Kairan Rocha: “A Prefeitura e o Comitê Gestor de Crise sempre estiveram dispostos a ouvir críticas e reavaliar suas ações”

Por - 15 de maio de 2021

Para o coordenador do Comitê para enfrentamento da pandemia em Conquista, o toque de recolher e o lockdown implementados pelo Governo da Bahia não trouxeram repercussões positivas para o município

Advogado e Secretário de Administração na Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista, Kairan Rocha Figueiredo faz parte da gestão Herzem Gusmão desde agosto de 2018. Em março de 2020, ele assumiu a posição de coordenador do Comitê Gestor de Crise (CGC) para enfrentamento da covid-19 no município, grupo criado no dia 20 daquele mês. Durante esse mesmo período, o Governo da Bahia decretou situação de emergência no estado e, em Conquista, nenhum caso da doença havia sido identificado oficialmente, apesar das denúncias de subnotificação por falta de testes na cidade. Naquele 20 de março de 2020, cinco membros foram nomeados para integrar o CGC. Mais de um ano após a formação do Comitê, Kairan é o único que permanece na equipe desde a formação inicial. Em entrevista ao Conquista Repórter, ele avaliou o trabalho do CGC durante um ano de pandemia, criticou o toque de recolher implementado pelo Governo da Bahia e defendeu o escalonamento das atividades econômicas como forma de controlar a disseminação da covid-19 em Conquista. O secretário também conversou com a equipe do CR sobre a possibilidade de volta às aulas e a exclusão das linhas sociais do novo edital de licitação para o transporte coletivo urbano. Confira:

CR: Desde que a prefeita Sheila Lemos assumiu o executivo municipal, houveram muitas mudanças nas secretarias da Prefeitura de Conquista. Nessa nova composição, quem integra o Comitê Gestor de Crise para enfrentamento da covid-19, além do senhor?

Kairan Rocha: Além de mim, o Comitê Gestor de Crise é formado por Luís Paulo Sousa, Secretário de Serviços Públicos, pelo Tenente Coronel Antônio Roberto Braga, Comandante da Guarda Municipal, por Lucas Dias, Chefe de Gabinete Civil, e pela Secretária de Saúde, Ramona Cerqueira.

CR: Durante entrevistas anteriores, o senhor já se referiu muito a um núcleo de bioestatística, que seria responsável por realizar estudos técnicos sobre a situação da pandemia no município. Nas redes sociais, os(as) conquistenses questionam porque os resultados desses estudos não são divulgados para a população. Por que os dados não estão disponíveis no site da Prefeitura?

Kairan Rocha: Nós compartilhamos os dados bioestatísticos com o Comitê de Representação Civil e Institucional, que inclui representantes do Ministério Público, da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), da Câmara de Vereadores (bancadas de situação e de oposição), do Sindhsudoeste, que é o sindicato dos hospitais da região, do CREMEB (Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia), das escolas privadas e da associação de bares e restaurantes de Conquista. Eu e a Secretária de Saúde, Ramona, apresentamos relatórios com referências bibliográficas e de pesquisa para os membros desse Comitê. Essa foi a maneira que encontramos para divulgar os dados dentro da sociedade civil organizada. Os relatórios contém gráficos que mostram o ritmo de transmissão do vírus, o número de óbitos, e tudo isso requer uma explicação. E é por esse motivo que, no primeiro momento, preferimos não expor os dados puros, uma vez que isso poderia abrir espaço para interpretações diversas. Mas estamos atentos a essa sugestão de disponibilizar as informações no site da Prefeitura. Eu me comprometo a conversar com a prefeita para que a população tenha acesso a esses dados de forma didática e menos complexa.

CR: O senhor já afirmou diversas vezes que o lockdown e o toque de recolher não são efetivos no combate à covid-19 no município. Mas especialistas em todo o país defendem que o lockdown é a forma mais eficaz de evitar mortes e o colapso do sistema de saúde. Por que essas medidas não funcionam em Conquista?

