Herzem Gusmão Pereira: a personalidade, a história e o legado

Por - 3 de junho de 2021

Caso estivesse vivo, o radialista e ex-prefeito de Vitória da Conquista completaria 73 anos de idade em junho; Cerca de três meses após a sua morte, o Conquista Repórter reconstitui sua trajetória, sob o ponto de vista de pessoas que conviveram com ele

Era noite do dia 18 de março de 2021 quando a notícia da morte do então prefeito de Vitória da Conquista, Herzem Gusmão Pereira, se espalhou por grupos de WhatsApp, redes sociais, blogs locais e outros veículos de imprensa. Naquela quinta-feira, qualquer conquistense que acessasse o Facebook e o Instagram, veria seu feed repleto de notas de pesar, com a cor preta de luto prevalecendo nas suas páginas iniciais, juntamente com a imagem do ex-gestor.

Herzem morreu aos 72 anos, no auge da segunda onda da covid-19 e no mesmo dia em que, assim como ele, outros 2.658 brasileiros foram vítimas da doença que se disseminou pelo planeta a partir do fim de 2019. Apoiador do presidente Jair Bolsonaro, que desde o início da pandemia minimizou o potencial destrutivo do novo coronavírus, o ex-prefeito lutava contra os efeitos do patógeno em seu organismo desde o dia 7 de dezembro de 2020, quando passou a receber os primeiros cuidados médicos ainda em casa, após descobrir que estava infectado.

Em vida, chegou a defender o chamado tratamento precoce contra a covid-19, que não tem eficácia científica comprovada. Quando seu estado de saúde se agravou em decorrência da doença, ele foi internado no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. Permaneceu em tratamento por três meses, recebendo orações e mensagens de apoio de conquistenses diariamente, sobretudo do seu eleitorado, que se manifestava nas redes sociais a cada atualização do seu quadro clínico. 

A comoção com a sua morte foi imediata. A covid-19 tirou de Herzem a oportunidade de exercer o seu segundo mandato como prefeito, cargo para o qual foi eleito em segundo turno com 54% dos votos, em novembro de 2020. Nessa última quarta-feira, 2 de junho, ele completaria 73 anos de idade e, caso estivesse vivo, caminharia para o sexto mês de seu novo mandato. Sua história como personagem e figura pública de Vitória da Conquista, entretanto, vai muito além da trajetória política. 

A figura humana

Conquistense nato, Herzem era o filho mais velho entre os cinco de Eunildo Gusmão Pereira e Zilda Gusmão Pereira. Nasceu no ano de 1948, durante o governo do presidente Eurico Gaspar Dutra, que marcou o fim do Estado Novo no Brasil. Cresceu numa Vitória da Conquista que deixava de ter a pecuária extensiva como base da sua economia para dar lugar a um forte comércio. Na cidade, morava num local conhecido como Rua do Gancho. 

Dona Zilda e os seus cinco filhos. Herzem era o irmão mais velho de todos os outros quatro: Eleuza, Erivaldo, Edilson e Ernande. Foto: Arquivo Pessoal / Instagram.

Dividiu a maior parte da sua vida com dona Luci Freire Gusmão, sua esposa. Juntos, tiveram três filhos: Thaisy, Danilo e Herica, além de um neto, chamado Arthur. “A família dele sempre estava em primeiro lugar, era sua maior inspiração. Ele era um pai, um filho, um irmão e um marido muito presente”, conta Regina Meira, que conviveu com o ex-prefeito por mais de 30 anos. 

Segundo Regina, era muito visível, por exemplo, o grande carinho e amor que Herzem tinha para com a mãe dele. “Após a sua morte, ela chegou a me dizer: ‘Regi, eu perdi um filho e um pai”. Chico Estrela, velho amigo que se tornou um dos seus maiores adversários políticos, lembra que Herzem não ficava um dia sem passar na casa da mãe. “Todo dia ele tinha que passar na casa de Dona Zilda para pegar a benção”, relata.

Colega dos tempos de rádio e amigo também de longa data, Humberto Pinheiro afirma que o ex-gestor não admitia ceder espaço na defesa dos interesses e direitos da sua família. “Era um pai extremamente cuidadoso com os filhos. Autoritário, duro, mas ao mesmo tempo doce, terno. Um paizão, com um coração maior do que essa cidade. Como esposo, foi um excelente companheiro de dona Luci”. 

