Professores cobram reajuste salarial de 33,24% para toda a categoria e respeito aos planos de carreira

Por - 14 de março de 2022

Para cumprir a Lei Nacional do Piso, a prefeita Sheila Lemos (União Brasil) e o governador Rui Costa (PT) reajustaram apenas os salários dos professores iniciantes.

Era 4 de fevereiro de 2022 quando o presidente Jair Bolsonaro assinou a portaria que estabelece o novo piso salarial dos professores da educação básica na rede pública de ensino. O reajuste, que deve ser concedido anualmente, foi de 33,24%. Dessa forma, o valor mínimo que precisa ser pago aos profissionais da categoria passou de R$2.886,00 para R$3.845,63. Mas para efetivar a regra exigida por lei, gestores municipais e estaduais têm descumprido outras legislações que regem o magistério público e desrespeitado os planos de cargos e salários dos professores.

Em Vitória da Conquista, a prefeita Sheila Lemos (União Brasil)* foi rápida em anunciar que o governo municipal pagaria o reajuste definido pelo Executivo Federal. Em vídeo publicado nas redes sociais, no dia 11 de fevereiro, ela afirmou que o cumprimento da Lei do Piso (Nº 11.730/2008) era mais uma ação que integrava a política de valorização da educação no município. Lemos disse ainda que o reajuste já viria no salário de fevereiro, “junto com a diferença retroativa a janeiro”.

Quatro dias após o anúncio, em 16 de fevereiro, na Jornada Pedagógica 2022, a gestora reforçou o compromisso com o pagamento do reajuste. “Enquanto outros municípios ainda discutem o que fazer, nós já vamos pagar a partir de fevereiro”, disse a prefeita durante o evento, realizado no auditório do Cemae (Centro Municipal de Atenção Especializada). Mais de uma semana depois, em 25 de fevereiro, o Sindicato do Magistério Municipal Público de Vitória da Conquista (Simmp) publicou, em seu perfil no Instagram, uma denúncia com o seguinte título: “prefeita fake news?”.

De acordo com a assessoria de comunicação do Simmp, naquela sexta-feira, 25, os professores, ao consultarem seus rendimentos, “perceberam que foram enganados”. Segundo o sindicato, o reajuste de 33,24% só foi aplicado para os profissionais que adentraram recentemente na rede municipal e estão no Nível I – destinado àqueles com ensino médio ou magistério.

Entretanto, não existe profissional atuante no magistério municipal que esteja nesse nível e carreira, já que o último concurso público para a categoria aconteceu em 2013. A seleção para professores realizada em 2021 só abarcou educadores com ensino superior completo, o que significa que eles preenchem o Nível II, Referência I (0 a 4 anos de atuação) e não receberam a porcentagem referente à graduação. 

A Jornada Pedagógica 2022 foi realizada em 16 de fevereiro, no auditório do Cemae. Foto: Secom/PMVC.

“A prefeita mentiu ao dizer que pagaria o reajuste”

Desde o final de fevereiro, o Simmp tem denunciado que a prefeita Sheila Lemos descumpriu o Estatuto do Magistério Municipal, estabelecido pela Lei Nº 1.762, de 30 de junho de 2011, na gestão do então prefeito Guilherme Menezes (PT). “Para atingir o reajuste estipulado pelo Governo Federal, ela mais uma vez quebra a nossa tabela salarial. Isso já era uma prática do gestor que a antecedeu [Herzem Gusmão], e ela volta a fazer isso novamente. Isso é um absurdo”, afirmou a vice-presidente do sindicato, Greissy Leôncio, em vídeo publicado no Instagram.

Segundo a sindicalista, a tabela salarial “deveria estar com o reajuste do piso em todas as células e níveis, com 33,24% sendo aplicado de forma igual e linear”. O Estatuto do Magistério Público Municipal, no capítulo XII, seção I, art. 50, estabelece que os professores devem “ter assegurado piso profissional que se constitua em remuneração condigna, de acordo com o cargo, nível, referência, tempo de serviço e regime de trabalho”.

É justamente essa premissa da Lei Municipal que a Prefeitura de Conquista descumpre ao não conceder o reajuste a todos os professores, em todos os níveis da tabela salarial. O percentual de 33,24% deveria ser aplicado tanto para o pagamento dos educadores recém chegados na rede municipal de ensino, quanto para aqueles que atuam há mais de 25 anos no magistério.

