Os problemas que não se resolvem com a inauguração da Estação de Transbordo

Por - 15 de maio de 2021

Obra é aguardada com grandes expectativas pela população de Vitória da Conquista, mas não é solução para todos os problemas de infraestrutura e mobilidade urbana do Centro da cidade, ressalta especialista

Era feriado no dia 21 de abril, mas isso não impediu que os conquistenses Rogério Cordeiro Alves, autônomo, e José Santos de Oliveira, aposentado, saíssem de casa em meio à pandemia da covid-19 para observar o trabalho dos operários na obra da Estação de Transbordo da Avenida Lauro de Freitas, no Centro de Vitória da Conquista. O equipamento, batizado com o nome do ex-prefeito da cidade, Herzem Gusmão, vítima do novo coronavírus, será entregue no próximo dia 2 de junho, data em que ele completaria 73 anos.

Parados numa calçada em frente ao trecho inicial da obra, Rogério e José elogiavam o resultado do trabalho iniciado há cerca de um ano, mas que era prometido desde a gestão do também ex-prefeito, Guilherme Menezes. “É a melhor coisa que já vi aqui em Vitória da Conquista”, dizia José. Rogério ia além: “Isso aqui é uma coisa de primeiro mundo”. 

No mesmo dia, a prefeita Sheila Lemos havia visitado a obra, na companhia dos secretários de Mobilidade Urbana, Diêgo Gomes, e de Infraestrutura, Jackson Yoshiura. Os registros do momento logo foram publicados em um post no perfil da Prefeitura no Instagram, onde constava que a visita tinha como intuito alinhar os últimos ajustes para a entrega da Estação de Transbordo. 

Elogios ao equipamento também não faltavam nos comentários da publicação. “Que lindo, olha o progresso chegando”, dizia um deles. Mas havia quem adotasse um tom mais irônico: “Calma, até 2030 termina”, ou quem, apesar de elogiar, tinha críticas a fazer: “Ficou lindo!! Mas acredito que na hora que chover vai molhar todo mundo, na hora do sol quente vai assar todo mundo lá dentro. Deixa ver, né?!”. 

Reivindicação antiga

A grande expectativa dos conquistenses para a conclusão e inauguração da obra tem bons motivos, pois se trata de uma reivindicação antiga da população. O terminal urbano da Avenida Lauro de Freitas é ponto de embarque e desembarque de usuários do sistema municipal de transporte coletivo desde a década de 1970, quando o contingente populacional de Conquista era de 125,5 mil habitantes, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Ponto de embarque de passageiros abaixo da Avenida Lauro de Freitas.

Daquela década pra cá, esse número quase triplicou. Atualmente, 341 mil pessoas vivem no município. A quantidade de usuários que pegavam ônibus na cidade por mês, antes da pandemia da covid-19, chegava a um milhão e meio, em média, segundo a Prefeitura. A crise do transporte público, que teve seu ápice em 2018, foi um reflexo da sobrecarga do sistema. 

Mas os problemas de mobilidade urbana decorrentes do grande fluxo de pessoas no Centro da cidade, como o congestionamento do trânsito, incomodavam a população desde os anos 2000 e se tornaram motivos de ainda mais reclamações a partir de 2010. Para alguns conquistenses, a permanência de um terminal de ônibus na Avenida Lauro de Freitas só prejudicava a circulação de pedestres e veículos. 

Queixas com relação à estrutura e à segurança oferecida pelo equipamento também passaram a ser recorrentes. A mudança do terminal para outro local chegou a ser apontada como solução, mas foi a ideia de reformá-lo que prevaleceu, após uma sugestão feita pelo Instituto Rua Viva, responsável pelo processo licitatório para empresas de ônibus realizado entre 2011 e 2013 na cidade. 

Em uma rápida pesquisa na internet, é possível encontrar uma matéria da Revista Gambiarra publicada em novembro de 2014, na qual o então secretário de mobilidade urbana de Vitória da Conquista, Luis Alberto Sellman, afirmava que a reforma do terminal já estava sendo encaminhada e que o projeto estava sendo desenvolvido pela equipe de engenharia da Prefeitura. 