Kairan Rocha: Nós acreditamos que o lockdown e o toque de recolher, da forma como foram implementados pelo Governo do Estado, não funcionam. O que nós questionamos ao governador, sempre de forma muito cortês, é que as medidas, principalmente em um estado como a Bahia, que tem o tamanho de um país, não poderiam ser uniformes e deveriam levar em consideração as realidades de cada município. Por exemplo, Conquista é uma cidade que possui transporte público. Então, se você estabelece um toque de recolher às 18h, isso causa mais aglomerações nos locais de convergência, como é o caso dos pontos de ônibus. No nosso entendimento, colocar todo mundo para entrar e sair dos seus postos de trabalho no mesmo horário gera um caos. Estabelecer o toque de recolher às 20h também não funciona. O que nós percebemos foram aglomerações nos supermercados, já que eles fechavam às 19h e as pessoas saíam do trabalho às 18h. Outra medida que nós questionamos foi o lockdown nos finais de semana, com a proibição da venda de bebidas alcoólicas nos supermercados. Isso gerou aglomerações na véspera, na sexta-feira, segundo relatos dos próprios comerciantes. Por isso, a nossa proposta é fazer um escalonamento das atividades. 

CR: O que mostram os dados dos estudos técnicos sobre a efetividade do toque de recolher e do lockdown em Vitória da Conquista?

Kairan Rocha: Na última semana epidemiológica de fevereiro, encerrada no dia 27, nós tínhamos uma média de 29 pacientes conquistenses internados nos leitos clínicos ou de UTI. E nesta segunda-feira, 12 de abril (data do último boletim divulgado antes da realização da entrevista), nós identificamos 47 pacientes de Conquista hospitalizados, chegando a atingir um pico de 52 pessoas internadas em uma das semanas de março. Hoje, nós temos uma média muito maior (uma média de 40.2) de pacientes de Conquista internados do que em fevereiro, período em que essas medidas foram implementadas. Esses números mostram o que a gente já esperava, principalmente sobre o toque de recolher às 18h. Essas medidas não trouxeram repercussões positivas para Conquista. É óbvio que nós acreditamos em todas as medidas de proteção, na higienização dos ambientes, na utilização da máscara, na importância da vacina, mas não adianta manter a população em casa no final de semana e depois permitir que o trabalhador se aglomere às 18h para voltar para casa. Por isso, nós compreendemos que as atividades podem funcionar de forma escalonada, seguindo os protocolos específicos e sem gerar aglomerações.

CR: Por que o senhor especifica o número de pacientes conquistenses hospitalizados? Não existem pessoas de municípios vizinhos internadas em Conquista? 

Kairan Rocha: Sim, nós temos uma média de ocupação maior de pacientes de outros municípios porque Conquista é referência em saúde na região Sudoeste. Mas nós temos autonomia para regulamentar o funcionamento das atividades locais e, por isso, precisamos levar em consideração, principalmente, os números do município. Esse dado de 29 conquistenses internados e, depois, 47 hospitalizações, são de pacientes conquistenses que estão ocupando leitos na cidade. E essa estatística mostrou que as medidas implementadas pelo Governo do Estado não trouxeram a efetividade esperada. O que nós entendemos durante essa pandemia é que os dados seguem um ciclo. Uma medida como o toque de recolher ou o lockdown deve diminuir o ritmo de transmissão, depois reduzir o número de infectados, minimizar o percentual de internações, e, por último, diminuir o número de óbitos. E nós não alcançamos esses resultados aqui em Vitória da Conquista.

CR: Desde o início da pandemia, ainda com a gestão do prefeito Herzem Gusmão, houveram muitas discordâncias entre a Prefeitura e o Governo do Estado em relação ao gerenciamento da crise sanitária. Como o senhor acredita que isso afeta ou não os resultados das ações de enfrentamento a covid-19 no município?

