Nem hippie nem andarilho: um “maluco de estrada” que virou artesão

Por - 15 de maio de 2021

Com a mochila nas costas, Aloisio carrega consigo apenas o necessário para viver: uma barraca, um colchonete, cobertores, roupas e o material para confeccionar seus produtos

Era quase 11h de uma quarta-feira quando encontrei Aloisio Braga na Praça 9 de Novembro, no Centro de Vitória da Conquista. Quando me aproximei, ele finalizava a confecção de um colar. O homem, de 39 anos, usava uma camisa polo azul, uma bermuda bege e tinha duas correntes em volta do pescoço. Havia chegado na cidade há pouco tempo. Horas antes, estava em Poções, passando um tempo na casa do pai. Apesar de ter familiares no Sudoeste baiano, viveu parte de sua vida em São Paulo.

O seu registro de nascimento diz que ele é paulista, mas aos seis meses de vida, foi enviado para morar na casa da avó, em Poções. Sua mãe não tinha condições financeiras de cuidar dele. Era jovem, não tinha emprego e nem casa. Então, ela achou que viver sob os cuidados da avó Judite era o melhor para o menino. E, segundo Aloisio, essa foi a decisão certa. Na convivência com a matriarca da família, ele era tratado muito bem. “Eu era o bebê da casa. Chamava ela de mãe e meu avô de pai. Mas aí tive que voltar para São Paulo”, contou.

Quando completou seis anos de idade, a mãe decidiu que o queria de volta. Ela havia conseguido um emprego, tinha uma casa em construção e agora podia oferecer uma vida digna para o filho. Mas a mudança não agradou o menino. “Eu comecei a limpar a casa que nem um doido. E não reclamo do trabalho, só que tinha hora que eu escutava uns nomes pesados. Ela me chamava de ‘umas paradas’ pesada mesmo. Tinha hora que ela fazia umas crueldades comigo. Aí mano, eu ‘catei’. Eu falei: não aguento isso não.”

Foi com 12 anos que Aloiso fugiu da casa da mãe e do padrasto pela primeira vez. Nessa época, a avó dele, a mesma que o criou até os seis anos, tinha se mudado para São Paulo. E foi justamente com Judite que o menino encontrou abrigo após a fuga. “Eu passei a noite lá. Quando foi de manhãzinha, minha mãe e meu padrasto chegaram para me buscar. Minha mãe era bruta mesmo, violenta. No meio do caminho eu já fui apanhando.”

De volta à casa da mãe, Aloisio ouviu do padrasto: “perdi meu trabalho hoje por causa de você. Tive que ir te buscar uma hora dessa. Se amanhã eu souber que você saiu daqui para dar fuga, eu não vou mais atrás de você. E nem sua mãe.” Depois dessa conversa, ele decidiu sair de vez daquele ambiente. No dia seguinte, antes do padrasto acordar, às 5h da manhã, o menino pulou o muro de casa e foi novamente procurar conforto com a avó.

Ele permaneceu com Judite até que um dos filhos dela não quis mais a presença de Aloisio na casa. “Um dia, o meu tio disse: aqui em casa ele não vai ficar. Aí eu ‘catei’, entrei no ônibus e fui parar em Santo Amaro”. A partir desse momento, ele começou a viver como “um maluco de estrada”. É assim que ele se autodenominou durante a nossa conversa. E foi em Santo Amaro, distrito localizado na zona centro-sul da cidade de São Paulo, que ele aprendeu a trabalhar com artesanato, após conhecer um outro rapaz chamado Serginho, que se tornou seu “mestre” e amigo.

“Eu até digo que foi coisa de Deus. Foi o Serginho quem me ensinou a base do artesanato. Eu era moleque de rua, ‘pô’. Eu não tinha mais o que fazer”, ele me contou e, na mesma hora, se emocionou ao lembrar de quando tudo começou. “Caraca, chorei. Essa parte aí me emociona. É a minha história”.

Serginho também era jovem na época em que foi o “mestre” de Aloisio, que estava com 14 anos e vivia nas ruas. “Eu dormia por aí. E estava difícil arrumar dinheiro. Aí eu me interessei pelo que o Serginho me mostrou e comecei a fazer os artesanatos, ‘cara’. E até hoje consigo me virar com isso aí”, explicou. Além de colares, Aloiso confecciona anéis, pulseiras e brincos. Mas o que ele mais gosta de fazer é usar folha de coco para construir utensílios e peças com formato de animais para decoração.  

Segundo o artesão, o melhor lugar da região para encontrar a matéria-prima é Anagé. A partir da folha de coco, ele já criou uma tartaruga, uma fruteira, uma cartola, um cachepot para o cultivo de orquídeas e até um peixe-espada. Essa última invenção é um dos seus grandes orgulhos. “Esse daqui foi feito por encomenda. É um peixe gigante, maior do que eu”, disse enquanto me mostrava a foto de sua obra através do celular.

Além da arte que garante o seu sustento, Aloisio gosta muito de conhecer novos lugares e, por isso, vive andando por aí apenas com uma mochila nas costas. Dentro dela, ele carrega uma barraca de camping, um colchonete, dois cobertores, algumas roupas, uma caixinha de som e o material necessário para confeccionar seus produtos: um rolo de arame, um alicate, uma lixa e uma faca de cozinha. 

Outro item importante na sua bagagem é o livro “A Genética do Poder: Descubra a Origem de Sua Força Pessoal e Prospere nos Negócios”, da autora Maggie Craddock. “É para me ajudar a vender”, me explicou, quando perguntei sobre a leitura. Aloisio me contou que gosta de ler, apesar de só ter frequentado a escola até a 4ª série do ensino fundamental. “É bom estudar e se formar, fazer uma faculdade. Mas tem muita mentira na escola. A primeira é quando abrem o livro de história e dizem que o Brasil foi descoberto.”

Naquela quarta-feira, fazia quase três meses que Aloisio estava na Bahia. Ele me contou que pensa em fincar raízes no estado. “Vou devagarinho, andando de uma cidade para outra, fazendo a sobrevivência”, explicou. Mas o motivo maior que o faz querer permanecer na região é a possibilidade de estar mais perto do pai. “Eu não sou filho de chocadeira, né. Tenho a minha história, mas também não tenho raiva da minha mãe. Eu só acho que a gente não precisa de muito. O que vale é o que tem no coração, não no bolso. Viver na simplicidade é bom.”

*’Histórias à margem’ é uma série especial do Conquista Repórter que tem como objetivo dar visibilidade a personagens do cotidiano de Vitória da Conquista marginalizadas pela mídia tradicional e pela sociedade.

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Uma resposta para “Nem hippie nem andarilho: um “maluco de estrada” que virou artesão”

  1. Paulo reis disse:

    Parabéns pela matéria

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