Convênio assinado pela Prefeitura deve ampliar militarização do ensino em escolas de Conquista

Por - 26 de agosto de 2021

Ouvimos a opinião de dois especialistas acerca do assunto, e ambos são críticos à adoção do modelo de educação cívico-militar; Nas redes sociais, o tema gerou controvérsias

Na última segunda-feira, 23, a Prefeitura de Vitória da Conquista assinou um convênio para a implementação do sistema de ensino do Colégio da Polícia Militar na rede municipal de educação. A primeira instituição onde o modelo será implantado é a Escola Professora Edivanda Maria Teixeira, localizada no bairro Jardim Valéria.

O convênio foi assinado pela prefeita Sheila Lemos e pelo comandante geral da PM, coronel Paulo Coutinho, em solenidade no Comando de Policiamento da Região Sudoeste (CPRSO). Também estiveram presentes o coronel Ivanildo Silva, comandante da unidade, e os secretários da Educação, Edgard Larry, e do Gabinete Civil, Lucas Dias.

De acordo com Lemos, “os valores trabalhados no Colégio da Polícia Militar vão além da esfera pedagógica, formando não só profissionais gabaritados, mas, também, seres humanos de responsabilidade e compromisso com a nossa sociedade”. 

A prefeita Sheila Lemos, durante solenidade de assinatura do convênio com a PM. Foto: Secom / PMVC.

Com o convênio, as instituições nas quais o sistema for incorporado contarão com o que o coronel Coutinho chamou de “assistência dos militares na gestão disciplinar das escolas”. Segundo ele, o mesmo já vem acontecendo em vários outros municípios baianos. “Tem tido um efeito muito positivo em todo o Estado. Eu tenho certeza que em Conquista não vai ser diferente”, acrescentou. 

Militarização do ensino e repercussão nas redes sociais

A ação amplia a militarização do ensino público na Bahia e se alinha à política educacional do governo do presidente Jair Bolsonaro, responsável por instituir o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim). Lançado em setembro de 2019, a partir de uma parceria do Ministério da Educação e do Ministério da Defesa, o programa pretende implementar 219 escolas desse modelo até 2023, mas a adesão de estados e municípios é voluntária.

Especialistas em educação avaliam que o modelo cívico-militar, que funciona a partir de uma gestão compartilhada entre militares e educadores, passa a ideia de um sistema disciplinar ideológico, que remete à rigidez hierárquica e à restrição de liberdades, algo contrário as metodologias educacionais mais modernas em debate no mundo. 

Por outro lado, um dos principais fatores que pesam a favor da militarização e atrai o apoio de famílias e comunidades é a ideia de que os bons resultados alcançados pelos colégios militares podem se refletir na educação pública. Dessa forma, isso gera expectativas de que, com a ampliação do modelo cívico-militar, haverá melhorias na aprendizagem e desempenho dos alunos.

Nas redes sociais, o assuntou gerou controvérsias entre conquistenses e dividiu opiniões. Em uma enquete feita pela nossa equipe no Instagram, algumas pessoas avaliaram o convênio assinado pela Prefeitura como um retrocesso e outras afirmaram que é uma mudança necessária, podendo ser uma alternativa à falta de investimento no ensino municipal. 

O grupo de base do Diálogo e Ação Petista (DAP) de Vitória da Conquista fez uma publicação afirmando que é uma triste coincidência a Escola Edivanda Teixeira ter sido a primeira instituição municipal escolhida para a implementação do modelo de ensino do Colégio Militar. A professora Edivanda integrou o movimento social da Igreja e, durante sua trajetória profissional, trabalhou com a educação de adultos e com a educação popular, sendo contrária às formas autoritárias de ensino.

“Coincidência ou não, parece uma provocação. Uma pessoa que dedicou a sua vida pela construção de uma educação emancipadora ter seu nome associado a uma experiência de escola nesses moldes, completamente distinta do que ela defendia e no contexto de dois governos anti-povo como o de Bolsonaro e de Sheila Lemos, é no mínimo lastimável”, diz o texto da publicação. 

