“Propagar discursos de criminalização aos movimentos sociais é um ataque à democracia”, diz Sandra Ramos
Por Victória Lôbo - 6 de abril de 2022
Entre situações misóginas e agressões àqueles que lutam pelos seus direitos, a professora e sindicalista conta a sua visão sobre a criminalização de entidades sindicais e movimentos sociais organizados.

Professora e sindicalista, Sandra Ramos iniciou sua vida profissional em 2002, como docente de Física na educação básica e, já em 2012, passou a lecionar no ensino superior. Atualmente, dá aulas no curso de Licenciatura em Física da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb). Na instituição, desenvolve ainda pesquisa em Engenharia e Tecnologia Aeroespacial.
Foi coordenadora do Colegiado do curso por quatro anos e, hoje, exerce o cargo de vice-coordenadora do setor. “Sempre procuro estar próxima dos/as discentes para auxiliá-las/os quanto às suas demandas estudantis”, conta.
Quanto à sua atuação como sindicalista, desde 2012, participa de discussões no âmbito do movimento sindical docente e, desde 2016, integra a Adusb (Associação dos Docentes da Uesb). Ramos já fez parte de duas gestões do Sindicato e, além disso, participou do Grupo de Trabalho de Política de Classe para Questões Étnico-raciais, de Gênero e Diversidade Sexual (GTPCEGDS).
Segundo a professora, sua atuação junto ao sindicato a possibilitou um aprendizado político importante, principalmente no que se refere às suas práticas e atuações nas esferas municipal, estadual e federal. Em entrevista ao Conquista Repórter, ela falou sobre a criminalização dos movimentos sociais e destacou a atuação do Fórum Sindical e Popular de Vitória da Conquista. Além disso, apontou as perspectivas da esquerda para dialogar com cidadãos e cidadãs de outros espectros políticos. Confira:
CR: No dia 22 de março, em uma tentativa de entrevista com as diretoras do Simmp, Elenilda Ramos e Greissy Reis, os apresentadores Humberto Pinheiro e Washington Rodrigues, da Rádio Clube FM, praticaram diversas formas de violência de gênero ao vivo. Entretanto, mesmo isso sendo evidente, políticos da extrema direita local e até mesmo veículos de imprensa fecharam os olhos para essa violência e imputaram certa agressividade nas professoras ou trataram o caso como “bafafá”. De que forma podemos relacionar isso ao machismo e à misoginia?
Sandra Ramos: Aquela violência de gênero sofrida pelas representantes do Simmp, Elenilda Ramos e Greissy Reis, não pode e não deve ser tratada como “bafafá”. Isso demonstra o desprezo e a tentativa de desconstrução de uma luta contra as opressões, pauta que é fundamental para a Adusb, Andes (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior) e demais organizações e movimentos comprometidos com as pautas da classe trabalhadora. Enfraquecer a luta contra as opressões é fortalecer a violência de gênero, como a misoginia e o machismo. Aquele veículo de comunicação – pela voz dos radialistas – bem como dos representantes do Legislativo em questão – que votaram contra a nota de repudio aos radialistas – prestaram um desserviço à sociedade, pois são reprodutores dos princípios do patriarcado, cujos movimentos organizados e comprometidos para construção de uma sociedade mais justa vêm combatendo incessantemente. Registre-se, inclusive, que a Adusb, unida às demais representações que compõem o Fórum Sindical e Popular de Vitória Conquista, participou do ato contra a opressão e violência de gênero sofridas pelas representantes do Simmp e, daquele movimento, juntamente com demais companheiros e companheiras, conseguiu-se aprovar a moção de repúdio pelo Legislativo local aos radialistas da Rádio Clube, demonstrando a força da nossa luta enquanto movimento organizado.
CR: Mulheres já são constantemente silenciadas em diversos âmbitos da sociedade. Na sua opinião, por que na política isso é ainda mais evidente e de que forma podemos mudar essa realidade?
Sandra Ramos: Historicamente, as mulheres são subvalorizadas em nossa sociedade, devido às relações de poder estabelecidas pelo modo de produção vigente, que se estabelece pela situação de exploração no âmbito econômico, político e social. Especificamente na política há uma extrema naturalização da representatividade do homem branco enquanto sujeito “legítimo” para exercer o poder nessa esfera. Dessa forma, constitui-se um ambiente majoritariamente masculino, pois ainda não conseguimos vencer essa estrutura de domínio de poder. Destaca-se que, por vezes, os próprios partidos políticos reproduzem essa exclusão de gênero, tornando difícil para as mulheres ascenderem nesses espaços, e aquelas que conseguem vencer essa estrutura e chegam a ocupar um mandato político enfrentam o machismo, assédios e violência de gênero nesses ambientes, que deveriam ser plurais. Cabe ainda colocar que não basta tão somente que a mulher ocupe esses espaços políticos e de poder, há necessidade de ser uma mulher comprometida com a luta da classe trabalhadora, como, por exemplo, luta para a superação das opressões, como as advindas do patriarcado. Observa-se que há avanços no que se refere às medidas que proporcionam a participação das mulheres na política, como as leis de cotas e de paridade de gênero, mas há necessidade de avançarmos mais, pela realização de atividades que promovam o engajamento e participação das mulheres nos espaços de discussões políticas, nos espaços de tomadas de decisões, nos de debates pela equidade de gênero, ou seja, em diversos e amplos espaços, para que elas sejam percebidas e respeitadas em suas atuações.