Gostava de viajar com a família no fim de semana para Itacaré, em especial durante o período em que foi radialista, revela o jornalista Deusdete Dias, que foi seu colega de trabalho na Rádio Clube. “Era um grande piloto. Dirigia espetacularmente bem. Além disso, gostava muito de pratos exóticos: buchada, rabada, mocotó, feijoada, aquelas mortadelas, e adorava uma pimenta”, acrescenta. 

Quem também se recorda do gosto de Herzem por comidas dos mais variados tipos é Juliana Silva, jornalista que atuava na gestão das mídias sociais do ex-prefeito. Ela conta que ele gostava ainda de uma boa música e tinha um riso fácil, apesar da postura meio imponente. “Há pequenos restaurantes em Conquista que eu só conheci por causa dele”, detalha. 

Juliana destaca também que Herzem era um homem de fé inabalável. “Poucas vezes, eu conheci uma pessoa de tanta fé”. Já Regina lembra que ele sempre colocava Deus “na frente de tudo, antes mesmo de se tornar político. Era um homem correto, sério, e muito exigente. Gostava de ver todas as coisas muito bem feitas”.

Uma personalidade forte

Tão forte e imponente quanto a sua voz e postura era a sua personalidade. De acordo com Humberto Pinheiro, Herzem era 8 ou 80. “Durante sua juventude, não tinha fronteiras quando se irritava, quando alguém passava a ser seu adversário, e não tinha fronteiras quando alguém era seu amigo. Era capaz de brigar com você, de ir às vias de fato, de trocar socos, pontapé, empurrão, e era capaz de, no mesmo dia, abraçar você, pedir perdão, buscar a paz, buscar o reencontro”.

“Brucutu” é o termo que Deusdete Dias usa para definir esse lado da personalidade de Herzem. “Ele era muito bom, ajudava muita gente, mas quando ele zangava, sai de baixo!”. Dias conta que, certa vez, ele “invocou com alguma coisa na rádio e demitiu todos os locutores de uma vez só”. Esse tipo de comportamento, de acordo com o jornalista, fazia parte da personalidade do ex-prefeito.

O mesmo afirma Humberto: ‘quando tinha que, no exercício do seu mandato, demitir um companheiro, alguém que vinha com ele dessas caminhadas até chegar à Prefeitura de Conquista, ele o fazia com a mesma dureza de quando era jovem, com a mesma determinação, com a mesma valentia. Daí, posteriormente, saía abraçado com a pessoa e buscava reatar a amizade e dissolver qualquer rancor, qualquer ódio que pudesse ficar. Era sempre um construtor e reconstrutor de amizades e de encontros”. 

Segundo Humberto Pinheiro, Herzem sempre foi “um construtor e reconstrutor de amizades”. Foto: Arquivo Pessoal / Instagram.

Numa ocasião, em 2019, Dias conta que Herzem estava concedendo uma entrevista para o amigo Humberto, quando alguém mandou uma mensagem para o WhatsApp da rádio Clube FM dizendo: ‘olha, estão cortando os eucaliptos aqui da Avenida Gilenilda Alves e a secretária de Meio Ambiente [na época, Luzia Vieira] é quem está comandando a ação presencialmente’. Segundo Deusdete, Herzem largou a entrevista, pegou o carro, foi até o local e demitiu a secretária na rua, sem nem mesmo perguntá-la o porquê estava fazendo aquilo. A história gerou repercussão na imprensa, mas não chegou a ser confirmada.

Do esporte para as ondas do rádio

Muito antes de ingressar na política efetivamente e chegar à Prefeitura de Vitória da Conquista, o jovem Herzem de personalidade forte se destacava como jogador de basquete. Despertou interesse pela modalidade bem cedo. Sua altura certamente contribuiu para isso e, junto com sua aptidão e talento, foi decisiva para que Norberto Aurich, primeiro professor de basquete do Sudoeste baiano, o introduzisse ao esporte, tornando-se seu treinador.

Junto com outros colegas, Herzem treinava na quadra do Clube Social Conquista, em plena década de 1960. Em pouco tempo, passou a integrar a seleção conquistense de basquete, que foi campeã dos Jogos Abertos do Interior, por cinco anos consecutivos. Apesar de não ter seguido com a carreira de atleta, foi na relação com o esporte que ele descobriu sua grande paixão: o rádio. Tinha apenas 20 anos quando passou a atuar como radialista, fazendo cobertura esportiva.

