Campanha leva dezenas de jovens ao cinema para assistir a “Marighella”, em Vitória da Conquista
Por Afonso Ribas e Victória Lôbo - 24 de novembro de 2021
A iniciativa, que ficou conhecida como “Pague um ingresso para jovens assistirem Marighella”, surgiu a partir de uma brincadeira entre mãe e filho, mas ganhou força através das redes sociais. Cerca de 50 ingressos gratuitos foram disponibilizados para estudantes de baixa renda.

A última terça-feira, 23, vai ficar marcada na memória de Vinícius Evangelista como o dia em que, pela primeira vez, ele teve a experiência de assistir a um filme numa sala de cinema. Durante mais de duas horas, em uma sessão com outras dezenas de adolescentes e jovens, o estudante do 9ª ano do ensino fundamental viu o retrato de um período marcado pela opressão, violência e censura. Um retrato construído a partir da história de um dos maiores defensores da democracia no Brasil: Carlos Marighella.
Esse nome era desconhecido para Vinícius até ele saber que o filme de Wagner Moura sobre o escritor e político de origem baiana estava em cartaz, em Vitória da Conquista. Assistir ao longa-metragem no cinema, entretanto, não era algo que passava por sua cabeça. A oportunidade surgiu quando a professora de Cinema e Audiovisual da Uesb (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia), Adriana Amorim, que coordena um curso de roteiro do qual o estudante faz parte, enviou uma mensagem no grupo da turma dizendo que seriam oferecidos ingressos gratuitos para quem se interessasse em ver a obra.
Vinícius não pensou duas vezes. Pediu autorização da família, que mora em Anagé, e veio para Conquista, juntamente com sua irmã, no mesmo dia da sessão. Foi uma terça-feira intensa. “Primeiro eu fui pra escola, da escola eu fui pra minha casa, troquei de roupa e vim com minha irmã, de lá pra cá. Estamos na casa da minha tia. Pegamos um busão pra cá [para o shopping]. E a gente está aqui”, nos contou, minutos antes da exibição começar.
O olhar demonstrava, ao mesmo tempo, timidez e encanto com o que via. “Eu achei o espaço incrível. O universo conspirou tanto a favor desse momento que, mesmo eu não sabendo onde era [o cinema], eu entrei no shopping, sem perguntar para ninguém, só vim reto e nós chegamos aqui e eu falei: ‘Meu Deus, é o universo’”. Quando saiu da sessão, a primeira coisa que disse quando o encontramos foi que o filme superou suas expectativas.
“Foi praticamente uma aula de História. Ver uma pessoa lutando pelo que acredita, contra tudo e contra todos, mesmo vendo que tudo poderia dar errado, foi surpreendente. E acho que o apoio das pessoas que acreditavam nele fortaleceu mais ainda o seu idealismo. Se eu estivesse naquela situação, eu também o apoiaria até o fim”, comentou.
Como tudo começou
A ideia de financiar ingressos para adolescentes e jovens assistirem a “Marighella” no cinema surgiu como uma brincadeira entre a professora Adriana Amorim e o seu filho, João Vicente. “Minha mãe já vinha insistindo há semanas para que eu fosse ver o filme no cinema e aí um dia em que eu estava com duas amigas em casa, ela falou para nós irmos assistir. Daí, uma dessas amigas falou que ia mandar o Pix dela para minha mãe pagar o seu ingresso”.
Em uma publicação no Instagram, Adriana descreveu o momento como um despertar para a realidade. “Pode ser que eles não tenham essa grana, pode ser que eles não queriam gastar com isso… o fato que eu entendi é: se a juventude precisa assistir ‘Marighella’, talvez eu precise mais do que sugerir ou cobrar, ou ficar inconformada porque ‘essa juventude não quer nada com nada”.
A reflexão repentina foi o pontapé para a campanha “Pague um ingresso para jovens assistirem ‘Marighella’”, que se espalhou pelas redes sociais, principalmente pelo Instagram, e chegou até mesmo ao conhecimento do diretor do filme, Wagner Moura, e de Maria Marighella, neta de Carlos Marighella, que também atua na produção. A ação contou com o apoio de vários colaboradores. Juntos, eles conseguiram viabilizar a compra de cerca de 50 ingressos, que foram entregues, em sua maioria, para estudantes de escolas públicas da região.

Assim que ficou sabendo da campanha, através de uma publicação no perfil de Adriana, a professora Caroline Vasconcelos, do curso de Filosofia da Uesb, imediatamente decidiu colaborar com o projeto. Para ela, o contato com produções artísticas como o filme de Moura “é fundamental para a emancipação do pensamento crítico, para a emancipação política e para o engajamento social” das pessoas, principalmente as mais jovens. Por isso, também falou sobre a ação para diversos colegas de trabalho, amigos e familiares.
Já a professora Márcia Valéria Moura não só participou da campanha, como também acompanhou alguns de seus alunos durante a exibição do filme. Segundo ela, é de suma importância que os jovens conheçam a luta de políticos que, assim como Carlos Marighella, não podem ter suas memórias apagadas da história nacional, ainda que tentem fazer isso a todo custo. “Ao conhecer esse personagem da nossa história, podemos fazer uma reflexão sobre o Brasil de ontem e o que nós estamos vivendo hoje”, destacou.
Impressões sobre o filme
Para a estudante Maria Eduarda, de 18 anos, através de filmes como “Marighella” as pessoas podem aguçar o seu olhar para, assim, enxergar e observar a história de uma forma não romantizada. “Chocante” foi a palavra que ela utilizou para resumir como se sentiu ao assistir ao longa-metragem. “Claro que a gente lê e estuda [sobre a Ditadura Militar], mas visualizar, mesmo que de forma representativa, o que foi esse período, é muito chocante. A sensação era de terror, uma vontade de gritar mesmo, de desespero”.
Luciane Santos, de 22 anos, disse que saiu da sala de cinema “impactada”. “Acho que o filme vai muito além do que aconteceu após o golpe de 1964 e, infelizmente, tem muito a ver com o que nós estamos vivendo hoje. Então, é importante assisti-lo para conhecer a história, ver o que aconteceu no passado, e não deixar que isso se repita no presente e jamais no futuro”, relatou.

Nesta sexta-feira, 26, às 19 horas, os organizadores da campanha “Pague um ingresso para jovens assistirem Marighella” irão promover um debate sobre o filme em frente ao Parque de Exposições Teopompo de Almeida, no popular “Bosque da Paquera”. De acordo com a professora Adriana Amorim, vai ser um dia “de celebrar a juventude, a coragem. Dia de alimentar o desejo pela democracia (…). Vai ser leve, divertido e prazeroso, como todo verdadeiro aprendizado”.
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