“A uniformização do pensamento é um retrocesso para a história da humanidade”, explica pesquisador de Educação no centenário de Paulo Freire
Por Victória Lôbo - 18 de setembro de 2021
Este domingo, 19, marca o centenário do educador e filósofo Paulo Freire; Coordenador do programa de pós graduação em Educação da Uesb discorre acerca de questões polêmicas envolvendo filósofo e fala sobre educação libertadora freireana
Professor e coordenador do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), Cláudio Nunes teve contato com as teorias do educador e filósofo, Paulo Freire, quando cursava Magistério. Considerado patrono da educação brasileira, o pensador pernambucano completaria 100 anos neste domingo, 19.
Freire deixou grandes contribuições para a pedagogia crítica e defendeu, por meio de seu trabalho e de suas obras, a educação como meio de transformação social e de luta contra opressões.
Em entrevista ao Conquista Repórter, Nunes, como especialista em Educação, falou sobre as teorias, a importância e o legado de Paulo Freire. Ele destacou os motivos pelos quais as teorias do filósofo são rejeitadas e criminalizadas por movimentos conservadores e de extrema direita. Além disso, explicou porque a militarização do ensino representa um retrocesso.
CR: Qual o impacto das obras e das teorias desenvolvidas por Paulo Freire para a educação?
Cláudio Nunes: A contribuição das obras de Paulo Freire para a educação é muito ampla, no que se refere à abrangência geográfica nacional e internacional e também no que diz respeito à importância para os distintos grupos populacionais. Entretanto, convém destacar o compromisso de Freire com o fortalecimento das pessoas, por meio da escolarização e da formação, com o objetivo de alcançar o conhecimento necessário para a construção de práticas de liberdade.
CR: A direita/extrema direita brasileira costuma tentar criminalizar as obras de Paulo Freire e perseguir aqueles que seguem suas teorias e metodologias. Na sua opinião, por que isso acontece?
Cláudio Nunes: Em Freire encontramos o destaque de que a educação é a base para que as pessoas consideradas por ele oprimidas não se submetam a condições de exploração e de discriminação de qualquer natureza. A direita/extrema direita são contrárias aos princípios freireanos da educação como prática de liberdade exatamente porque o conhecimento possibilita às pessoas construírem suas práticas sociais desvinculadas de quaisquer princípios de submissão e de opressão.
CR: De acordo com Paulo Freire, a educação deve ser utilizada como caminho para a liberdade. Como isso pode acontecer na prática?
Cláudio Nunes: Para Freire, a educação é o instrumento primeiro para a construção de práticas de liberdade das pessoas em relação aos processos de opressão de um ser humano contra outros humanos, uma vez que a filosofia freireana advoga que, quanto mais uma pessoa é detentora de conhecimentos, mais fortalecida, qualificada e preparada estará para lutar pela liberdade própria e dos outros.
CR: Como a educação libertadora pode ser utilizada como instrumento de consciência social e luta de classe?
Cláudio Nunes: A compreensão de que o conhecimento liberta as pessoas se pauta no princípio de que quanto mais consciente de sua realidade e de sua condição no mundo, mais qualificada a pessoa se torna para buscar a liberdade das situações de opressão. A longo da história da humanidade, a opressão sempre foi de interesse de grupos pertencentes a classes sociais detentoras de poder econômico que utilizam de seu poderio para oprimir outras pessoas. A educação, segundo a filosofia freireana, promove a libertação das pessoas das situações de opressão.
CR: Se instituída no Brasil como método educacional, de que forma a educação como prática de liberdade modificaria e beneficiaria os currículos das instituições de educação?
Cláudio Nunes: De fato, a filosofia de Paulo Freire sempre esteve presente em muitas práticas educativas (escolares e não escolares). A adoção de uma filosofia é mais possível no âmbito das decisões dos profissionais do que mesmo com política curricular, embora a política curricular seja, também, referenciada pelas práticas culturais da sociedade atendida pela escola. Por outro lado, há que se destacar que uma filosofia tem muito maior força de se tornar prática efetiva se for assumida por uma quantidade maior de profissionais atuantes numa mesma instituição. Uma prática educativa pautada na filosofia freireana beneficiaria a construção de uma consciência social, que, por sua vez, favoreceria uma prática libertadora.
CR: Em Vitória da Conquista, foi assinado um acordo para aplicar o método do Colégio da Polícia Militar nas escolas municipais e uma das principais características é a uniformização do pensamento e das características do indivíduo, o que é muito diferente do método de Paulo Freire. Para você, qual a intenção disso e quais a principais consequências para a sociedade?
Cláudio Nunes: A uniformização do pensamento é um retrocesso para a história da humanidade. Os seres humanos são, por natureza, distintos, embora sejam iguais perante a lei. A educação escolar pautada em uma filosofia que possibilite o reconhecimento das diferenças próprias de cada cidadão é de extrema importância para garantir a cada pessoa o acesso, com equidade, ao conhecimento historicamente produzido pela ciência e acumulado pela humanidade e necessário para a construção da cidadania pelas pessoas de cada tempo histórico. A uniformização do pensamento é própria da filosofia de direita e extrema direita, que visam a ofertar para a sociedade, notadamente as pessoas pertencentes às classes que utilizam a escola pública, uma escolarização que não possibilita o desenvolvimento da cidadania plena, com o direito à diversidade. Esse tipo de escolarização uniformizada facilita, ainda, os processos de avaliação externas em larga escala e a implementação de políticas curriculares e de financiamento da educação fundamentadas em princípios de economia de tempo e dinheiro, mas com prejuízo para as individualidades, as subjetividades e as diferenças próprias da enorme e rica diversidade cultural brasileira.
CR: Para finalizar, como a militarização do ensino pode retirar a liberdade e a consciência coletiva dos estudantes e agentes sociais?
Cláudio Nunes: A natureza da educação militarizada se fundamenta numa escola uniformizada, com currículo que não valoriza as diferenças de cada cidadão. A escola militar/militarizada se organiza em torno de disciplina rígida que não condiz com a cultura dos povos brasileiros, marcados por enormes e reconhecidas riquezas culturais que distinguem e demarcam que os grupos sociais que compõem uma escola são compostos por todos os povos e não por um povo único e uniformizado.
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