Herzem começou a se envolver com o esporte, em especial com o basquete, ainda na adolescência. Como atleta, trouxe diversas medalhas para Conquista. Foto: Arquivo Pessoal.

No fim dos anos 1960, lembra Humberto Pinheiro, Vitória da Conquista conseguiu acesso ao campeonato baiano profissional de futebol. Nessa época, um narrador esportivo chamado Juarez Oliveira veio de Ilhéus para a cidade, contratado pela então ZYN 25 Rádio Clube de Conquista AM para conduzir a cobertura do esporte conquistense a nível estadual. Queria formar um time jovem de jornalistas esportivos para a emissora. Herzem, então, aproveitou a oportunidade oferecida por Juarez e ingressou na rádio. Foi selecionado para a equipe juntamente com Humberto, que já o conhecia. 

“Começamos juntos a transmitir futebol, a fazer pista, fazer fundo de gol. Posteriormente, Juarez acabou indo embora de Conquista para Salvador. E eu e Herzem ficamos aqui na cidade. Ele passou a ser narrador esportivo, eu fiquei no comentário”, relata. Nesse período, o programa que viria a marcar a trajetória de Herzem como comunicador e radialista se chamava ‘Resenha da Brahma’ e era dedicado exclusivamente ao noticiário esportivo.

Como jornalista esportivo, Herzem atuou como repórter de campo e, posteriormente, como narrador de futebol. Foto: Arquivo pessoal / Instagram.

“Naquele momento, começou a brotar na gente as chamadas preferências políticas. Daí nós começamos, quase que inconscientemente, a enveredar por essa área, a dar notícias de política. Mas chegou um momento em que a própria direção da rádio falou: ‘ou muda o nome do programa ou acaba com o seu viés político”, conta Humberto, que não se lembra de quem exatamente surgiu a ideia de mudar o nome do programa para ‘Resenha Geral’.

A mudança foi decisiva para consagrar Herzem Gusmão como um dos mais conhecidos e respeitados radialistas da Bahia. Assumiu em definitivo a liderança do programa e se tornou de vez editorialista e comentarista político, além de chefe de jornalismo da emissora. Segundo o ex-colega de redação, Deusdete Dias, Herzem fez parte da segunda geração de jornalistas conquistenses que fizeram história no rádio. “Como um editorialista, ele era espetacular. Tinha opiniões fortes. Era incisivo, destemido, ia pra cima. Já chegou a fazer uma hora de programa só ele falando”, destaca. 

A maior parte da trajetória de Herzem como radialista foi na Clube FM, onde comandou por décadas o Resenha Geral. Foto: Arquivo Pessoal.

Não à toa, o Resenha Geral foi o programa que ficou mais tempo no ar na história de Vitória da Conquista, se constituindo como um fenômeno de audiência. A jornalista Juliana Silva faz parte de uma das gerações que cresceram escutando a voz e os comentários de Herzem Gusmão, que narrou e testemunhou meio século da história conquistense. “Meu pai sempre foi fã dele e não deixava de escutar o Resenha Geral um só dia”. 

Segundo ela, conviver com Herzem era um aprendizado diário. “Acho que nunca conheci uma pessoa que sabia tantas histórias de Vitória da Conquista, desde quando foi construído determinado prédio, quando surgiu um bairro, ou quando foi inaugurada uma praça, sem falar que sabia histórias bem interessantes sobre as grandes personalidades conquistenses e a política local. Ele tinha uma memória excepcional”, conta.

Da mesma geração que Juliana, o jornalista Rodrigo Ferraz também teve a oportunidade de trabalhar ao lado de Herzem. O conheceu não através do rádio, mas sim do blog da Resenha Geral. E, desde então, sentia vontade de trabalhar com o ex-prefeito, até que, durante a graduação em Jornalismo na UESB, foi convidado por ele para ser estagiário de Jornalismo no blog. “Não pensei duas vezes”, diz.

Para Rodrigo,  Herzem era um comunicador que nunca ficava em cima do muro, e isso agradava alguns e desagradava outros. “Era uma referência, seu programa era uma vitrine. Sempre o via como uma pessoa polêmica, que não titubeava em se posicionar, seja qual fosse o tema. Todo o cotidiano da cidade passava pelo programa”, afirma. 