Kairan Rocha: As nossas decisões nunca foram pautadas por questões políticas. Nós sempre buscamos apresentar dados técnicos. E é por esse motivo que os números de Vitória da Conquista são muito positivos em comparação aos de outros municípios da Bahia e do Brasil. Nós estamos entre as 10 cidades que mais salvaram vidas, ou seja, com o menor número de óbitos no país. Se você fizer uma comparação rápida com um município como Itabuna, próximo de Conquista e de menor porte, você vai perceber que lá existem quase cem óbitos a mais. Então, eu acredito que não houve prejuízo, muito pelo contrário, os números de Vitória da Conquista já nos mostram que a gestão da pandemia feita pelo governo municipal trouxe bons resultados. 

CR: Como a Prefeitura, junto à Secretaria de Saúde do município, se posiciona em relação ao “kit covid”, o famoso tratamento precoce contra a covid-19?

Kairan Rocha: Nós sabemos que existem aqueles que defendem o tratamento precoce e os que criticam. E o que nós fazemos em Vitória da Conquista, desde o ano passado, é respeitar a liberdade médica e a liberdade do paciente em querer ou não utilizar esses medicamentos. No Centro Covid, nós temos as medicações disponíveis para a população, mas o munícipe só pode solicitar o uso dos remédios caso apresente o resultado positivo do teste para covid-19 e a receita médica, seja prescrita por um profissional da rede particular ou de uma unidade básica de saúde do município. Se o médico entende que esse não é um tratamento adequado, a Secretaria de Saúde ou qualquer outro ente do governo municipal não vai obrigar o profissional a prescrever esses medicamentos. 

CR: Nas redes sociais, e também nas ruas, existem muitas críticas à atuação do Comitê Gestor de Crise no combate à pandemia no município. Como o senhor avalia o trabalho da equipe em mais de um ano de crise sanitária?

Kairan Rocha: As críticas sempre existirão e, quando construtivas, elas são ótimas. E é por isso que decidimos formar o Comitê de Representação Civil e Institucional. Nós nunca chegamos nas reuniões para impor nenhum tipo de ideia. O que a gente faz é explicar os dados, apresentar propostas e abrir espaço para as opiniões. A Prefeitura e o Comitê Gestor de Crise sempre estiveram dispostos a ouvir críticas e reavaliar suas ações. Então, eu avalio que o Comitê vem trabalhando bem durante esse um ano de existência. É uma atividade árdua. Assim como todo mundo, nós torcemos para que essa pandemia acabe. Temos uma luz no fim do túnel, que é a campanha de vacinação. Mas no final das contas, quando a gente vai buscar o extrato de todas as nossas ações, temos um número de óbitos menor do que muitos outros municípios e uma cidade que nunca teve 100% de ocupação dos leitos clínicos ou de UTI. Acredito que o Comitê de Crise, as equipes de saúde e de assistência social, e todos os outros setores do município têm trabalhado muito bem, levando em consideração os números da pandemia em Conquista.

CR: Em audiência pública na Câmara de Vereadores, o ex-Secretário de Educação, Esmeraldino Correia, afirmou que a Prefeitura já possui um plano de execução para a volta às aulas na rede municipal. É possível retomar as aulas garantindo a segurança de alunos, professores e demais funcionários que fazem uma escola funcionar?

Kairan Rocha: Naquela audiência, estávamos vivendo um momento diferente da pandemia. Nós tínhamos em mente um possível controle da covid-19 no município, depois alcançamos um número de hospitalizações maior com a segunda onda, onde pessoas mais jovens começaram a ser acometidas. Mas qual é o papel da Prefeitura? Nós precisamos ter um planejamento preparado para quando for possível retomar as aulas. Temos consciência da importância do retorno dessas atividades, ainda que seja de forma híbrida. Mas é uma ação que exige muito cuidado. A Secretária de Saúde me informou essa semana que o protocolo sanitário para a reabertura das escolas foi concluído. O nosso próximo passo é bater o martelo com a Secretaria de Educação para, assim, apresentar esse protocolo para as instituições de controle, como o Ministério Público e a Justiça de Conquista. Nós temos uma proposta de ensino híbrido, de retomada das séries de forma escalonada. É dessa maneira que estamos trabalhando para que, no momento correto, a gente possa retornar às atividades escolares.