CR: Você acredita que os ataques à honra também são formas de neutralizar lideranças femininas?
Sandra Ramos: Mulheres que ascendem e se destacam em diversos espaços de liderança sofrem ataques e violências dessa natureza. Sem dúvida, trata-se de uma violência de gênero que visa diminuir a participação igualitária das mulheres nesses espaços, bem como reduzir o alcance de sua atuação, portanto, são alvo do menosprezo, da difamação, da calúnia e da discriminação, por uma questão de gênero, bem como de raça e cor. Muitas são desencorajadas a enfrentarem esse tipo de violência pela falta de uma atuação mais firme do Poder Público.
CR: Antes de proferir ataques machistas e misóginos às dirigentes do Simmp, os radialistas Washington Rodrigues e Humberto Pinheiro já eram conhecidos por atacarem sindicatos e movimentos sociais como um todo de forma recorrente, a exemplo do Fórum Sindical e Popular de Vitória da Conquista. Essa é uma postura comum da extrema direita. Na sua opinião, quais os objetivos por trás disso e quais as consequências da criminalização dos movimentos sociais?
Sandra Ramos: Os movimentos sociais têm se destacado no enfrentamento às contrarreformas que são usadas pelos governos das diversas esferas para retirar direitos da classe trabalhadora, assim como atuado na resistência contra os avanços das políticas neofacistas, que ganharam força com a ascensão do governo de Jair Bolsonaro. O projeto político desse governo é reproduzido pelos radialistas em questão. Trata-se de uma política adotada por uma classe dominante, que em uma tentativa de bloquear as lutas sociais, usam os meios de comunicação para atacar com violência àqueles(as) que lutam por direitos. São espaços atrelados ao projeto conservador de poder e que difundem as pautas neoliberais que favorecem a burguesia, atacam a classe trabalhadora e, dessa forma, incitam uma ofensiva de criminalização dos movimentos para minar a luta social, que ousa resistir a esse projeto conservador de poder, no campo, nas cidades e nas periferias. Para manter o status quo de seus patrocinadores, investem no discurso da desqualificação dos sujeitos que lutam para construir uma sociedade mais justa. O ataque misógino às professoras é um exemplo de como opera esse sistema. As docentes estavam esclarecendo a sociedade sobre a luta dos/das professores(as) do município de Vitória da Conquista por melhores condições de trabalho e salário justo. É uma luta legítima e que o modus operandi tenta criminalizar. Estamos diante de um ataque semelhante, no que diz respeito ao princípio da luta por direitos, e nessa mesma linha de atuação das ofensivas contra os/as trabalhadores(as), trata-se da violência contra os professores(as) do município de Feira de Santana, que foram agredidos pela Guarda Municipal. São atitudes inconcebíveis contra uma categoria e demostram um desrespeito à educação pública. Somente com a mobilização da categoria e dos movimentos organizados será possível barrar esses constantes ataques àqueles(as) que lutam por seus direitos.
CR: E em que medida isso se amplia quando tais discursos são propagados através dos meios tradicionais da imprensa?
Sandra Ramos: Uma vez que o papel da imprensa é também contribuir para a consolidação de uma sociedade mais democrática, a propagação de discursos de criminalização aos movimentos sociais é um ataque à democracia, pois leva a população a se posicionar contra as próprias lutas, quando esses espaços são utilizados para difundir as pautas neoliberais e por conseguinte, fomentarem e incitarem a população com discurso de ódio e fake news. Desfere-se um ataque ao direito de luta e das reivindicações legítimas por melhores condições de vida da classe trabalhadora. É muito perigoso esse discurso de desconstrução da legitimidade da luta, pois foi através das lutas que os trabalhadores(as) obtiveram conquistas históricas.
CR: Pensando no contexto municipal, qual a importância do Fórum Sindical e Popular frente a esses ataques e ao avanço do fascismo a nível local?
Sandra Ramos: O Fórum Sindical e Popular de Vitória da Conquista, composto por representações de diversos coletivos, sindicatos, partidos políticos e movimentos sociais, tem se mostrado ativo quanto ao enfrentamento das propostas e projetos de governos que têm implementado políticas de retirada de direitos e contra a democracia. No âmbito local, o Fórum vem atuando e ocupando as ruas em marcha contra a violência de gênero, contra os pacotes e contrarreformas do governo federal, estadual e municipal e atuando pelo direito e luta pela moradia, direito ao solo urbano e à terra, na luta por melhores condições de trabalho e de vida. São ações e atuações importantes em torno de pautas que, unificadas, se traduzem em benefícios para a classe trabalhadora.