Na mesma Universidade em que Rodrigo se formou em Jornalismo – a UESB -, Herzem fez pós-graduação em Comunicação, que concluiu no ano de 2003, ao ter aprovada a sua monografia, na qual relatou a trajetória da emissora de rádio onde construiu sua carreira como jornalista, a Clube. Antes disso, chegou a se formar em Direito, no ano de 1985. Foi gerente da Associação de Poupança e Empréstimo da Bahia (ASPEB), trabalhou no Banco Econômico e foi gerente das Lojas Unilar. Mas a veia de radialista sempre se sobressaiu durante a sua trajetória profissional.

Na foto, Herzem está lado dos colegas jornalistas Sindy Santos, Rodrigo Ferraz, Ciano Filho, Mônica Cajaíba, Luciano Pina e Renato Mineiro, na Rádio Cidade. Foto: Arquivo pessoal / Instagram.

“A projeção de Herzem como radialista tem uma razão: o talento diante do microfone. E muito mais do que marcar época no rádio, ele passou a ser uma referência. Era um abnegado daquilo que ele acreditava. Ele ia para as consequências finais na defesa do que ele imaginava que fosse correto”, relata Humberto Pinheiro. 

Rodrigo Ferraz acrescenta ainda que o Resenha Geral era como uma tribuna livre, um programa através do qual Herzem brigava pela cidade. Mas chegou um momento em que comentar e analisar os bastidores e movimentos da política local já não lhe bastava. A projeção que tinha obtido através do rádio sedimentou o caminho para que ele ingressasse efetivamente no jogo do poder.

Nesse percurso, gestores como Guilherme Menezes (PT) e José Raimundo Fontes (PT), que Herzem chegou a elogiar e apoiar durante sua atuação como radialista, se tornaram seus grandes adversários. De acordo com Deusdete Dias e Chico Estrela, o rompimento com o governo petista, em especial com Guilherme, teve como principal motivo questões relacionadas a um patrocínio envolvendo a Prefeitura e a rádio Clube. Além disso, teria sido decisivo para que Herzem concorresse à gestão municipal.

O ingresso e a ascensão na política partidária

Apesar de ter concorrido a um pleito eleitoral pela primeira vez em 2008, quando foi candidato a prefeito de Conquista pelo PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), Herzem possuía filiação partidária desde a década de 1980, quando se filiou ao PDT (Partido Democrático Trabalhista). A partir de 1995 até 2007, foi membro do PSB (Partido Socialista Brasileira), tido como sigla de centro-esquerda. Entre 2007 e 2009, ingressou no campo da direita ao filiar-se ao PSDB e, posteriormente, ao MDB (Movimento Democrático Brasileiro), onde ficou até a sua morte. 

“Ele tomou gosto pela política. Antes disso, eu via Herzem como um radialista, como um jornalista de opinião. Gostava e sempre gostou de um jornalismo sério. Como político, eu nunca tinha visto, mas de 2008 pra cá a gente passou a ver, quando ele passou a concorrer às eleições. Mas, até então, eu via um Herzem que amava rádio. Era um jornalista nato”, relata a amiga Regina Meira.

Quando concorreu à Prefeitura, naquele ano, tinha como bens declarados uma poupança no Banco do Brasil e outra na Caixa Econômica Federal, que juntas, somavam R$2.000. Conquistou 43.159 eleitores (30,43% dos votos do 1º turno). Na segunda tentativa para o cargo de chefe do Executivo Municipal, em 2012, já pelo MDB (então PMDB), levou sua candidatura para o segundo turno, conquistando 43,72% dos votos, contra mais de 56% do seu adversário, Guilherme Menezes (PT), que saiu vitorioso.

Nessa época, seus bens declarados junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passaram de exatos R$2.000,00 para mais de R$90.000. E esse valor duplicou quando, em 2016, venceu as eleições para prefeito em segundo turno contra o candidato José Raimundo Fontes (PT), que também perdeu para Herzem no pleito eleitoral de 2020. O radialista chegou ao seu primeiro e único mandato ao lado da vice Irma Lemos, numa coligação formada por outros sete partidos.

