“Quero reparação pelos danos que sofri”, diz servidor que denuncia perseguição na Prefeitura

Por - 14 de dezembro de 2022

Cinco anos se passaram desde que a vida profissional de Afonso se tornou motivo para sofrimento psicológico. Ele pede o arquivamento de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) considerado contraditório por seus advogados.

Era o primeiro dia útil de 2017. Naquela segunda-feira, 2, iniciava-se um novo período na política conquistense. Após vinte anos de gestões municipais lideradas por representantes do Partido dos Trabalhadores (PT), assumiu o cargo de prefeito de Vitória da Conquista Herzem Gusmão, na época filiado ao MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Foi nessa data que Afonso Silvestre, historiador e servidor efetivo da Prefeitura Municipal desde 2003, começou a notar indícios de uma perseguição que se estenderia até 2022.

Cinco anos se passaram desde que a sua vida profissional se tornou motivo para sofrimento psicológico. Cortes de salário, retirada de benefícios trabalhistas, fraudes em folhas de presença. Segundo Afonso, tudo isso aconteceu enquanto ele era obrigado a transitar de um setor para outro, desde que foi colocado à disposição pela primeira vez, ainda em 2017.

“Eu exercia a função de coordenador técnico do Arquivo Público Municipal, realizando um trabalho muito importante. Mas fui colocado à disposição. Quando isso acontece, o servidor precisa se apresentar todos os dias ao setor de Pessoal. Foi o que fiz. Mas chegou um momento em que notei que ninguém estava me dando a folha de ponto”, contou.

Mesmo comparecendo diariamente ao setor de Recursos Humanos, ele recebia faltas, como se nunca tivesse pisado os pés no RH. Após o quarto dia sem assinar a folha de presença, decidiu levar um documento até o setor para obter o reconhecimento de sua estabilidade econômica. “Queria resolver a situação. Além disso, eu já tinha dez anos com o mesmo salário e eles tinham reduzido para ¼ do valor. A moça que estava escrevendo “faltou” na minha folha de ponto assinou o documento como recebido”.

Naquele momento, Afonso pensou que tudo seria resolvido. Com o carimbo de recebido, conseguiria comprovar a contradição de receber faltas, mesmo presente. Mas não foi o que aconteceu. “Na verdade, eu levei dois anos para conseguir acessar essas folhas de ponto. Dois secretários prevaricaram. Quer dizer, cercearam meu direito de defesa ao negar que eu tivesse acesso aos documentos”, afirmou.

Coordenação de políticas LGBT+

Com o pagamento reduzido, entre os meses de abril e maio de 2017, o servidor se ofereceu para atuar em diferentes setores da Prefeitura nos quais já havia trabalhado. “Eu fui conversar com um secretário que era responsável pela pasta de políticas para pessoas LGBTQIAP+. Expliquei que precisava estar em algum lugar para retomar o meu salário. Foi quando ele disse que não poderia me dar um aumento porque tinha um PAD (Processo Administrativo Disciplinar) aberto contra mim”, relatou Silvestre.

De acordo com Afonso, o processo só foi aberto oficialmente em 2021, mas, naquela época, já estava sendo usado contra ele como forma de intimidação e perseguição. “Acredito que esse secretário foi informado de má fé por alguém”, disse. Mesmo com a proposta de recuperar o seu salário original negada, o funcionário passou a integrar a equipe da Coordenação de Políticas LGBTQIAP+.

“Eu pedi uma colocação naquele setor, de qualquer forma, porque tinha uma certa segurança de que sou servidor público e sempre exerci muito bem o meu trabalho, então sabia que teria algum reconhecimento”, explicou. Mas após entregar um plano de ação que visava a realização de oficinas para cargos comissionados da Prefeitura, com o objetivo de combater a homofobia internamente, Afonso foi, mais uma vez, colocado à disposição, no dia seguinte ao envio da proposta.

De acordo com o historiador, o documento que o afastava daquela função não continha uma justificativa. Com a sua saída de mais um setor da administração pública, ele foi alocado na Biblioteca Municipal José de Sá Nunes. Naquele ambiente, Afonso, juntamente com o gerente do acervo na época, realizou diversas atividades com crianças, adolescentes e pré-vestibulandos. Assim, conseguiu obter algumas gratificações pelo trabalho técnico realizado durante esse período.

