Artigo | A Prefeitura de Conquista não quer transparência sobre as políticas de Cultura

Por - 12 de abril de 2024

Na reunião do Conselho Municipal de Cultura, realizada em 8 de abril de 2024, ficou decidido que o órgão não é obrigado a transmitir ao vivo as sessões ordinárias. A decisão contou com os votos dos representantes do Executivo municipal.

A reunião presencial do Conselho Municipal de Cultura de Vitória da Conquista, realizada em 8 de abril de 2024, confirmou o total desinteresse da prefeita Sheila Lemos em dar visibilidade às políticas do setor. Com os votos dos representantes da Prefeitura, mais o voto do presidente do órgão (único representante da sociedade civil que foi contra a transparência), ficou definido que o Conselho não é obrigado a transmitir ao vivo todas as reuniões, com destaque para as ordinárias, onde o governo tem mostrado desinteresse e até mesmo desrespeito pelas políticas e agentes da Cultura.

É natural e compreensível que a prefeita não queira que a sociedade civil veja os atrasos e as dificuldades, o impedimento ao acesso à palavra, interpelações de falas e violência contra a mulher. Nunca imaginei que o governo de uma mulher fosse responder ao pedido de uma outra mulher por respeito com um “agora vem o mimimi”. É natural a falta de confiança da prefeita em seus quadros, principalmente considerando que ela foi vítima de uma tentativa machista de golpe por eles mesmos, no dia da posse.

É natural que a prefeita não queira transparência diante do histórico do seu governo, a exemplo do secretário anterior que perdeu o cargo numa live do Conselho, por ser incapaz de medir as palavras. Ao responder a questionamentos sobre o uso de recursos, em sua ignorância e despreparo, sugeriu aos artistas que fossem pedir esmola na feira do bairro Patagônia. Poucos dias depois, numa reunião gravada, tentou corromper os membros do Conselho a agir com ilegalidade.

Portanto, é óbvio que a prefeita não quer transparência sobre as mentalidades do governo. Além disso, a gestão municipal não tem interesse em melhorar. Até hoje, sete meses depois da Conferência de Cultura, realizada em setembro de 2023, o Executivo não conseguiu produzir um relatório com os resultados do encontro. Este documento, regimental e necessário, deveria estar norteando as políticas de Cultura.

Os membros do Conselho Municipal de Cultura (biênio 2023-2025) foram empossados em outubro de 2023. Foto: Secom/PMVC.

Infelizmente, outra razão para o atraso das políticas de Cultura, além da falta de transparência do governo, é a ausência de habilidade técnica para resolver problemas. O mapeamento do conjunto de casas que poderiam ser tombadas no município, sonho do ex-perfeito morto pela covid-19, foi interrompido porque secretário e coordenador resolveram demitir e colocar à disposição o coordenador e o servidor que estavam a frente do projeto. Entre os imóveis mapeados, estava a Casa Glauber Rocha. O dossiê para tombamento ficou inacabado e, naturalmente, a solicitação foi negada.

Ainda sobre a Casa Glauber Rocha, conversei com a pessoa que então havia ficado responsável pelo projeto, trazida de Salvador. Ela me disse que não havia encontrado nenhum museólogo em Vitória da Conquista e por isso havia trazido um profissional da capital. Informei a ela, e foi constrangedor, que seu colega, coordenador do Arquivo Público Municipal, concluíra o mestrado em museologia, e haviam outros na cidade.

Além da falta de transparência e da ausência de habilidade técnica para resolver problemas, a gestão municipal prejudica as políticas de Cultura quando persegue servidores e mente sobre isso. Foi neste governo que a perseguição se agravou. Tonou-se mais aberta, cínica e violenta. A prefeita, embora tenha visto e confirmado que houve a abertura de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra um servidor de forma errônea, não fez nada para impedir e ainda agiu para atrasar as possibilidades de defesa do trabalhador, num processo viciado, arquivado por falta de provas após dois anos.