Herzem e Irma Lemos, que foi vice-prefeita durante a sua gestão, entre 2017 e 2020. Foto: Arquivo Pessoal / Instagram.

Antes disso, teve também uma passagem pelo Poder Legislativo. O ex-prefeito havia se candidatado a uma vaga na Câmara Federal em 2010. Recebeu 37.319 votos, sendo eleito como suplente, mas não chegou efetivamente ao Congresso Nacional. Foi na Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) que ele atuou como parlamentar. Se candidatou a deputado estadual em 2014, ficando na primeira suplência e assumindo o cargo posteriormente, entre março de 2015 e março de 2016. 

“Quando todos esperavam que Herzem fosse chegar à Assembleia Legislativa incendiando todo aquele espaço de poder, que fosse aquele Herzem do microfone, ele chegou um político equilibrado, ponderado e humilde. Ele ficou um tempo na Assembleia, observando, ponderando, aprendendo como que ele deveria conduzir o seu trabalho dentro da ALBA. Era sempre muito oportuno em seus pronunciamentos. E lá, ele também se mostrou um defensor intransigente de Conquista”, afirma Humberto Pinheiro, que na época trabalhava na TV ALBA.

Na Assembléia, foi vice-presidente da Comissão de Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia e Serviço Público e titular das comissões de Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia e Serviço Público; Direitos Humanos e Segurança Pública; Finanças, Orçamento, Fiscalização e Controle; da Comissão Especial de Desenvolvimento Regional; e da Comissão Especial Desporto, Paradesporto e Lazer.

Segundo Regina Meira, a campanha eleitoral de 2014, em que Herzem concorreu para o cargo de deputado estadual, foi uma das mais difíceis de toda a trajetória política do ex-prefeito, em razão dos processos judiciais dos quais ele foi alvo por propaganda eleitoral antecipada, algo que também marcou a sua candidatura a prefeito em 2020. “Pense numa eleição sofrida. Acredito que ele perdeu muitos votos porque, durante a eleição, muita gente não sabia se ele estava impedido de concorrer ou não”.

Assim como muitos dos amigos do ex-prefeito, Regina o conheceu na Rádio Clube FM. Trabalharam juntos no setor de jornalismo da emissora. A amizade se fortaleceu tanto que ela se tornou sua secretária pessoal e o acompanhou também quando ele ingressou efetivamente na política partidária, em 2008. Foi tesoureira de todas as suas campanhas e se filiou junto com ele ao MDB. Era uma pessoa de sua extrema confiança.

Ela lembra que, durante o seu mandato como deputado, Herzem gravava o Resenha Geral direto do seu gabinete, em Salvador, entre segunda e quarta-feira. Nas quintas, sextas e sábados, ele vinha para Conquista, onde fazia a gravação do programa presencialmente. “Um dia ele falou para mim: ‘Regi, eu ainda irei governar essa cidade’. É a terra que ele sempre amou, elogiou e defendeu”, diz Regina. 

Na visão de Humberto Pinheiro, Herzem só sabia fazer política comunicando. “Ele era político na acepção da palavra quando estava em frente ao microfone”. Para o radialista,  o ex-prefeito só assumiu efetivamente o papel de gestor quando iniciou o seu mandato, em 2017. “Nesse momento, ele teve que fazer uma escolha, teve que dizer: ‘olha, eu não sou mais radialista. Eu agora estou político’. E aí, ele assumiu plenamente essa figura do político. Mas, antes disso, ele realmente só sabia fazer política com o microfone”, acrescenta.

Herzem atuou durante cerca de décadas no rádio antes de deixar a profissão de jornalista para seguir somente com a carreira política, já como prefeito de Conquista. Foto: Arquivo pessoal / Instagram.

A saudade do rádio sempre esteve presente durante o período em que ele foi gestor de Conquista e ficou afastado do microfone, de acordo com Regina. “Teve momentos em que, já no exercício do seu mandato, locutores lhe pediam: ‘faça a abertura do programa’. Aí ele falava: ‘Em Vitória da Conquista, meio-dia…’ Outra vezes ele dava a hora certa. Daí matava um pouco a saudade. Você via que era o que ele gostava”. Mas dali em diante, a trajetória como radialista daria de vez lugar à sua carreira política, até porque, como chefe do Executivo Municipal, não poderia exercer as duas funções.