Licença-prêmio e retirada de adicionais

Já no ano de 2018, após a realização de alguns projetos com a equipe da biblioteca, como o Cineclube na Praça CEUs, no bairro Alto Maron, Afonso decidiu que iria tirar a licença-prêmio a qual tinha direito. “Em setembro de 2017 já tinha sido aberta uma sindicância [processo para apurar preliminarmente uma ação ou omissão do servidor público], e eu estava naquela ansiedade porque nada acontecia. Então, resolvi tirar esse tempo”, contou.

O que aconteceu em seguida foi mais um corte de salário. Os adicionais que tinham sido acrescentados ao seu pagamento em razão dos trabalhos técnicos realizados foram todos retirados. “Foi um susto. Eu estava esperando uma coisa e veio outra”, disse. “Então, ao final de 2018, eu voltei de uma licença ainda mais prejudicado”, acrescentou.

Em 2019, mais uma mudança de ambiente de trabalho ocorreu. Afonso foi convidado para auxiliar na realização de um evento para fortalecer a memória do cineasta Glauber Rocha. Após o sucesso da ação, veio o convite para permanecer na equipe do Memorial Régis Pacheco.

“Eu disse que topava, mas precisava receber pelo meu trabalho. Aí acataram o pedido e adicionaram algo a mais no meu salário novamente”, afirmou. Além disso, houve a promessa de que o valor seria ajustado para retornar ao que era antes do corte e de que seriam quitados os retroativos.

No memorial, Afonso foi uma das pessoas que ajudou a liberar recursos do Fundo de Cultura que estavam acumulados há 10 anos e o município não conseguia utilizar. Ele também contribuiu para o planejamento de uma série de editais que precisavam ser adequados aos termos da Lei Aldir Blanc.

Em 2019, Afonso realizou visitas guiadas ao Memorial Régis Pacheco. Foto: Reprodução/Youtube.

Ainda no segmento cultural, em 2019, o servidor demonstrou interesse em participar da gestão do Conselho Municipal de Cultura de Vitória da Conquista, órgão deliberativo e autônomo responsável por propor ao Poder Público medidas de incentivo e valorização da cultura, além de zelar pela proteção de bens culturais do município.

“A Prefeitura argumentou que eu não poderia participar porque só participavam as pessoas indicadas do governo. Mas eles, convenientemente, não conseguiam entender que eu não sou membro do governo, sou um funcionário da municipalidade. E queria participar do conselho como cidadão”, ressaltou. Na época, Afonso conseguiu se tornar membro do órgão de controle social após argumentação de advogados contra a Procuradoria do município.

Perseguição política

No início de 2021, Afonso foi convocado para uma reunião pelo então secretário de Cultura do município, Adriano Gama. De acordo com o servidor, o representante da pasta teria iniciado o encontro com as seguintes palavras: “eu gosto muito do seu trabalho e isso não é nada pessoal, mas você deveria ter calado a boca, não foi bom o que postou em rede social durante a campanha [eleitoral municipal de 2020]”.

As publicações do historiador nas redes sociais apresentavam um posicionamento político crítico à gestão do então prefeito Herzem Gusmão que, em 2020, concorreu à reeleição e venceu em uma chapa que tinha Sheila Lemos (União Brasil) como vice. Após a menção aos posts de Afonso, o secretário disse que o colocaria à disposição, afastando-o mais uma vez de um setor da Prefeitura.

Mas apesar de Gama ter utilizado, no encontro presencial, as publicações on-line como justificativa para o afastamento, no documento que oficializava a medida, constava que Afonso deveria ser retirado da função “em vista da necessidade de melhor gerenciamento do serviço público”. “Eu me recusei a assinar aquilo e me dirigi imediatamente ao setor de Pessoal para informar o que havia acontecido com o secretário. Levei também o documento que comprovava que minhas folhas de ponto tinham sido fraudadas em 2017, pois eu finalmente tinha conseguido obter essas provas”, contou.

Além disso, ele foi também até a Ouvidoria do município relatar o ocorrido. “Nesse momento, eu já estava me sentindo muito desrespeitado. E aí fui chamado até o gabinete da prefeita Sheila Lemos [que já havia assumido após a morte de Herzem Gusmão], e me disseram que eu estaria lotado lá para evitar que a perseguição continuasse”, explicou o historiador.

Posteriormente, Afonso passou por trabalhos no Memorial da Câmara de Vereadores e na Coordenação de Promoção da Igualdade Racial, onde desenvolveu o processo de certificação do quilombo do Beco de Dôla. Foi justamente nessa época que o PAD (Processo Administrativo Disciplinar) foi aberto oficialmente.