O orçamento previsto para a obra, naquele ano, era entre 1,5 e 2 milhões de reais e os recursos seriam obtidos através do programa PAC 2 – Mobilidade Urbana em Médias Cidades, com financiamento da Caixa Econômica Federal. Entretanto, a gestão do ex-prefeito Guilherme Menezes chegou ao fim, em dezembro de 2016, e, apesar do projeto ter sido elaborado e aprovado, em um primeiro momento, na gestão seguinte, já com um novo valor estipulado (R$ 5 milhões), tudo ainda estava longe de sair do papel. 

A primeira versão do projeto de reforma do Terminal da Lauro de Freitas chegou a ser apresentado pela gestão Herzem publicamente, no início de 2017

“Terminal é coisa do passado” 

Quando assumiu a Prefeitura, bem como no período de campanha eleitoral, Herzem Gusmão anunciou que a reforma seria uma das grandes obras do seu mandato. Depois de aprovar o projeto elaborado na gestão anterior, ainda em janeiro de 2017, ele chegou a autorizar a abertura do processo licitatório para a obra, mas depois voltou atrás na decisão.

A justificativa apresentada à imprensa, entretanto, não ficou clara. Em entrevista a um programa de rádio da Melodia FM, já em abril de 2018, ele afirmou que desistiu do primeiro projeto porque seu antecessor, Guilherme Menezes, havia feito uma alteração junto à Caixa para que o terminal que já existia fosse reformado, mas sem mudar a logística e o trânsito no local.

Diêgo Gomes, Secretário municipal de mobilidade urbana

Segundo o ex-secretário de mobilidade urbana de Vitória da Conquista, Diêgo Gomes, era um projeto que não correspondia ao que a Prefeitura imaginava em termos de modernidade e de fluidez para um local de embarque e desembarque de passageiros na Avenida Lauro de Freitas. “Então, a partir disso aí, a gente teve que repensar o projeto, tanto que na versão anterior, era permitida a passagem de veículos dos dois lados da Estação e agora não é mais”, ressaltou.

Demorou quase dois anos para que um novo projeto, que viria a ser financiado com recursos provenientes do Finisa II (Financiamento à Infraestrutura e ao Saneamento), fosse apresentado à comunidade. A Prefeitura o tornou público no fim de janeiro de 2020, dois meses depois da Câmara Municipal de Vereadores ter aprovado o empréstimo de R$60 milhões junto à Caixa Econômica Federal

Desse total, o Poder Executivo informou que R$7 milhões seriam destinados à reforma do Terminal de Ônibus Lauro de Freitas, que naquele momento já era tratado como Estação de Transbordo. “Terminal é coisa do passado”, dizia a campanha de divulgação do novo projeto feita pela Secretaria Municipal de Comunicação. 

A licitação para execução da obra foi vencida pela empresa PJ Construções e Terraplanagem LTDA, que assinou um contrato de 18 meses com a Prefeitura em 13 de abril de 2020 e deu início aos trabalhos 15 dias depois, em 29 de abril. Desde então, algumas previsões de entrega foram anunciadas pela atual gestão e pelo ex-prefeito, que chegou a dizer que a obra estaria pronta até o fim de 2020. Mas só um ano após o início da reforma, o equipamento está realmente prestes a ser inaugurado. 

Versão do projeto de reforma do Terminal que foi executado, a partir de abril de 2020, pela Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista

O que mudou

Uma estação de transbordo funciona como um ponto de ônibus comum, apesar da sua estrutura ser similar a de um terminal. Isso significa que o tráfego de coletivos no espaço ocorrerá apenas para o embarque e desembarque de passageiros, pois os veículos do sistema de transporte público não poderão ficar estacionados no local. 

Artur Veiga é professor do curso de Geografia da UESB e doutor em Arquitetura e Urbanismo

Segundo Artur José Pires Veiga, professor do curso de Geografia da UESB e doutor em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), o fato da obra ter saído da posição de um terminal de ônibus para se tornar uma estação de transbordo é positivo e trará melhorias para o fluxo de trânsito no local e para o tráfego de pedestres.