A gestão como prefeito de Conquista

“Vamos trabalhar sem improvisar, com planejamento. Tenho certeza que os resultados virão”. A afirmação, registrada numa matéria publicada no site da Prefeitura, era de um Herzem que havia acabado de iniciar o seu mandato e que já dizia estar em busca de parcerias para trazer benefícios a Vitória da Conquista, que classificou como uma “cidade extraordinária”.

Seu governo, segundo ele mesmo disse, seria de “controle absoluto, de eficiência, oportunidades, diálogo e transparência. Mas, acima de tudo, controle”, ressaltou. Religioso e apaixonado pelo município onde nasceu e cresceu, carregava consigo quase sempre um broche com o formato da bandeira de Conquista e tinha como lema “Deus no comando”.

Herzem costumava carregar sempre consigo um broche com a bandeira de Vitória da Conquista em seu paletó. Foto: Arquivo pessoal / Instagram.

Se propôs a construir uma “cidade para pessoas”, e foi na plástica urbana onde isso mais se evidenciou, destaca Humberto Pinheiro. Além de dar início à execução de projetos elaborados e orçados na gestão anterior, do ex-prefeito Guilherme Menezes (PT), como a reforma da Olívia Flores e a construção da Avenida Perimetral J. Pedral, a gestão Herzem também fez a pavimentação e drenagem de bairros como o Conveima I, Morada Real, Vila América, Henriqueta Prates e Miro Cairo. “Havia bairros aqui na cidade que estavam há décadas na lama e na poeira”, diz Humberto.

Construção e reforma de praças e de alamedas, modernização do terminal de ônibus da Lauro de Freitas – atual Estação de Transbordo que leva seu nome – e implantação de Subprefeituras foram outras ações realizadas no seu governo. Na avaliação de alguns dos seus críticos, o maior problema da sua gestão recaiu sobre a má relação estabelecida com entidades de classe, servidores públicos, movimentos sociais e até mesmo com outros gestores, como é o caso do governador Rui Costa.

“Um prefeito precisa conversar com o governador. Ninguém precisa vender a sua alma. Conversa-se administrativamente. E Herzem pecou muito nisso. Com ele não tinha diálogo. Era ele e ele e acabou a conversa. Ele chegou a dizer que sindicato forte é sinônimo de governo fraco. Ele maltratou os sindicatos, tirou vários direitos dos funcionários públicos. Não conversava com o Conselho Municipal de Saúde. Dizia que era de esquerda, que era do PT, com a justificativa mais errada do mundo. Depois tentou melhorar, mas se perdeu no meio do caminho”, comenta o jornalista Deusdete Dias.

O vereador Chico Estrella compartilha da opinião de Deusdete e diz que Herzem sempre foi centralizador. “Nunca gostou de ouvir. Nunca gostou de ter pessoas que discordavam da sua opinião, até mesmo por aquele vozeirão, ele já intimidava. Talvez esse tenha sido o seu maior pecado como político”, opina. 

Apesar de ser um dos seus maiores críticos, Estrella foi também seu amigo por 12 anos. A amizade entre eles se estreitou quando Herzem o convidou para ser comentarista esportivo no Resenha Geral. “Pra mim, foi um grande orgulho e aprendizado fazer parte do programa e passar longos anos ao lado de Herzem Gusmão. Eu nunca vi um homem mais sério, íntegro e honesto do que ele. Mas, infelizmente, quando ele passou a ser político, teve a preferência de andar com quem falava o que ele queria ouvir. Então, por exclusão, me tornei seu adversário”, conta.

De acordo com Estrella, quando se encara um político como adversário, não se elogia as coisas boas que o governo faz, mas aponta as coisas que precisam ser criticadas. “E essa foi justamente a linha que eu adotei. O que eu mais critiquei foi o trato com o servidor público, o trato com instituições de classe, a exemplo dos taxistas e dos professores, as permutas de terreno feitas entre entidades privadas e a Prefeitura. Mas sempre respeitei o pai, o irmão, o filho, o marido e o amigo que Herzem foi”.