CR: O plano de retorno às aulas já elaborado pela Prefeitura inclui medidas específicas para os alunos e professores da zona rural, considerando a dificuldade de acesso à internet e aparelhos eletrônicos, por exemplo? 

Kairan Rocha: Infelizmente, em um município como Conquista, com uma zona rural tão grande, nós não vamos conseguir garantir acesso à internet em todos os locais. Temos um remédio mais imediato, no modelo de ensino híbrido, que é a entrega das atividades escolares através de uma folha impressa fornecida pelo próprio município nos dias em que o aluno irá estudar em casa. Mas estamos à procura de outras ferramentas para nos auxiliar na retomada das aulas. Um exemplo são os pacotes de dados com cobrança reversa, em que o pai ou mãe acessa a plataforma de ensino pelo celular e a Prefeitura custeia aquela internet móvel. Essa é uma das alternativas que a gente tem estudado para pôr em prática no município e tentar atingir o máximo do alunado de Vitória da Conquista. 

CR: Em março deste ano, a Prefeitura publicou um edital de licitação para a contratação de empresas de ônibus que vão operar o sistema de transporte coletivo urbano na cidade. Mas esse novo edital deixou de fora algumas linhas, como Guarani, Cruzeiro, Conveima e outros cinco bairros, além do distrito do Pradoso. Por que essas linhas foram excluídas e como fica a locomoção dos moradores desses bairros que necessitam do transporte público?

Kairan Rocha: Na verdade, quando o prefeito Herzem assumiu a Prefeitura, em 2017, nós já encontramos um transporte público em crise. Além disso, atualmente, essa é uma atividade que não se sustenta em nenhum lugar do país. O cenário da pandemia enfraqueceu ainda mais esse setor, que já sofria os impactos dos aplicativos de transporte. Apesar disso tudo, o poder público tem a obrigação de fornecer esse serviço, mas, ao mesmo tempo, ele se tornou uma atividade complexa para a iniciativa privada executar sem que haja um apoio por parte do governo municipal. Ao propor esse novo edital, nós buscamos um equilíbrio econômico. Nós queremos que as empresas prestem o serviço, sem que a gente precise aumentar a tarifa da passagem e sem que a Prefeitura precise subsidiar com valores altos o custo da operação. Essas linhas que foram retiradas são aquelas que a gente chama de linhas sociais. Elas não dão lucro para a iniciativa privada. E, consequentemente, a retirada dessas linhas faz com que as empresas que entrem nessa concessão possam visualizar com mais bons olhos a nossa proposta. Isso aumenta as chances da empresa fechar contrato com a administração pública. O que nós propomos para atender os moradores desses bairros é ofertar as linhas no transporte alternativo. Hoje, esse tipo de transporte é oferecido pelas vans, mas elas não são regulamentadas pelo município. Então, o que nós queremos fazer é disponibilizar micro-ônibus, que serão veículos regulamentados, equipados com catraca, com opção de pagamento por vale transporte e que vão passar por todo o processo de higienização e fiscalização.

CR: Quais são as perspectivas para a gestão da prefeita Sheila Lemos que deixou de ser vice para assumir a cadeira principal do executivo de Vitória da Conquista?

Kairan Rocha: Infelizmente, nós sofremos com a perda do prefeito Herzem Gusmão de forma prematura, mas tanto ele quanto a prefeita Sheila Lemos foram eleitos pela população de Vitória da Conquista. Ela está de forma muito legítima na cadeira que ocupa hoje. Nós já podemos ver obras sendo realizadas no mesmo ritmo de antes, o Terminal Lauro de Freitas está prestes a inaugurar, as reformas de estruturação dos bairros continuam a todo vapor. Esse é um governo de continuidade e os conquistenses podem ter certeza de que nós vamos executar o projeto que elegeu Herzem e Sheila.

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