Artigo | Carta aberta de um servidor público à prefeita Sheila Lemos

Por - 16 de dezembro de 2024

Em 2023, um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) aberto contra Afonso Silvestre foi arquivado por ausência de provas. Em alguns parágrafos, ele relata ter sofrido perseguição do governo e reflete sobre a orientação política da gestora.

Secom/PMVC

Senhora prefeita,

Recentemente vimos uma entrevista onde afirmastes ser de centro-direita. O desejo manifesta-se na fala, por isso, diante do vosso desejo expresso de serdes algo que possa trazer vantagens para um povo majoritariamente pobre e carente, faremos apontamentos que podem ajudar-vos a situar neste complicado e confuso espaço da política. O status de “centro-direita” pressupõe republicanismo, democracia, defesa de princípios, de direitos de cidadania, da verdade, da eficiência do serviço público. Por exemplo, de centro-direita é a coalizão que se formou para vencer o extremismo de ultra-direita (apoiado abertamente por vós) e que hoje governa o país. Até o momento, tendes feito oposição e ela está, principalmente, nos atos de vosso governo.

Na última campanha para a presidência da República, defendestes as políticas de ultra-direita promovidas pelo ex-presidente, ora inelegível e indiciado por crimes contra a democracia e outras ilegalidades. Se mudastes de ideia, é preciso explicar-vos aos vossos eleitores, em sinal de respeito. Vós também afirmastes que aquele criminoso ex-presidente era a maior liderança política brasileira dos últimos tempos. Isto não é uma afirmação republicana. Pelo contrário, é extremista e manifesta apoio a um fascista que foi pego planejando assassinatos e golpe de estado, além de roubos, racismo, misoginia, homofobia e outros desvios de caráter.

Inicialmente, ficamos felizes com a vossa mobilidade de um local extremo, com aderência nas mentiras, na prevaricação, nas improbidades e na perseguição de servidores, para um local de escuta, compreensão, acolhimento do contraditório e dos debates saudáveis, de projetos e máquina tecnicamente competente, da defesa da democracia e do Estado de Direito. No entanto, vós, tivestes agentes comissionados pedindo golpe militar, mentindo, prevaricando e praticando improbidades – como foi o caso de um secretário de cultura que tentou aliciar o conselho para fraudar recursos de lei federal para suporte emergencial a artistas. Aliás, mantendes essa mesma pessoa como coordenadora de cultura e palestrante sobre o uso de recursos federais destinados à cultura.

Além disso, o vosso governo reproduziu violências contra mulheres, e, embora tenhais emitido um Decreto em 2024, os criminosos não foram punidos. Vale lembrar que um deles, mais violento, responde a um processo por atacar uma colega gerente. Este indivíduo trabalhou no governo durante a campanha política, mesmo após ter atacado sexualmente uma colega, e só foi exonerado para dar lugar à sua esposa. Isto não é republicano. Também vale lembrar que vós fostes a primeira vítima de violência contra a mulher em vosso governo, quando vosso próprio staff tentou, no dia de vossa posse, impedir-vos de assumir e ceder lugar a um homem.

Nossa experiência com vosso governo não nos permite acreditar de imediato no que dizeis. Em meu primeiro contato com o Gabinete de Vossa Excelência, nos primeiros meses de governo em 2021, foi-me dito que eu não seria mais perseguido. Três dias depois, fui notificado da abertura de um PAD inócuo, repleto de vícios e falsidades, que teve de ser arquivado por falta de provas três anos depois. Até que esta farsa fosse arquivada, enfrentei prevaricação, violência de uma comissão que tentou impedir-me de me pronunciar, e mentiras de servidores escolhidos para atacar-me. Desenvolvi pânico e um relatório médico diz claramente que meu ambiente de trabalho me causava esses sintomas, além de picos de ansiedade e fobias.

Também fostes informadas dos ataques que sofri na Coordenação de Promoção da Igualdade, das acusações infundadas de comissionados ligados à Cultura, do ataque de secretário dando chilique ao ser confrontado com as provas de sua prevaricação, e do tratamento discriminatório que minha filha recebeu ao tentar atendimento em saúde. Neste caso, ao denunciar à Ouvidoria, ela recebeu, da ouvidora, a acusação de não ter ido buscar atendimento. Estes episódios foram registrados, inclusive com gravações, evidenciando improbidades e perseguições.

Por conta dos ataques sofridos na Coordenação de Promoção da Igualdade, solicitei minha remoção, uma vez que o quadro de pânico registrado em 2022 começou a manifestar-se novamente. No momento, vosso governo tenta forçar-me a sair em licença não remunerada de forma compulsória. Isto também não é republicano, prefeita.

Uma ponta de otimismo surge ao deparar-me com vossa declaração de mudança de orientação política para uma posição de centro-direita. Isto, sendo verdade, significa que talvez tenha eu, enfim, a chance de virar esta página em minha vida. Faço votos de que estejais dizendo a verdade e que, agindo com republicanismo, possais permitir que eu encontre a paz que me foi negada ao longo dos últimos anos.

Atenciosamente,

Afonso Silvestre – servidor público vítima de violências do governo desde 2017.

*Afonso Silvestre é historiador, arquivista, memorialista, escritor, músico e artista visual. É funcionário público municipal em Vitória da Conquista, onde já realizou, desde 2004, 32 certificações de comunidades remanescentes de quilombos. Também é responsável pela modernização do Arquivo Público Municipal.

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