Para Humberto Pinheiro, se o ex-prefeito estivesse vivo hoje e, portanto, em pleno exercício do segundo mandato, a relação com essas entidades e instituições melhoraria. A falta de diálogo que caracterizou a sua gestão, segundo o radialista, foi fruto da falta de amadurecimento político e de prática como gestor público. “No dia em que tomou posse, em 1º de janeiro de 2017, Herzem iniciou a sua trajetória na administração pública. Foi pouco tempo. Mas conhecendo suas limitações, que não são poucas, posso dizer que ele foi de uma ousadia sem limites. E você não pratica ousadia se não tiver o mínimo de visão”, afirma. 

Visionário é como Juliana Silva define Herzem enquanto político. Para a jornalista, ele era uma pessoa com ideias e projetos que iam além do senso comum. “Enquanto prefeito, pensou e começou a construir a Vitória da Conquista do futuro, como ele dizia, uma cidade verdadeiramente para pessoas, nos mais diferentes sentidos. Pra mim, isso foi o grande destaque da sua gestão”, opina. 

Por outro lado, Deusdete lembra que Herzem chegou à etapa final da sua vida apoiando e defendendo um político que ele acredita ser um verdadeiro atraso para o país, o presidente Jair Bolsonaro. “Foi lamentável pra mim ele ir pra esse caminho. E quando eu apontava esse tipo de coisa na rádio, ele ficava zangado, não queria mais me dar entrevista”, conta.

O adeus

Antes de Herzem adoecer, depois do segundo turno da eleição, que ocorreu em novembro, Deusdete afirma que tentou fazer uma entrevista com ele para discutir o que, até então, seria o seu primeiro mandato. Mas o ex-prefeito contraiu o novo coronavírus logo no mês seguinte e, por isso, não tiveram a chance de conversar. “Nós tivemos uns dois grandes embates, pessoalmente, mas eu nunca tive raiva dele, só tinha uma posição contrária, até porque ele me ensinou a ser crítico assim. Foi um professor pra nós”, conclui.

Visto como seu inimigo, Chico Estrela diz que, se alguém analisar todos os comentários e editoriais feitos por Herzem na rádio, vai perceber que todos eles são extremamente coerentes e contundentes. E isso é uma das coisas que, segundo o vereador, fez o povo de Vitória da Conquista a elegê-lo por duas vezes. 

Rodrigo Ferraz relata que ainda é difícil acreditar em sua partida. “Quando ele faleceu veio um filme em minha mente dos momentos que convivemos trabalhando juntos e confesso que me lembrei de coisas que há muito tempo não recordava”. Humberto confessa que acompanhar a sua luta contra a covid-19 foi extremamente doloroso, apesar da constante esperança de que ele sairia vitorioso de tal batalha.”Vivia de esperança com uma ponta de melancolia, esperando o pior ao mesmo tempo”.

Pinheiro estava sentado no sofá de casa quando seu filho Gabriel deu a notícia: “Herzem morreu”. Segundo o radialista, foi uma “explosão de dor”. “A gente é levado ao choro, passa na sua cabeça uma série de cenas. É a morte de sonhos. Falar do seu legado em termos de obras, realizações, é fácil. Elas estão aí. Mas o legado interno, as lições, os momentos vividos juntos é o que ele deixa em nosso interior”.

O ex-prefeito ficou internado por cerca de três meses no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, antes de falecer em decorrência da covid-10. Foto: Arquivo pessoal / Instagram.

Regina Meira diz que nunca acreditou tanto em um milagre quanto no de que ele iria voltar. Do hospital Sírio Libanês, em São Paulo, Herzem lhe enviava trechos de salmos e orações. Assim como Humberto e a maioria dos outros conquistenses, ela também estava em casa quando soube do seu falecimento. “Eu perdi um pai e um amigo, uma pessoa muito presente na vida de todos nós. Mas tenho certeza que hoje ele está num lugar melhor”. 

A jornalista Juliana Silva, por fim, afirma que não conheceu ninguém que amasse Vitória da Conquista tanto quanto Herzem e que lutasse tanto pelo bem da cidade e de seu povo, seja no rádio ou na política. “Por ter trabalhado com ele em sua campanha, por saber dos seus desejos e planos, fica a sensação de que ele e Vitória da Conquista mereciam mais tempo juntos”.

*Foto de capa: Secom/PMVC

*’Os eleitos’ é uma série especial do Conquista Repórter que tem como objetivo traçar o perfil dos candidatos escolhidos pelos conquistenses nas eleições municipais de 2020 para os Poderes Legislativo e Executivo.

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