Trabalhadores da cultura denunciam irregularidades nos processos seletivos da Lei Paulo Gustavo Bahia

Por - 22 de janeiro de 2024

No dia 8 de janeiro, um grupo de agentes culturais protocolou uma denúncia no Ministério Público Federal (MPF). Nas redes sociais, proponentes relatam uma série de erros ou divergências nos resultados preliminares.

Com 26 editais lançados em setembro de 2023, a Lei Paulo Gustavo Bahia (LPG-BA) representa um marco para o setor cultural do estado. São R$150 milhões repassados do governo federal para o fomento às linguagens artísticas. O processo seletivo recebeu mais de nove mil inscrições dos 27 territórios de identidade. Após a divulgação dos resultados preliminares, trabalhadores da cultura denunciaram irregularidades durante a seleção dos projetos, o que inclui a falta de transparência sobre os critérios para a atribuição de notas, além da ausência de comunicação com os proponentes dentro dos prazos estabelecidos.

No dia 8 de janeiro deste ano, um grupo de agentes culturais protocolou uma denúncia no Ministério Público Federal (MPF), solicitando que as falhas na condução dos editais sejam investigadas e esclarecidas pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (Secult/BA). A ação conta com o apoio da Comissão de Arte, Cultura, Esporte e Lazer da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/BA) – Subseção de Vitória da Conquista. 

Nas redes sociais, em diferentes posts sobre os editais da Lei Paulo Gustavo Bahia, usuários relatam erros ou divergências nos resultados preliminares divulgados pela secretaria. “Meu projeto não está aparecendo nem nos classificados nem nos suplentes nem nos desclassificados. Onde foi parar, @secultba??”, questiona um internauta.

A ausência de projetos na lista de classificação é apenas uma das irregularidades apontadas pelos trabalhadores da cultura. Segundo Mariana Biurrum, advogada e produtora audiovisual, foi principalmente a falta de clareza quanto aos critérios para a atribuição das notas que resultou na denúncia no MPF. Ela e seu irmão, Daniel Biurrum, inscreveram um projeto e, ao se depararem com a pontuação obtida, solicitaram um parecer via e-mail, mas a resposta que receberam não foi suficiente para explicar o porquê daquela classificação.

“Nós nos surpreendemos com a pontuação baixa, então solicitamos a avaliação. O que eles enviaram foi uma simples frase dizendo que o projeto não atendia as exigências mínimas. Foi um parecer muito vago que não nos permite entender os critérios levados em conta”, explica Mariana. “Não tem como você saber onde errou e isso prejudica o recurso. Como você recorre de nota que você não compreendeu o porquê lhe foi atribuída?”, acrescenta.

Mariana e Daniel não foram os únicos proponentes que receberam pareceres sem as devidas explicações. Quando eles tiveram acesso às notas do projeto submetido, começaram a conversar com amigos que também estavam aguardando o detalhamento dos resultados. Foi durante essas conversas que os irmãos descobriram outras pessoas na mesma situação e, assim, decidiram se mobilizar em busca de uma solução. A conexão com outros agentes culturais resultou em um grupo de WhatsApp com cerca de 70 pessoas de todo o estado da Bahia. 

“Era um grupo pequeno, com cinco ou seis pessoas, e nós fomos agregando mais membros e percebemos que a maioria dos relatos era sobre a falta de transparência”, conta Mariana. Foi a partir da mobilização que a advogada e produtora audiovisual de Vitória da Conquista propôs a formalização da denúncia no Ministério Público Federal. 

Falhas e contradições

O historiador Afonso Silvestre é mais um proponente que percebeu irregularidades no processo seletivo da Lei Paulo Gustavo Bahia e se uniu ao grupo de denunciantes. Ele submeteu três projetos aos editais estaduais e, assim como aconteceu com Mariana e Daniel, não recebeu explicações claras sobre o porquê de suas propostas terem recebido pontuações baixas. Além disso, conta que se autodeclarou como pardo nas três propostas, mas a identificação só foi aceita em uma das inscrições.

“Quando a gente pede um parecer técnico, precisamos receber uma justificativa, afinal é um critério muito subjetivo, mas eu não recebi um parecer, o que me enviaram foi um barema com as notas, apenas números. Então o meu recurso ficou bem prejudicado, tanto que ele nem foi aceito”, diz Silvestre.

Para outros proponentes, o problema aconteceu mesmo com a proposta tendo recebido uma boa nota. Esse é o caso de Kétia Damasceno, produtora executiva da Companhia Operakata de Teatro. Ela inscreveu um projeto para o edital de manutenção, reforma, ampliação ou modernização de espaços culturais. “Nós ficamos na suplência, apesar de termos recebido notas muito altas em ampla concorrência, e observamos cinco propostas classificadas com notas mais de 20 pontos abaixo da nossa”, explica. 

Mais uma falha apontada pelos agentes culturais é a falta de comunicação da Secretaria de Cultura da Bahia com os inscritos. Algumas pessoas sequer obtiveram resposta ao e-mail que foi enviado com a solicitação do parecer. Outras tentaram contato, mas só foram respondidas na data em que se encerrou o prazo para requerimento, 7 de dezembro de 2023. Era uma mensagem automática que informava o fim do período de solicitações.

“O direito dos proponentes de receber o parecer com a justificativa para a pontuação atribuída a seu projeto foi violado. Essa violação prejudica o entendimento acerca de quais critérios poderiam ser melhorados por parte do proponente, e mais, impossibilita um embasamento para recurso”, destaca um trecho do documento protocolado no MPF.

Além das problemáticas envolvendo pareceres, notas e ausência de respostas via e-mail, foram observadas outras irregularidades pelos trabalhadores da cultura, como a duplicação de propostas com pontuações diferentes e uma mudança na forma de requerimento de recurso sem que houvesse uma retificação do edital. “É muito lamentável. É uma lei que foi resultado de muita luta dos artistas do Brasil e, no entanto, o próprio governo baiano, que deveria estar dando exemplo, está mostrando a total ausência de transparência e o desrespeito com os artistas”, ressalta Kétia Damasceno.

O Conquista Repórter solicitou esclarecimentos da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, via email, na sexta-feira, 19, mas até a publicação desta matéria, não obtivemos resposta. A reportagem também buscou o MPF, através do sistema de atendimento à imprensa. O órgão não se posicionou sobre o caso.

Foto de capa: Ascom/SecultBA.

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