Além disso, de acordo com o Simmp, a atitude da prefeita fere a Lei do Piso. “Isso vai, inclusive, contra a própria Lei do Piso, que, além de pedir que seja aplicado o piso nacional, estabelece que sejam seguidos e aplicados os respectivos planos de carreira do sistema de ensino”, afirmou a vice-presidente da entidade, Greissy Leôncio.

Viviane Gama, professora da rede municipal de Vitória da Conquista há 14 anos, é uma das afetadas pela falta do reajuste. “Nós tivemos colegas que estão no fim da carreira que tiveram 0,49% de aumento, então a gente percebe que o desrespeito e a desvalorização profissional estão intrínsecos nisso”, disse. “Existem pessoas que já têm 20, 24, 25 anos atuando e, quando elas deveriam ser mais valorizadas, isso não acontece”, complementou.

Viviane é integrante do Movimento da Base dos Educadores (MBE). Assim como outros professores do município, ela estava presente na mobilização realizada pelo Sindicato do Magistério Municipal Público (Simmp) na quarta-feira, 9 de março, em frente à Câmara de Vereadores. Na ocasião, a categoria afirmou que considerava a possibilidade de uma greve, caso a Prefeitura não dialogasse com os educadores.

Em entrevista ao Blog do Sena, durante o protesto, a presidente do Simmp, Elenilda Ramos, contou que duas reuniões já haviam sido canceladas pela administração municipal. No mesmo dia, à tarde, o sindicato foi recebido por representantes da Prefeitura para discutir acerca da recomposição da tabela salarial da categoria.

No encontro, os secretários Edgar Larry, da Educação; Edivaldo Ferreira Júnior, de Gestão e Inovação; e Jonas Sala, de Finanças e Execução Orçamentária, se comprometeram a realizar uma análise do orçamento do município, no prazo de um mês, e, em seguida, apresentar uma posição do governo. A prefeita Sheila Lemos não marcou presença na reunião realizada no dia 9 de março.

Plano de carreira e tabela salarial

O Estatuto do Magistério Público Municipal e o Plano de Carreira e Remuneração dos Profissionais da Educação, em Vitória da Conquista, foram criados por meio da Lei Nº 1.762/2011. O plano, por meio da tabela salarial, assegura aos professores e professoras a progressão na carreira, de acordo com o tempo de atuação na rede ensino e as habilitações adquiridas no decorrer dos anos, através de cursos na área da educação.

Em agosto de 2021, a Lei Nº 2.492 adequou a tabela de vencimentos dos educadores municipais, antes estabelecida no Estatuto do Magistério, após três anos sem reajuste salarial. A legislação estabeleceu que deve ser aplicado um percentual de 4% a cada cinco anos de atuação do professor na rede municipal de ensino, garantindo a chamada progressão horizontal de carreira. Já para garantir a progressão vertical, que diz respeito ao nível de escolaridade, a porcentagem empregada precisa ser de 8,98%. 

Com o reajuste não linear do piso salarial em 2022, o plano de carreira dos professores foi achatado novamente, já que, à medida que o profissional avança na carreira, ele muda de posição na tabela de vencimentos, processo que é chamado de interstício. Dessa forma, atualmente, um educador recém chegado na rede municipal de ensino recebe praticamente o mesmo valor que aquele com mais de 25 anos de atuação.

Ao denunciar a ação da Prefeitura de Conquista, o Simmp publicou, em seu perfil no Instagram, um quadro comparativo. O sindicato mostrou como deveria ter sido aplicado o reajuste de 33,24%, em consonância com o Estatuto do Magistério e o Plano de Carreira, e a maneira como, de fato, a readequação foi feita numa tentativa de cumprir a Lei do Piso. Confira abaixo.

Reajuste para os educadores do Estado

Na rede estadual de ensino, as mesmas queixas quanto à aplicação do reajuste de 33,24% têm sido feitas pela categoria. Segundo Marco Aurélio Farias, professor há mais de 20 anos, para cumprir a Lei do Piso, o governador Rui Costa (PT) enviou à Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) um Projeto de Lei que atualiza apenas os vencimentos (salários) dos professores que estão no início da carreira, deixando de fora a readequação para os profissionais com mais tempo de serviço.

“Esses vencimentos foram atualizados porque estavam abaixo do novo piso nacional do magistério. Mas ao mesmo tempo em que o governador faz isso, ele deveria, automaticamente, reajustar os valores de quem já está no meio ou final da carreira”, explicou Marco, que dá aulas em Santa Maria da Vitória, no interior da Bahia.

