Artigo | O Conselho de Cultura de Vitória da Conquista precisa ter mais visibilidade
Por Afonso Silvestre - 19 de março de 2024
Desde 2017, os gestores do órgão fazem esforços que não devem ser esquecidos, resistindo diante de um governo que não prioriza a Cultura.
O Conselho de Cultura de Vitória da Conquista, desde 2017, faz esforços que não devem ser esquecidos. Cada gestor deste órgão passou a resistir como foi possível a partir da instalação de um governo municipal extremista que, por sua vez, não tem atração pelo que entendem por Cultura (e passam a ter menos ainda quando descobrem o que é). Nos últimos sete anos, tivemos, repetidamente, negligência do Executivo, eventual omissão do Legislativo e de representantes da sociedade civil.
A dificuldade para manter vivo o Conselho de Cultura era tanta que uma presidente declinou em 2018, diante da falta de mobilidade e diálogo com a Prefeitura, que demonstrava desconhecimento, desinteresse e dificuldades de compreensão do conceito de Sistema de Cultura. Este texto vai ajudar aos de boas intenções, com informações sobre a memória recente do Conselho, e sua factualidade vai “matar de raiva” os prevaricadores e mal intencionados.
Desde 2017, o Conselho teve gestores propositivos, como Luiza Audaz (2017) que, diante da hostilidade do Executivo, declinou do cargo após um ano de tentativas de diálogo e movimentações. Realizou campanha para a reativação do Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima. Ela enfrentou como pôde a imobilidade do governo municipal para as realizações propostas e mesmo para aquelas exigidas por lei.
Depois, tivemos Maris Stella Schiavo, a partir de 2019, saindo em 2020, substituída por Vinícius Purki e retornando em 2021. Ela enfrentou (bem como seu substituto no período eleitoral) as hostilidades da Prefeitura e deu ares afirmativos ao Conselho. Conseguiu, juntamente com outros conselheiros, dar capilaridade, trazer os multiplicadores e intérpretes da Cultura para perto com oficinas, lives, rodas de conversa e outras atividades presenciais ou online. Realizou estudos e tombamento de terreiro, promoveu escuta, atualização de banco de dados, entre outras ações.
No período que abrangeu os anos de 2019 a 2021, com os enfrentamentos assumidos pelo Conselho, o município conseguiu exercer as políticas plenamente, com os três pilares do Sistema de Cultura funcionando, de fato e integrados: Secretaria, Conselho e Fundo. Não obstante o próprio Poder Executivo tenha colocado muitos obstáculos, como veremos adiante, naquele período foram criadas as instruções, metodologias, minutas de editais e outros estudos que geraram um banco de dados potente e formas de trabalho eficientes.
O terceiro período, de 2021 a setembro de 2023, conta com a realização da V Conferência Municipal de Cultura, e foi quando o Conselho perdeu o contato com os realizadores de expressões da cultura e entrou em si mesmo. Na ocasião, o órgão chegou a indicar um membro da própria diretoria para ser laureado com uma homenagem pública. Encerrou-se o link com o público. E o presidente, bem intencionado e solitário, sem ninguém para oferecer apoio técnico, assistiu passar a gestão diante dos seus olhos. Infelizmente, a gestão não forneceu para a sociedade um documento prestando contas do biênio, portanto, não há como mensurar resultados de atuação a não ser pela observação.
Então, chegamos a 2024, quando, em 11 de março, há quórum pela primeira vez no ano para que seja possível realizar uma reunião do Conselho. Há um pequeníssimo grupo que entende e busca maiores compreensões sobre aspectos das políticas, papéis de cada ente, instruções e normas, enfim, domínio teórico para se usarem as ferramentas para o bem das políticas de Cultura. Embora isto seja um pressuposto, a grande maioria não sabe porque está ali. E outra parte está para fingir ignorância e atrasar processos. Como uma mesa com pés de tamanhos desiguais, o Conselho precisa se equilibrar ao mesmo tempo em que tenta exercer sua parcela nessas políticas.
Este exercício não é fácil, da parcela nas políticas. Muito porque, tomando como base a experiência que tive no Conselho de Cultura, os demais entes além da sociedade civil, ou seja, representantes do Legislativo e Executivo, não estiveram sempre integrados aos objetivos do Conselho. De 2017 a 2021 agiram, cada um à sua maneira, de forma a impedir ações. Um por não compreender a importância e ausentar-se (embora isto não tenha ocorrido na gestão posterior, 2021-2023, quando houve maior participação do Legislativo), outro por não querer que as ações avancem por orientação política e ou ideológica. A gestão entre 2019-2021 foi de enfrentamentos (alguns desnecessários), e ela, a gestão do Conselho, venceu quase todos.