“O aumento no fluxo de carros vai ocorrer na Rua Francisco Santos, o que é natural, já que outros veículos que não sejam ônibus serão desviados para essa e outras ruas do entorno”, destacou. De acordo com a Prefeitura, a alteração no trânsito será pequena: o trecho que vai da Praça Vitor Brito no sentido da Avenida Régis Pacheco será exclusivo para ônibus, enquanto que o sentido contrário (Avenida Régis Pacheco – Praça Vitor Brito) continuará com a circulação regular.

Velhos e novos problemas

Mas apesar dos pontos positivos da obra, o professor Artur ressalta que os ônibus do sistema municipal de transporte coletivo precisarão parar efetivamente em algum momento, seja para ocasiões como a troca de cobrador ou motorista, seja para cumprir a tabela de horários de circulação. Porém, não há outros terminais ou espaços como a Estação de Transbordo na cidade. 

“Pelo que eu observo, é comum alguns ônibus ficarem estacionados por um tempo dentro da UESB, por exemplo, como se a universidade fosse realmente um terminal, onde os veículos permanecem até dar o horário de saída. Já nos fins de semana, alguns ficam parados nas proximidades da UFBA e do CEMAE, na Avenida Olívia Flores. Esses locais não são e nem devem ser encarados como terminais, então, isso precisa ser resolvido”, afirmou. 

Para o geógrafo, o atual projeto que foi pensado e executado pela Prefeitura ainda converge para um mesmo ponto. Ou seja, a tendência dos veículos e meios de transporte coletivo que circulam na cidade é sempre ir em direção ao Centro ou passar por essa região, o que segundo Artur, pode prejudicar bastante a mobilidade urbana no futuro, se a taxa de crescimento demográfico registrada em Vitória da Conquista nas últimas décadas se mantiver a mesma. De acordo com os cálculos do professor, a população do município tende a crescer em torno de 50% a cada novo censo. O último era para ter sido feito em 2020, mas foi adiado. 

“Se ele tivesse ocorrido, e se a taxa de crescimento se mantivesse a mesma do último que foi feito, em 2010, o número de habitantes de Conquista iria aumentar para cerca de 450 mil. E se a gente aplicar esse percentual de 50% de crescimento a cada novo censo que vier a ser feito, em 30 anos, a população vai chegar a 1,5 milhão de pessoas. Daí a minha pergunta é como vai ficar esse fluxo de pessoas e carros nesse modelo concêntrico que caracteriza a mobilidade urbana na cidade. É por isso que a obra que está prestes a ser entregue tem suas limitações, se considerarmos essas perspectivas futuras”, explicou.

O professor acredita que a Prefeitura deveria planejar e implementar um projeto com pelo menos quatro ou cinco terminais distribuídos pela cidade, principalmente nas zonas que são vetores de crescimento. “Poderia ser planejado até mesmo a construção de um terminal na região da Lagoa das Flores, que é uma área bastante distante do centro da cidade e com grande concentração de habitantes”, acrescentou.

Para o ex-secretário de mobilidade urbana, Diego Gomes, esse é um grande desafio da atual gestão. Ele diz que outras pessoas, além do professor Artur, já começaram a discutir se não seria viável a construção de um terminal na zona oeste da cidade, mas ressalta que tudo deve ser feito com bastante cautela. 

“A partir da inauguração da Estação de Transbordo, vamos começar a pensar melhor essa questão, considerando, claro, os estudos que a gente vem fazendo”, disse. Artur alertou que se todo esse planejamento urbano não for feito e executado, de fato, em pouco tempo, os equipamentos que existem atualmente, desde avenidas e a própria Estação de Transbordo, não irão suportar o fluxo de pessoas e de transporte que a cidade irá ter nos próximos anos. 

Como fica a drenagem

Outro problema que não será sanado por completo com a inauguração da Estação de Transbordo é o alagamento que ocorre na Avenida Lauro de Freitas durante chuvas de grande intensidade. Segundo Diego Gomes, as obras de drenagem que foram feitas no Centro no último ano, em especial na Travessa dos Artistas, farão com que o nível da água apenas diminua em dias chuvosos, ficando abaixo do meio-fio. “A gente buscou melhorar o máximo possível. A expectativa hoje é que a gente tenha no máximo vinte centímetros de água na região da Estação”, detalhou.