O PL Nº 24.464/2022 propõe a alteração da Lei Nº 10.963/2008, com o intuito de readequar os valores dos vencimentos do magistério público na educação básica. O projeto está em tramitação na ALBA e, de acordo com o Governo Estadual, caso seja aprovado, irá viabilizar o reajuste de até 16,10% para os professores, a depender do grau e do padrão que o profissional ocupa na carreira.

As categorias são definidas pelo plano de cargos e salários dos docentes. Marco Aurélio, que também é advogado, explicou que os padrões representam a progressão de carreira de acordo com as titulações, especializações, mestrados ou doutorados obtidos. Já os graus são definidos a partir da realização de cursos ou exames, oferecidos pelo próprio Governo da Bahia a cada três anos.

Tabela salarial proposta no PL Nº 24.464/2022, de autoria do Governo do Estado. Imagem: Reprodução/ALBA.

Para o professor, o não reajuste para os educadores que já avançaram na carreira mostra a desvalorização da categoria na Bahia. “Nós entramos na carreira sabendo que ao fazer especialização, mestrado ou prestar um curso, vamos não só nos elevar intelectualmente para nos tornarmos melhores professores, mas também para termos uma compensação financeira que irá nos ajudar a seguir buscando aperfeiçoamento, mas isso não vem acontecendo”.

Na visão de Marco, a desmotivação dos professores é uma das consequências da desvalorização profissional. “Com o salário cada vez mais defasado, o profissional fica sem motivação para buscar o aperfeiçoamento. Ele não vai ter condições financeiras de pagar transporte, comprar livros, porque estudar no Brasil é caro. E quem perde com isso, além do profissional? A sociedade. Porque nós somos professores e professoras da rede pública”, afirmou.

O educador explicou ainda que o PL desconsidera as progressões de carreira porque não mantém o percentual de diferença que deveria existir entre professores iniciantes e aqueles que já alcançaram outras habilitações. “Quando esse plano [de cargos e salários] foi criado, em 2001, havia uma diferença em torno de 15% entre um padrão e outro, o que é justo, já que você vai estudando e se aperfeiçoando. Hoje, se a gente fizer esse cálculo, observamos que a diferença é muito abaixo de 10% ou 5%”.

Para o professor Rui Oliveira, coordenador geral da APLB-BA Sindicato (Associação dos Professores Licenciados do Brasil – Seção da Bahia), o governador da Bahia desrespeita o plano de carreira dos professores. “Nós entramos com um mandado de segurança. Vamos garantir que ele conceda o piso salarial a todos os professores e respeite a nossa tabela salarial, que foi uma conquista dos trabalhadores e trabalhadoras da educação”, afirmou.

Em nota ao Conquista Repórter, enviada via WhatsApp, a Saeb (Secretaria de Administração do Estado da Bahia) afirmou que, com base na tabela de vencimentos proposta no PL, “um professor do grau III do padrão P, por exemplo, passará a receber R$ 3.850,00. Já o vencimento de um professor do grau III-A, padrão P, será definido em R$ 3.903,02”. O órgão disse ainda que as melhorias na remuneração do funcionalismo estadual representam um grande esforço de caixa para o governo baiano, “diante do quadro de dificuldades financeiras enfrentado pela Bahia e outros estados da federação nos últimos anos”.

Confira a nota na íntegra aqui.

Mobilização nacional

Na próxima quarta-feira, 16 de março, acontece em todo o país uma mobilização nacional da educação, convocada pela CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação). Em Vitória da Conquista, o Simmp aderiu ao movimento após decisão aprovada em assembleia geral ordinária realizada no dia 9 de março. A valorização do plano de carreira e o cumprimento do piso do magistério 2022 serão debatidos durante o evento.

A nível estadual, a APLB-BA Sindicato também convocou os educadores a ocupar as ruas nessa data. “Na rede estadual, nós vamos parar as atividades em um dia de luta e mobilização. Vamos discutir a necessidade de garantir o pagamento do piso salarial e outros pontos de pauta”, contou o professor Rui Oliveira, coordenador geral da entidade.

ERRAMOS:

*Após aprovação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 8 de fevereiro de 2022, formou-se um novo partido, a União Brasil, resultante da fusão entre o DEM e o PSL.

Foto de capa: Ascom Simmp.

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