O Legislativo parece alternar suas participações ao longo das gestões do Conselho. Em 2017 foi presente, entre 2019-2021 participou minimamente, teve que ser mobilizado e agiu para prejudicar ou desqualificar, como veremos adiante. Entre 2021 e 2023, teve maior participação e, este ano, volta a participar após ser chamado à atenção pela sociedade civil. A ausência e justificativa por choques de pautas que, com todo respeito ao vereador que deu esta justificativa na última reunião, só demonstra que, entre as pautas, a Cultura está longe de ser prioridade.
Em 2020, houve a falta de decoro e deboche de um vereador que nunca havia participado de reunião. Num ano de pandemia, em que havia pleno contato do Conselho com o público por meios eletrônicos e virtuais, era uma ausência absolutamente injustificável e inconsequente pela falta de compreensão político-eleitoral ou até mesmo pela falta de inserção no meio.
Como se não bastasse a ausência, o vereador expressou deboche e desrespeito no grupo de whatsapp do Conselho. Diante de debates e agendamentos, encaminhamento de pautas e trocas de mensagens funcionais, o representante do Legislativo, até então ausente, posta a seguinte frase: “Estou saindo do grupo por ter mais o que fazer. Quando quiserem debater Cultura, podem me procurar.” Naturalmente foi substituído, com a pressão que, naquele momento, também foi feita e funcionou, como ocorreu agora e se viu a participação na reunião em 11 de março deste ano.
Porém, no caso do Executivo, a omissão permanece, como a cidade pode constatar através de manifestações e denúncias de grupos ligados às expressões da Cultura, especialmente artistas, em redes sociais. Omissão que se agravou a ponto da Prefeitura atrasar, em 2020, por dois meses os andamentos das ações em plena gestão de políticas emergenciais, para tentar impedir um conselheiro de assumir a cadeira de Patrimônio e Memória. Obviamente, não funcionou, tendo sido deslegitimada a tentativa pela procuradoria do próprio município. O nome disso, prevaricação, não sei porquê, é odiado por 10 entre 10 prevaricadores. O secretário da Cultura (2019-2021), na ocasião, do qual se esperavam melhores condições de diálogo com os realizadores das expressões, ameaçava o Conselho e recomendava aos artistas que parassem de pedir coisas ao governo e fossem pedir esmola na Feira do Bairro Patagônia.
Em outra ocasião, momento de definição de um edital, Conselho e Secretaria se reuniram durante um fim de semana, oito horas de trabalho intenso de ajustes da minuta. Cada ente fez suas defesas dos pontos, e, ao final, acordou-se um documento consensual. No entanto, o edital foi publicado sem nenhum dos ajustes propostos pelo Conselho e aceitos pela secretaria. Uma atitude rasteira, como a de um adolescente de péssimo caráter, há dois ou três anos na quinta série, com dificuldades de articular cognições com afetações.
Infelizmente, no caso do governo, apoiador da extrema direita, Cultura não é a única área a ser prejudicada pelo desinteresse e mentira, refletidos em nomeações de cabos eleitorais para cargos técnicos. Não fazem noção do que deve ser feito, não há capacidade técnica, moral ou cognitiva. Em minha experiência como servidor, e vou dar exemplos de vivência pessoal por poder comprovar a todos, já fui colocado à disposição pelo fato de secretário não concordar comigo em questão de opinião política, recebi deboche por tentar adverti-lo de que fraudar recursos federais é grave, fui acusado de ser “todo certinho”, como se isto fosse errado.
Neste governo, do qual sou vítima de perseguição há sete anos e portanto tenho muito a dizer, já presenciei secretário de atividade dar chilique ao ser confrontado com provas da sua prevaricação (mais uma vez a palavrinha odiosa presente no seio do Governo). Cito exemplos, que são do meu total conhecimento e dos quais tenho provas, para dizer que não se pode esperar interesse público num governo composto por quem pratica improbidades. São exemplos da falta de qualificação, questões que estão encaminhadas adequadamente e, como diria o ditado popular, “quem pariu que balance”, embora o parturiente esteja morto e não se mova mais. Um verdadeiro desperdício de reputações e oportunidades.
