*’Histórias à margem’ é uma série especial do Conquista Repórter que tem como objetivo dar visibilidade a personagens do cotidiano de Vitória da Conquista marginalizadas pela mídia tradicional e pela sociedade.

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