O professor Arthur explicou que os alagamentos irão continuar a acontecer porque o grande volume de água que atinge a Avenida Lauro de Freitas em dias chuvosos não é proveniente somente desses locais. “Existem outros fluxos de água que circulam na cidade. Vitória da Conquista cresceu na encosta da Serra do Periperi e, além disso, tem um formato de bacia. Então, toda a chuva que cai sob a costa da Serra desce para as áreas centrais da cidade e as ruas acabam funcionando como se fossem grandes calhas. Portanto, o que está sendo feito na cidade em termos de drenagem ainda é muito pouco”.

De acordo com o geógrafo, a construção de um sistema de drenagem mais eficiente para a cidade, sobretudo para a região do Centro, era inclusive uma necessidade prevista no último Plano Diretor Urbano (PDU) do município, que foi tema de sua tese de doutorado. Só que ele ressaltou que se trata de uma obra muito cara, o que também foi dito pelo secretário de mobilidade urbana. 

“Para resolver o problema daquele trecho específico [da Lauro de Freitas], a gente observou que as obras de drenagem não iriam custar menos do que R$30 milhões aos cofres do município. Isso porque a gente tem que começar a trabalhar da Serra. Mas a gente já preparou um projeto voltado para essa questão e, nos próximos meses, deveremos licitá-lo, que é o canal de macrodrenagem do bairro Santa Cecília. Ele vai se iniciar no Panorama, passar pelo Alto Maron e descer pela Rua Dez de Novembro para parar, então, lá no Rio Verruga”, relatou Diego. 

Como ficam os camelôs

Problemas relacionados exclusivamente à infraestrutura e mobilidade urbana não são os únicos que cercam a obra da Estação de Transbordo. Os camelôs, comerciantes autônomos que atuam na Avenida Lauro de Freitas, têm reivindicado espaço no local para que continuem trabalhando, algo que não foi previsto no projeto original da obra. 

Alguns deles comercializam produtos na Lauro de Freitas há 40 anos. O que mais temem é serem transferidos para um local que prejudique suas vendas. Desde abril deste ano, a categoria já realizou três protestos para tentar impedir de serem removidos do local. O último deles aconteceu no dia 12 deste mês

Em entrevista à rádio UP FM, no dia 30 de abril, a prefeita Sheila Lemos (DEM) reiterou que os camelôs não poderão permanecer trabalhando na Estação e deverão ser, de fato, realocados para outro espaço no Centro da cidade. Segundo ela, a Estação de Transbordo foi projetada para possibilitar mais conforto e segurança para a circulação de pessoas, e as barracas e mercadorias obstruem as calçadas e dificultam a mobilidade dos pedestres, sobretudo aqueles com alguma dificuldade de locomoção. O argumento da gestora parte do novo lema de seu governo: “cidade para pessoas”.

Camelôs protestam contra retirada das barracas da Avenida Lauro de Freitas

No protesto do dia 12, os camelôs questionaram para quem se direciona esse lema. “O que somos? Basta de eugenia social e deixa o camelô trabalhar”, dizia uma das faixas utilizadas pela categoria na manifestação. Segundo o presidente do Sindicato dos Camelôs, Roberto Carlos Barbosa, o governo municipal quer varrê-los do Centro da cidade, como se fossem sujeira. Além disso, ele destacou que em nenhum momento a Prefeitura ouviu os trabalhadores, os excluindo das discussões em torno da obra. 

“É importante salientar que nós camelôs somos da população de Vitória da Conquista, nós somos as pessoas, nós somos o povo, somos os trabalhadores que acordam cedo para pagar nossos aluguéis, para pagar as nossas dívidas”, destacou. A questão segue indefinida, se somando aos problemas e desafios que a atual gestão do Poder Executivo ainda precisará resolver.

*Matéria atualizada em 26/05/2020, às 15h59, após notícia da saída de Diego Gomes da Secretaria de Mobilidade Urbana.

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