Atrasos no pagamento

Diante de todos os fatos apresentados neste texto, fica perceptível e indisfarçável a má vontade da prefeita para com as políticas de Cultura. Outro exemplo claro é a falta de compromisso com o pagamento dos artistas. Na sessão da Câmara Municipal para a entrega da Medalha Glauber Rocha, em 5 de abril, o vereador Alexandre Xandó lembrou o adiamento sucessivo dos prazos de pagamentos dos recursos da Lei Paulo Gustavo.

Os trabalhadores seriam pagos em janeiro, depois fevereiro, depois março, e, na sessão do Legislativo, a Prefeitura disse que o pagamento será feito no final de abril ou início de maio. Ou seja, o governo não sabe quando pagará. No entanto, já foram feitos quatro pagamentos para pareceristas com o recurso, o que dificulta a compreensão do porquê a dificuldade em pagar artistas.

O pequeno e importante município de Barra do Choça levou uma semana para pagar os recursos referentes à Lei Paulo Gustavo. Segundo informações do gestor do programa na cidade, o artista e produtor Vinícius Purki, os contratos foram entregues em 29 de janeiro e pagos em 7 de fevereiro. Em Conquista, os artistas estão esperando desde janeiro, ou seja, já estamos no quarto mês de espera. Como prestar conta disso e executar a Lei Aldir Blanc 2, cujos recursos já estão na conta?

Entrega da Medalha Glauber Rocha para Mãe Naza, na Câmara Municipal, no dia 5 de abril. Foto: Ascom/CMVC.

Ainda na sessão especial, que a Câmara diz ser relativa ao dia da Cultura, o laureado Jeremias Macário lembrou muito apropriadamente que o dia da Cultura no município é 14 de março, data do nascimento de Glauber Rocha, e isto foi decidido em 2006, quando foi promulgada uma lei. Mas não há respeito às datas.

Mãe Naza, outra contemplada com a Medalha Glauber Rocha, denunciou que tem parceria com várias instituições, deu como exemplo a UFBA (Universidade Federal da Bahia), mas nenhuma parceria com a Prefeitura. Através dos projetos Maria Nilza e Casa de Oya, oferece serviços e apoio psicológico a diversas famílias com a ajuda de profissionais voluntários.

“Nós fazemos o papel do poder público”, disse Mãe Naza. Na ocasião, ela denunciou que a unidade de saúde do seu bairro encaminha pacientes para a sua instituição, sem que haja convênio. Assim, acolhe pessoas com problemas que, em sua maioria, são resolvidos com escuta, atenção, carinho e respeito.

A prefeita precisa resolver seus entraves e mostrar proficiência, proatividade, envolvimento e conhecimento técnico em todos os eixos que envolvem o desenvolvimento do município e o bem estar da população (o que ela não conseguiu em três anos de governo de extrema direita).

Não adianta utilizar a Cultura como um repositório de recursos dos quais qualquer secretaria “mais importante” lança mão quando bem entender. No fim das contas, tudo chega até a Cultura, ao nosso modo de pensar e ver o mundo, à nossa memória e costumes. Qualquer política de Cultura que não leve em conta essas relações e não se permita debater com a população é falaciosa.

Temos trabalhado com essas escutas na secretaria em que sirvo, um ambiente compreensivo que sabe o que é liberdade de expressão e as diferenças entre mentiras e expressões de ódio. Reconhece meus direitos e capacidades e me permite trabalhar, o que pode ser visto nos resultados. Acredito, inclusive, que isto deveria ser visto, inteligentemente, como crítica construtiva. Infelizmente, inteligência não é o forte dessa gente.

Sem capacidade para compreender detalhes, a Prefeitura de Vitória da Conquista segue cometendo improbidades. E com a mania de apontar o dedo, segue tentando desviar focos ao criminalizar o outro.

*Afonso Silvestre é historiador e coordenou os processos de certificação quilombola de 2004 a 2012, em Vitória da Conquista, como coordenador de planejamento (2004-2006), secretário de governo (2006-2008) e técnico em projetos (2009-2011). Também foi responsável pelas atividades de certificação do quilombo urbano da Comunidade de Vó Dôla, em 2022, e pela modernização do Arquivo Público Municipal (2012-2016) e dos arquivos da COOPMAC.

Foto de capa: Secom/PMVC.

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