CR: Alguns sindicatos da cidade, como o Sinserv (Sindicato dos Servidores Públicos de Vitória da Conquista) e o Sindacs (Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde e Combate às Endemias), não compõem o Fórum e, portanto, acabam não aderindo a vários atos ou mobilizações importantes em defesa das minorias e dos trabalhadores. Na sua opinião, por que isso acontece?
Sandra Ramos: É importante participarmos dos espaços de organização, mobilização e construção das lutas que contribuem para o fortalecimento de ações políticas e sociais. Cabe a cada entidade, organização social e sindical avaliar, junto à sua base, a adesão a um espaço de discussão, que possibilite ampliar sua atuação política. Porém, há limites e possibilidades dessa ação que, por vezes, se dão pela dinâmica e configuração conjuntural e/ou de correlações de forças, restringindo à participação nesses espaços. Por vezes, isso não fortalece a luta e não contribui para vencermos tantos desafios impostos à classe trabalhadora.
CR: Quando se trata de mobilização e compreensão das lutas de classe, na sua opinião, é necessário “furar a bolha” para atingir pessoas com outras opiniões?
Sandra Ramos: Estamos vivenciando um momento muito duro para o conjunto da classe trabalhadora, que tem se traduzido na intensificação da exploração da força de trabalho, na restrição do direito à luta, na marginalização dos movimentos organizados que lutam por seus direitos, dentre outros. A compreensão da sociedade sobre a luta de classe deve se dar em torno da construção de objetivos comuns, coletivos e da conscientização do indivíduo, que se traduzem a partir das condições objetivas e concretas de vida. O(a) trabalhador/a precisa compreender o motivo pelo qual se dá a exploração de classe e, sem perder esse contexto classista, entender o motivo das opressões de gênero, étnico-raciais, geracionais, de diversidades sexual, dentre outras. Ações que visem esclarecer esse conjunto de trabalhadores(as) são fundamentais para que eles compreendam os diferentes projetos políticos e de governos. O(a) trabalhador(a) deve entender, por exemplo, que a contrarreforma administrativa é um projeto que ataca os setores e serviços públicos, que estão voltados para o atendimento da classe trabalhadora (SUS, educação pública, transportes públicos, etc). É uma tarefa difícil envolver a população na luta contra a exploração de classe. O caminho se faz através da exemplificação, no diálogo com a sociedade sobre os impactos na vida desse/a trabalhador/a quanto às perdas de direitos, desemprego, aumento de custo de vida, intensificação da fome, da violência que o/as atingem diretamente. Ou seja, furar a bolha significa evidenciar a intensificação dessas condições de precariedade de vida, e há necessidade de enfrentar o projeto desse modo de produção para superar essa realidade tão dura para o/a trabalhador(a). Para furar a bolha, é preciso realizar ainda ações concretas para a conscientização de classe, que são fundamentais para fortalecer as escolhas e modificar essa dura realidade. Poderíamos citar o incentivo às organizações de base, a formação de núcleos e grupos comunitários para debates, o fortalecimento da participação em mobilizações de ruas, dentre outros.
CR: Como você observa o movimento estudantil municipal? Tem existido renovação da política de base?
Sandra Ramos: Em Vitória da Conquista, desde que venho acompanhando as mobilizações junto ao Fórum Sindical e Popular e ao Fórum de Mulheres, observo a atuação da juventude nesses espaços. São atuações nos espaços de mobilizações pelo Fora Bolsonaro e nas demais pautas locais. Percebe-se que há necessidade de intensificar e promover a organização e participação da juventude, com autonomia, buscando uma articulação e diálogo com o movimento estudantil organizado, do superior ao secundarista. O diálogo com a juventude é importante, pois estamos diante de um projeto de desmonte e destruição de direitos que atingem também esses jovens, pois são filhos/as da classe trabalhadora e estão na luta por melhores condições de vida.
CR: Tem mais alguma consideração acerca do tema?
Sandra Ramos: A classe trabalhadora vem sendo atacada por um conjunto de medidas neoliberais de retiradas de direitos do/a trabalhador/a que agravam a sua situação de vulnerabilidade social. São medidas que têm intensificado a precarização do trabalho, o adoecimento mental e físico, a dificuldade de acesso à educação de qualidade, a fome, a violência e, sobretudo, a violência de gênero, traduzida pelas práticas machistas, sexistas e patriarcais. Essa ofensiva à classe trabalhadora só será barrada pelos movimentos organizados em torno das pautas classistas e, por isso, o projeto neoliberal opera na lógica da criminalização desses movimentos, atacando trabalhadores/as e desqualificando a luta de classes. Sabemos que as ofensivas são diversas, contudo, a disposição para a luta é permanente!
*Foto de capa: arquivo pessoal.
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