Editorial | Omissão da UESB perante denúncias de assédio escancara leniência institucional
Por Da Redação - 6 de outubro de 2023
Professoras e integrantes da comunidade externa lançaram um manifesto contra a violência perpetuada através do assédio. Nesta segunda, 9, o grupo realiza uma atividade para discutir o tema.
Na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), casos de assédio não são devidamente investigados. É isso que a direção do Sindicato dos Jornalistas da Bahia (Sinjorba) afirma ter ouvido de interlocutores após trazer à tona as denúncias feitas contra o dirigente do Sistema UESB de Rádio e TV (Surte), Rubens Sampaio.
E o que a entidade e outros integrantes da comunidade acadêmica temiam (ou já esperavam) ficou escancarado nesta última semana com a divulgação da decisão da instituição de investigar, através de Processo Administrativo Disciplinar (PAD), apenas as transferências de dois servidores que atuavam no Surte para outros setores e a demissão de outra jornalista contratada como terceirizada* (VER ERRATA/ATUALIZAÇÃO).
Esses três profissionais (entre outros) decidiram quebrar o silêncio sobre uma prática da qual a universidade pública não está nem jamais esteve isenta, assim como qualquer outro órgão público ou privado. Uma prática que, infelizmente, ainda é discutida (nas raras vezes em que isso acontece) de forma extremamente velada.
O foco da investigação anunciada pela UESB, entretanto, não serão as supostas práticas de assédio moral que os denunciantes imputam à direção do Surte e da Assessoria de Comunicação da universidade, mas sim os motivos que os levaram a ser transferidos de setor ou ser demitida, no caso da jornalista terceirizada.
É como se os relatos dessas pessoas que se colocam como vítimas de tal violência simplesmente não importassem. E o pior: isso acontece depois da Comissão de Sindicância instaurada pela própria instituição para fazer a apuração inicial do caso indicar justamente o contrário daquilo para o qual a reitoria parece tapar os olhos.
O relatório final da comissão registrou o “entendimento pela materialidade de ilícitos funcionais e a existência de fortes indícios de autoria, não apenas por parte do então investigado, mas também por parte de outros servidores”. Não se trata de uma sentença.
É preciso sim respeitar a garantia do contraditório e da ampla defesa, na forma da lei, conforme bem ressaltou a Adusb (Associação dos Docentes da UESB) em nota divulgada nesta sexta-feira, 6. Mas e o respeito e acolhimento aos denunciantes? Diante de tantas contradições, como não interpretar a recusa da UESB em investigar as denúncias como a mais pura e vil leniência institucional?
O silêncio da universidade acerca dos apontamentos da sindicância, que perdurou por meses, já foi por si só um desrespeito, inclusive com a própria sociedade que acompanha a repercussão e os desdobramentos do caso desde março deste ano.
Como se não bastasse, de acordo com nota pública divulgada pelos professores Monalisa Nascimento dos Santos Barros, Marisa Oliveira Santos e Flávio Antônio Fernandes Reis, a reitoria ainda teria insinuado que eles, enquanto integrantes da comissão, foram responsáveis pela divulgação de informações sigilosas na mídia local. Os docentes também foram supostamente acusados de realizar a apuração sem a devida isenção.
“A sociedade mais uma vez experimenta a sensação de desamparo, a angústia pela ausência de respostas das instituições, geridas com recursos públicos, mas mudas e surdas (quando convém) aos apelos sociais. Defendemos, com todas as forças, o estado de Direito, os processos legais, a defesa e o contraditório, mas nos opomos veementemente à inércia e à impunidade, seja para quem for. Investigue-se o que há para ser investigado e se cumpram os deveres e obrigações a que TODOS estão sujeitos!”, diz o texto da nota, que recebeu o apoio de entidades e figuras públicas do município como a vereadora Viviane Sampaio (PT).
Na sexta-feira, 6, mulheres vinculadas à UESB e outras integrantes da comunidade externa se pronunciaram sobre as denúncias de assédio moral e sexual na instituição através de um manifesto, que está disponível para assinatura de forma on-line. Já nesta segunda-feira, 9, a partir das 18h, o grupo realizará uma atividade para debater o assunto no Salão do Júri, localizado no campus da UESB em Vitória da Conquista.
Entre as participantes do encontro estão as professoras Márcia Lemos, Maria Madalena Souza dos Anjos, Sofia Manzano e Luciana Santos Silva. As representantes externas serão Gisele Assis, que é membro da Comissão de Direito Civil e da Criança e Adolescente da OAB – Subseção Vitória da Conquista, e Keu Souza, integrante do Conselho Municipal da Mulher e educadora social.
Isto posto, espera-se que, com a mobilização da comunidade acadêmica e da sociedade civil, as investigações de assédio moral na instituição de fato aconteçam como prevê o devido processo legal. A UESB é uma universidade reconhecida nacionalmente e, caso se mantenha omissa diante de uma problemática tão grave, ficará manchada como aquela que fechou os olhos para a violência institucional, situação que deixa a sensação de impunidade tanto para quem já sofreu com essa prática quanto para quem ainda a enfrenta, cotidianamente.
Foto: Ascom UESB.
ERRATA/ATUALIZAÇÃO
Este editorial foi publicado, originalmente, na edição do último sábado, 7, da newsletter do Conquista Repórter. Nesta segunda-feira, 9, após a veiculação do texto em nosso site, um de nossos leitores informou à nossa equipe sobre a publicação de uma nova portaria da UESB (n° 655, de 05 de outubro de 2023), publicizada na edição da última sexta-feira, 6, do DOE (Diário Oficial do Estado), na qual o reitor da universidade designa uma Comissão de Processo Administrativo Disciplinar (PAD), destinada a apurar a conduta e responsabilidade do professor Rubens Sampaio “por suposta prática de atos abusivos e de assédio moral no âmbito do Sistema Uesb de Rádio e Televisão Educativas (Surte)“. Com isso, após a pressão da comunidade acadêmica e externa à UESB, haverá um PAD no qual será investigado especificamente a prática do qual o docente é acusado e não só as transferências e/ou demissão dos denunciantes. Dessa forma, ERRAMOS ao não checar o DOE para conferir se tinha novas atualizações sobre o caso antes de publicar o editorial no site.
ATUALIZAÇÃO ÀS 20H50: Ainda nesta segunda, 9, a reitoria da UESB publicou uma nota sobre a condução das denúncias de assédio moral na instituição. O texto pode ser lido na íntegra neste link.
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