Voltemos à Cultura, orgânica por princípio e definição. Começa a aventura do desentendimento conceitual do governo ao nomear leigos que não compreendem políticas ou conceitos. A representante do Executivo na V Conferência, coordenadora, responsável jurídica, ostentou generosamente a ignorância e desinteresse da Prefeitura. Quem esteve lá percebeu o entendimento do Ente Municipal (com o perdão do trocadilho) sobre Cultura como, nas palavras dela, “tudo que não é biológico”. Sim, negou a construção do conceito, reduzindo-o assim.
O Conselho mostrou-se, na primeira reunião com quórum em 2024, ainda frágil no que diz respeito a conhecer instruções e normas e evitar de pronto tentativas de atrasar pautas cometidas pelo Executivo. Com certeza, a partir de agora, com o compromisso expresso na última reunião, a participação das representações do Legislativo vão fortalecer o Conselho.
Na relação com o Ente Municipal, o Conselho lida com agentes que participaram de atos antidemocráticos, com uso de máquina pública, propagando mentiras, rezando ajoelhados com paramentos verde-amarelos pedindo por quebra do estado de direito. Ou seja, agentes golpistas a favor de ditadura militar exercendo gestão da Cultura, o primeiro setor a ser atacado por governos fascistas.
Infelizmente, num indício de deslocamento da realidade, ou, não se sabe, má fé, a prefeita que age contra a Cultura se diz de centro-direita. Qualquer estudante de ensino médio com o mínimo de discernimento identifica centro-direita com personalidades como Soraya Thronicke (que apoiou a Democracia Republicana no segundo turno em 2022), ou Alckmin, Tebet e outros, que fazem parte do atual Governo Federal. Esta foi a coalizão de direita, centro e esquerda formada para vencer a extrema direita apoiada pela prefeita. Fica a pergunta: deslocamento ou má fé?
Estamos sob as definições da V Conferência Municipal de Cultura, ocorrida em 2023. Um evento inseguro juridicamente pela condução dos ritos, pelos precários entendimentos de formalidades básicas e expressões de ignorância, bem como a interrupção de votações e mudanças bruscas de metodologia. Estas não eram definidas previamente, cada eixo definia as suas. Algumas delas foram interrompidas e modificadas pela organização. Pior, não se aprovou nem viu relatório da Conferência com as deliberações, o que é mais um indício do descaso do governo com a Cultura.
Vai além do constrangimento de um Executivo inepto e desinteressado na definição e execução de Políticas de Cultura. Este problema ele vai resolver com seus eleitores. Espera-se, do ponto de vista da consolidação dos planos e políticas para a Cultura, um Conselho com legitimidade técnica, jurídica e política para conduzir as ações com sabedoria, diante das desídias do poder público e suas mentiras e improbidades. Para tanto, será necessária atenção à comunicação, devem-se promover encontros virtuais e presenciais com a comunidade, debater eixos de atuação, deliberar sobre políticas necessárias para a preservação de uma Cultura e Memória Conquistense, dar o máximo de visibilidade ao trabalho, incluindo reuniões do Conselho, que devem ser transmitidas.
É preciso fornecer subsídios técnicos ao governo e trabalhar em parceria, um cobrindo deficiências do outro. E, evidentemente, ao contrário do que a Prefeitura disse, reuniões virtuais são válidas, legais e uma das boas heranças culturais da pandemia. Estão postos os interesses, expressos nas atitudes de cada ente. A população sabe a necessidade de dar novos ares às representações. É anticultural termos cargos que não conhecem conceitos e agem socialmente como golpistas políticos, afinal, pela importância histórica, Conquista merece políticas qualificadas tecnicamente e pensadas por mentes progressistas.
O Executivo, que já chegou a fazer proposta ao Conselho para fraudar normas de uso de recursos federais, precisa assumir sua responsabilidade, abandonar as infantilidades e realizar a parte que lhe cabe respeitando a democracia. Por tudo isto, acredito que a participação da comunidade nas reuniões do Conselho vai melhorar muito a sua qualidade. E, diferente do que disse a Prefeitura, o Conselho tem autonomia para decidir por essas reuniões híbridas.
*Afonso Silvestre é historiador e coordenou os processos de certificação quilombola de 2004 a 2012, em Vitória da Conquista, como coordenador de planejamento (2004-2006), secretário de governo (2006-2008) e técnico em projetos (2009-2011). Também foi responsável pelas atividades de certificação do quilombo urbano da Comunidade de Vó Dôla, em 2022, e pela modernização do Arquivo Público Municipal (2012-2016) e dos arquivos da COOPMAC.
Foto de capa: Secom/PMVC.
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