Fachada da Escola Municipal Professora Edivanda Maria Teixeira. Reprodução: Google Street View.

No Twitter, um internauta foi ainda mais crítico à atitude do Executivo: “O governo Sheila Lemos continua avançando rumo ao passado, mais precisamente 1964”. Uma leitora do Conquista Repórter, por sua vez, contou que estudou no Colégio da Polícia Militar de Conquista “e foi uma boa opção na época”. 

Uma distinção necessária

A professora Arlete Santos, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Uesb (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia) ressalta que, apesar de contribuir para o avanço da militarização da educação pública de Conquista, o convênio assinado pela Prefeitura não vai transformar os estabelecimentos de ensino do município em escolas militares. Segundo ela, é preciso ter clareza sobre o que de fato significa a implantação desse modelo chamado de “cívico-militar” para evitar suposições equivocadas em torno do assunto.

“As escolas efetivamente militares são escolas de corporações como Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros. Elas já foram criadas como militares e estão vinculadas a algum desses órgãos ou à Secretaria de Segurança Pública, e não à Secretaria de Educação. Já as escolas cívico-militares são instituições vinculadas às Secretarias Municipal ou Estadual de Educação que, por meio de convênios ou parcerias com as forças de segurança pública, passam a ser geridas em conjunto com a PM ou passam a contar com a presença de tutores militares”, explicou.

Mas isso, por si só, não garante melhorias efetivas nessas escolas, pois, segundo Arlete, o modelo de ensino dos colégios militares não pode ser encarado como uma solução para otimizar os indicadores educacionais de municípios e estados. “Eu acredito que, desde que o município de Vitória da Conquista garanta para os professores e demais profissionais da educação todas as condições objetivas e subjetivas para desenvolver o seu papel pedagógico, eles darão conta plenamente do processo de ensino e aprendizagem dos alunos. Não precisa colocar militares nas escolas para que isso aconteça”, disse.

A pesquisadora avalia que a presença cada vez maior de militares nas instituições públicas de ensino pode ajudar a difundir um sistema educacional baseado no “tecnicismo e em disciplinas rígidas, fazendo com que os alunos não tenham nem sequer liberdade de expressão”. E isso, de acordo com Arlete, fere princípios constitucionais. “Então, enquanto professora, enquanto pesquisadora, eu sou completamente contra a militarização do ensino. Acho que isso não deveria acontecer”, concluiu. 

Fachada do Colégio da Polícia Militar (CPM) de Vitória da Conquista. Reprodução: Google Street View.

Expansão da militarização

É importante destacar que a militarização do ensino público não teve início no governo Bolsonaro. Ela começou a avançar na década de 1990, em Goiás, a partir de ações deliberadas do ex-governador Marconi Perillo (1999-2006 e 2011-2018). Entre 2001 e 2018, houve um salto de seis para 78 escolas militarizadas no estado. 

No Brasil, segundo dossiê do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES), até 2017, já haviam sido criadas 203 escolas cívico-militares por meio de decretos. Fora de Goiás, os estados com o maior número de escolas militarizadas, até 2018, eram Bahia e Minas Gerais. 

Para o historiador José Dias, que também é professor da Uesb, esse processo é resultado da busca, por parte do poder público, de um “caminho mais fácil” para sanar diversos problemas da sociedade brasileira que se refletem, em certa medida, no espaço escolar, como a insegurança, a violência e a crise moral e ética do país. “Então, não me surpreende o fato de que Vitória da Conquista faça um convênio com a Polícia Militar para instalação de escolas cívico-militares no município porque isso é uma tendência que vem crescendo no Brasil inteiro. O momento que nós estamos vivendo favorece esse tipo de iniciativa”, afirmou.

Ainda de acordo com Dias, isso mostra o quanto os gestores públicos municipais estão desinformados ou alienados acerca do que está acontecendo na sociedade brasileira atualmente. “É um equívoco muito grande, porque o poder público, aparentemente, não consegue enxergar onde estão os problemas da segurança pública e quais são os problemas que são relativos às instituições escolares e como tratar cada um deles nos seus devidos lugares”. 

Foto de capa: Secom / PMVC

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