Da diminuição de furtos à reprodução do racismo: Guarda Municipal tem atuação controversa em Conquista
Por Victória Lôbo - 20 de setembro de 2021
Desde a sua criação, através da Lei n° 2.369, a GM tem se envolvido em polêmicas e tem sido alvo de críticas, sobretudo por conta de ações truculentas contra grupos socialmente marginalizados; Além disso, os próprios agentes questionaram a falta de transparência do Executivo em meio à implementação da Guarda
Na última sexta-feira, 17, um homem foi agredido pela Guarda Civil Municipal (GCM) a golpes de cassetete na Central de Abastecimento Edmundo Flores (Ceasa), no Centro de Vitória da Conquista. Mas essa não foi a primeira e nem a única ação violenta envolvendo os agentes de segurança. Desde a sanção da Lei nº 2.369, que instituiu a GCM no município, em 23 de dezembro de 2019, ainda no governo do ex-prefeito Herzem Gusmão, a entidade tem sido alvo de críticas e denúncias, sobretudo por conta de agressões a grupos socialmente marginalizados.
Em julho deste ano, um casal afirmou ter sido vítima de racismo durante ação truculenta da Guarda, reproduzida em um vídeo que viralizou nas redes sociais. Um artesão foi jogado no chão e imobilizado por um agente, que posicionou o seu joelho próximo ao pescoço do munícipe. No mesmo mês, moradores do Acampamento Terra Nobre foram impedidos de entrar na Prefeitura pelos guardas durante um protesto. Já no último dia 15 de setembro, pessoas em situação de rua afirmaram que estão sofrendo perseguição do órgão.
Além das práticas consideradas racistas e preconceituosas, outros questionamentos sobre a atuação da GCM já foram feitos por conquistenses e pela imprensa, como a falta de um regimento interno proposto por lei, o enquadramento dos guardas como agentes patrimoniais e o pagamento de altos salários a cargos comissionados antes mesmo da Guarda entrar em ação. Os próprios agentes questionaram a falta de clareza do Executivo sobre as normas que a regulamentam.
Da criação à aplicação da Lei nº 2.369
Após a sanção da Lei nº 2.369, em dezembro de 2019, os agentes não iniciaram imediatamente o trabalho nas ruas. Isso só veio a acontecer em junho deste ano. Mas ainda assim, o Coronel Antônio Braga, que assumiu o cargo de primeiro comandante em fevereiro de 2020, constava na folha de pagamento da Prefeitura de Conquista. Outros seis cargos de confiança também foram criados para o órgão nesse mesmo período. Até março de 2021, eles custaram aos cofres públicos cerca de R$650 mil, de acordo com levantamento feito pelo Blog do Sena.
Enquanto isso, os agentes patrimoniais, cujos cargos foram extintos com a criação da Guarda Municipal, foram enquadrados como guardas civis e realocados para a força de segurança. De acordo com o professor do curso de Direito da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), Cláudio Carvalho, a mudança teve como embasamento legal a Lei Federal Nº 13.022, segundo a qual “cabe à GCM zelar pelo patrimônio do município, bem como prédios, praças e ruas”.
Em abril de 2021, a Prefeitura iniciou um curso de formação presencial para os futuros agentes de segurança, durante o qual parte da turma contraiu o novo coronavírus e precisou se afastar. Outros alunos desistiram do treinamento por conta da falta de transparência do Executivo Municipal sobre os direitos da categoria. Em uma carta enviada ao Blog do Sena por um ex-aluno, o grupo questionou a falta de um regimento interno e de informações sobre salários, gratificações, progressão de carreira e equipamentos de trabalho.
Quatro meses depois, com a Guarda já ocupando as ruas, a insatisfação dos servidores com as condições de trabalho persistia. Segundo denúncias feitas também ao Blog do Sena, mesmo compondo a GCM, eles ainda eram identificados juridicamente como agentes patrimoniais, o que os prejudicava durante o trabalho. Em razão dessa inconsistência, não possuíam matrícula referente à função, registro necessário para encaminhar alguém à delegacia. Além disso, os servidores afirmaram que, desde a criação da Guarda, os agentes patrimoniais não recebiam gratificações ou adicional noturno.
Entretanto, com a intermediação do vereador Ricardo Babão (PCdoB), a categoria começou a se reunir com o secretário municipal de Administração, Kairan Rocha. Por meio desse diálogo, algumas questões foram negociadas, como o aumento da gratificação a partir de janeiro de 2021, a ampliação dos pontos de apoio da Guarda e a entrega de novos kits de fardamentos. Além disso, segundo o Capitão Cristóvão Lemos, atual comandante da GCM, o problema com o enquadramento jurídico como agente patrimonial aconteceu devido a um erro na emissão dos contracheques de alguns agentes e a situação já foi resolvida.
O Capitão Lemos também falou sobre a ausência de um regimento interno, previsto em lei. De acordo com o oficial, o documento já está sendo redigido e logo será enviado para o Executivo, assim como a proposta de plano de carreira e possíveis alterações na lei que rege a Guarda. No entanto, o Art 2º da Lei nº 2.369 aponta que o regimento já deveria ter sido criado antes mesmo dos agentes começarem a atuar nas ruas:
“A Guarda Municipal tem por finalidade planejar, coordenar e executar as ações e as atividades de prevenção à violência, proteção e valorização do cidadão e da proteção patrimonial dos bens, serviços e instalações do Poder Público Municipal, em conformidade com os princípios e competências previstos na Lei Federal nº 13.022, de 08 de agosto de 2014, que institui o Estatuto Geral das Guardas Municipais, e com seu Regimento Interno.”
Proteção ao patrimônio público e racismo estrutural
De acordo com a Prefeitura, os chamados pequenos crimes, como furtos, diminuíram na cidade após o início da atuação da GCM. Tal feito vem sendo comemorado por representantes do Executivo e do Legislativo conquistense. No dia 9 de setembro, a Câmara Municipal de Vitória da Conquista entregou uma moção de aplauso para a Guarda. Porém, nem todos se sentem seguros com a presença dos guardas municipais nas ruas.
Para o professor Cláudio Carvalho, que é pós-doutor em Sociologia Urbana, a Guarda Municipal não resolve o problema da segurança pública em Conquista porque esse é um papel que cabe à Polícia Militar. Ele também acredita que os casos de truculência denunciados por conquistenses, principalmente contra grupos marginalizados, representam o racismo estrutural. “A GCM realiza o seu trabalho baseado na proteção do patrimônio e não na proteção da vida e das pessoas, o que deveria ser o foco”.
“A prisão do artesão negro nas proximidades da Praça 9 de Novembro reproduz, na verdade, uma lógica de segregação, de racismo estrutural e de eugenia social”, acrescenta Carvalho. Já o Capitão Lemos, comandante da GM, diz que algumas denúncias se referem a ações individuais de componentes da Guarda e devem ser levadas à Ouvidoria do município ou à administração pública.
Além disso, o oficial justifica a ação na Praça 9 de Novembro dizendo que ela ocorreu a pedido da população. “A nossa missão é proteger os bens e serviços do nosso município e também das pessoas que utilizam esses bens. E o que está acontecendo é que existem várias denúncias contra pessoas que estão nessas praças”. Inicialmente, a GCM esteve presente apenas no Centro e no bairro Candeias. Mais recentemente, as equipes começaram a ocupar a zona Oeste da cidade.
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