Proposta de arquivamento

Com a abertura do PAD, os advogados de Afonso apresentaram uma proposta de arquivamento do processo. As justificativas incluem prescrição, já que a denúncia é de que o servidor não trabalhou de 2013 a 2016, mas o Processo Administrativo foi instaurado em 2021.

Além disso, a equipe jurídica identificou contradição, uma vez que a sindicância afirmou que Silvestre recebia vencimentos sem trabalhar, de janeiro de 2013 a dezembro de 2016, ao mesmo tempo em que alegou que o funcionário público tratava “de maneira vexatória seus subordinados”.

No documento jurídico, um trecho afirma que “é absolutamente impossível alguém que não vai trabalhar tratar de maneira vexatória. Se nem lá foi, não há como tratá-los de qualquer maneira”. De acordo com Afonso, o gabinete da prefeita aceitou o pedido de arquivamento do processo, mas a ação não seguiu.

Em março de 2022, a pedido do chefe do Gabinete Civil, Afonso protocolou mais uma vez a proposta de arquivamento no setor. Meses depois, após ele voltar de uma licença de três meses, que tirou por recomendações médicas devido a crises de pânico e ansiedade, descobriu que o PAD estava parado.

“Eu assinei três termos de compromisso, um para cada mês em que estaria fora. Nesses documentos, eu assegurava que estaria lá, se fosse chamado, para que o PAD não precisasse ser interrompido. Aí eu viajei e, quando voltei em novembro, o corregedor me disse que o processo estava parado porque eu havia viajado”, contou. “Eu sempre fui racional, mas na hora pensei, isso só pode ser pirraça”, completou.

A partir daí, Afonso começou a pressionar a gestão municipal através de documentos. “A proposta de arquivamento, na verdade, era para evitar que tudo isso, essa demonstração de incompetência da administração municipal, fosse exposta”, destacou.

Para o servidor municipal, existe uma grande diferença entre o governo Herzem Gusmão e a gestão Sheila Lemos. “O primeiro era extremista e perseguidor. O segundo é de direita, mas a prefeita é republicana. Não concordo com todas as suas políticas, mas no governo atual, eu sei o meu lugar como funcionário da municipalidade e em quais áreas posso contribuir dentro dos projetos do Executivo”.

De acordo com o historiador, a presença de remanescentes da gestão passada e a força política que eles têm fazem determinadas coisas acontecerem. “Por exemplo, eu tenho certeza de que o gabinete da prefeita não sabia que eu estava sendo notificado de um PAD cinco dias depois de ter conversado com eles e saído de lá com a garantia de que tudo acabaria”, afirmou.

“Estou aberto a qualquer conversação”

No dia 22 de novembro de 2022, Afonso Silvestre foi ouvido pela comissão do PAD (Processo Administrativo Disciplinar), assim como suas testemunhas de defesa, pessoas que acompanharam de perto o seu trabalho como servidor do município de Vitória da Conquista.

Não há previsão para a finalização de todo esse processo que já dura cinco anos. Segundo Silvestre, na verdade, o fim do PAD só depende da prefeita Sheila Lemos. “Já existe uma proposta de arquivamento muito bem justificada, então eu desejo que isso aconteça. E quero que todos os danos que sofri, sejam psicológicos, morais e materiais, sejam ressarcidos. Estou aberto a qualquer conversação”, finalizou.

O Conquista Repórter solicitou esclarecimentos da Prefeitura de Vitória da Conquista, via e-mail, a respeito das denúncias descritas na reportagem, mas até o fechamento desta edição, não foram obtidas respostas da Secretaria Municipal de Comunicação.

Foto de capa: Arquivo Pessoal.

MATÉRIA ATUALIZADA EM 16/12/2022, ÀS 18H10:

Dois dias após a publicação da reportagem, a Secretaria de Comunicação da Prefeitura de Vitória da Conquista enviou uma nota ao Conquista Repórter, em resposta à solicitação de posicionamento feita pela equipe. Confira abaixo:

A Prefeitura esclarece que o processo envolvendo o servidor Afonso Silvestre de Santana Júnior está tramitando no âmbito da Secretaria de Transparência, Controle e Prevenção à Corrupção (STPC) e, por se tratar de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) as informações são restritas ao processo e tratadas sob sigilo em benefício do servidor. Secom, 16 de dezembro de 2022

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Uma resposta para ““Quero reparação pelos danos que sofri”, diz servidor que denuncia perseguição na Prefeitura”

  1. Afonso Silvestre disse:

    Se o sigilo dos documentos é em meu benefício, autorizo a prefeitura a abrir tudo e mostrar para todo mundo.

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