Especial REC Conquista | Onde está essa tal de liberdade?

Por - 14 de março de 2023

Durante a programação da 2ª Semana de Projeção REC Conquista, trazemos textos produzidos por professores, realizadores e críticos de cinema que refletem sobre os filmes e temáticas do evento.

Tenho para mim que Liberdade é uma das maiores utopias humanas e sociais, e que o Cinema é o espaço onde as vozes que perseguem essa utopia ecoam com mais potência. Seja liberdade coletiva, seja individual; quando se perde a esperança nas utopias que nos movem, é o Cinema o lugar também de se evocar nossas frustrações por meio de uma criticidade diante das coisas que atravessam o mundo.

Assim, penso, uma parte não pequena dos filmes que assisto ou que devo assistir pelo restante da minha vida, perseguiu, persegue e perseguirá uma liberdade por meio de gritos através das imagens. Gritos que pedem o direito à liberdade de um “Passarinho” voar, assim como me parece ser essa a necessidade do filme de Vinícius Pessoa que tem esse título.

Aliás, não se pode falar em liberdade se não há condição de escolha, e as desigualdades sociais tiram esse direito de forma cruel e sistematizada. Se há fome no mundo, o faminto buscará mata-la a qualquer custo e não poderá escolher o alimento. Escolher, para quem tem fome, é luxo. Logo, liberdade é também um lugar de privilégios, que todos querem e precisam ter, mas poucos de fato as possui.

Alimentar-se não é sinônimo de estar livre; escolher o alimento, sim. É tão cruel essa diferença social que, às vezes o Cinema deixa de ser um grito para ser um “Veneno”, como no filme de Kauan Oliveira, daqueles que só se usa em últimas instâncias – ou quando der na telha, já dizia a personagem burguesa que, pasmem, precisou se deparar com seus próprios venenos para confrontar-se com suas responsabilidades. Porque, quer queira ou não, o mundo precisa mudar, seja ouvindo esses gritos, seja morrendo como resultado do veneno.

Não podemos permitir o limbo “Entre o ninho e as andorinhas” do filme que dirigi, porque o limbo não é um caminho, é um vazio. E andorinhas precisam ter o céu livre, para aprender a voar – e voar, também é privilégio. Vôo, sim, é liberdade. Batendo asas ou voando no pedal de uma bicicleta. Mas a bicicleta de Kant, de L. H. Girarde supõe que é no atravessamento da vida, nos acontecimentos históricos, que moldamos nossas individualidades. Logo, não seríamos livres, mas agentes passivos de tudo o que acontece no mundo. Mas não seríamos nós os responsáveis pelo que acontece no mundo, também?

Então indivíduo e sociedade é uma eterna diegese. O mundo nos aprisiona com seus códigos sociais, nos deixam cego-cidade – Kauan grita sobre liberdade diante de toda a cegueira social, mas ao mesmo tempo, é o homem quem cria essas conversões, fabricando suas próprias algemas. A arte é a nossa esperança final nessa perseguição pela utopia, porque ela consegue expor a algema, a sociedade e o homem, de maneira que o constrange e dá luz a sua consciência. E tomar consciência é o primeiro passo para desamarrar todos os nós, é condição primeira para um sonho de liberdade.


*Daniel Leite Almeida é escritor, roteirista, diretor e cineasta. É graduado em Cinema pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e em Letras pela Universidade Federal do Mato Grosso. É também cofundador da Ato3 Produções, produtora independente de Cinema da cidade de Vitória da Conquista.

Foto de capa: Reprodução / Passarinho.

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