Artigo | O desmonte da cultura sob o governo municipal bolsonarista
Por Herberson Sonkha* - 4 de fevereiro de 2025
Vitória da Conquista é uma cidade conhecida por sua rica diversidade cultural. No entanto, sob uma gestão de extrema-direita, o setor enfrenta uma crise sem precedentes. Como resposta, a classe artística resiste.

Vitória da Conquista é uma cidade conhecida por sua rica diversidade cultural, que vai desde as tradições do Terno de Reis até a produção audiovisual premiada nacional e internacionalmente. No entanto, sob a gestão do atual governo municipal, de viés político de extrema-direita e alinhado ao bolsonarismo, a cena cultural local enfrenta uma crise sem precedentes.
Neste contexto, surge a carta-proposta do Movimenta Cultura Conquista, que chama a atenção para a necessidade de ações concretas de impulsionamento do setor artístico-cultural. Com este texto, pretendo denunciar os descasos do Poder Público e destacar as alternativas propostas pelo grupo para revitalizar a gestão da cultura no município.
A seguir, alguns pontos que considero importantes:
Abandono dos espaços culturais
O atual governo municipal, alinhado ao projeto nacional de extrema-direita, tem negligenciado sistematicamente as políticas culturais. Enquanto o discurso oficial prega a “defesa da família e dos valores tradicionais”, a prática tem sido a desvalorização dos artistas, o abandono dos equipamentos culturais e a falta de transparência no uso dos recursos públicos.
O Teatro Carlos Jehovah e o Cine Madrigal, símbolos da vida cultural conquistense, estão fechados há anos, em completo estado de abandono. A Casa Glauber Rocha, que poderia ser um centro de referência para o audiovisual, é subutilizada, sem diretrizes claras para o seu funcionamento. Enquanto isso, o governo investe em obras faraônicas de pouco impacto social, ignorando a revitalização de espaços que poderiam gerar renda, emprego e identidade para a população.

Desmonte das políticas culturais
A ausência de uma secretaria específica para o setor demonstra o descaso do Poder Público. A cultura está subordinada a outras pastas, sem autonomia orçamentária ou capacidade de execução de políticas públicas. Além disso, o governo não cumpre o repasse ao Fundo Municipal de Cultura, previsto na Lei do Sistema Municipal de Cultura, e ignora propostas como a criação de uma Fundação Cultural para a captação de recursos e a gestão participativa.
Um exemplo claro dessa negligência foi a devolução de R$ 333 mil à União, recursos recebidos via Lei Paulo Gustavo, destinados ao fomento da cultura local. A devolução desse recurso, que poderia ter sido investido em projetos culturais ou na revitalização de espaços como o Teatro Carlos Jehovah e o Cine Madrigal, demonstra que a cultura e a arte não são prioridade para o governo municipal.
Centralização e exclusão
As ações do governo são centralizadas e excludentes, concentrando os investimentos em eventos no centro da cidade e ignorando a periferia e a zona rural. Manifestações populares como o Cordel, o Terno de Reis e a Cultura do Vaqueiro são marginalizadas, enquanto projetos de grande visibilidade, mas de pouco impacto social, recebem atenção e recursos.
A falta de investimento em bibliotecas comunitárias e escolares, a ausência de concursos públicos para bibliotecários e a inexistência de programas de incentivo à leitura refletem um projeto de governo que desvaloriza a educação e a cultura como pilares do desenvolvimento humano.

A resistência
Diante desse cenário desolador, a carta-proposta do Movimenta Cultura Conquista surge como um farol de esperança, apresentando alternativas concretas para transformar a cena cultural da cidade. Essas propostas, se implementadas, podem não apenas revitalizar a cultura local, mas também fortalecer a economia criativa, gerar empregos e promover a inclusão social. Confira a seguir algumas das reivindicações do coletivo:
Revitalização e ampliação dos espaços culturais
A reabertura do Teatro Carlos Jehovah e do Cine Madrigal, aliada à criação de novos equipamentos culturais descentralizados, é urgente. A Casa Glauber Rocha deve ser transformada em um centro de referência para o audiovisual, com um Memorial do Audiovisual e espaço de convivência para artistas.
Democratização do acesso à cultura
A criação de espaços comunitários de cultura em bairros periféricos e distritos rurais é essencial para descentralizar o acesso à cultura e valorizar a identidade local. Além disso, a abertura de escolas e creches nos finais de semana para oficinas e cursos pode transformar esses espaços em polos de formação e integração comunitária.
Ampliação do orçamento e transparência
O aumento do orçamento para a cultura para 1,5% até o final do mandato, com gestão transparente e democrática através do Conselho Municipal de Cultura, é fundamental para garantir recursos para editais, formação e fomento às diferentes linguagens artísticas.
Fortalecimento das manifestações populares
A inclusão de manifestações como o Cordel, o Terno de Reis e o Hip-Hop no calendário cultural permanente da cidade é uma forma de valorizar a diversidade e a identidade cultural conquistense. Além disso, a criação de um Festival de Cultura da Diversidade pode promover a inclusão e o respeito às diferenças.
Educação e cultura integradas
A universalização das bibliotecas escolares, com concurso público para bibliotecários e programas de incentivo à leitura, é essencial para formar cidadãos críticos e conscientes. A criação de praças literárias e a realização de feiras e festivais literários podem transformar Vitória da Conquista em um polo de produção e difusão da literatura.
Economia criativa e geração de renda
A implementação de ISS diferenciado para bares e restaurantes que promovam atividades culturais remuneradas, aliada à criação de um sistema de crédito facilitado pelo Banco do Povo para artistas, pode impulsionar a economia criativa e gerar renda para milhares de famílias.

Revolução cultural
As propostas apresentadas pelo Movimenta Cultura Conquista mostram que há alternativas viáveis e transformadoras. Revitalizar os espaços culturais, descentralizar o acesso à cultura, ampliar o orçamento e fortalecer as manifestações populares são passos essenciais para construir uma cidade mais justa, inclusiva e culturalmente viva.
A crise cultural em Vitória da Conquista não é um acidente, mas o resultado de um projeto político que desvaloriza a cultura, a educação e a diversidade. A devolução de R$ 333 mil recebidos via Lei Paulo Gustavo é um símbolo desse descaso, mostrando que os recursos públicos estão sendo desperdiçados.
Cabe aos cidadãos, aos artistas, aos movimentos sociais e às futuras gestões municipais assumirem o compromisso com essa revolução cultural. Afinal, como dizia o cineasta Glauber Rocha, “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” podem mudar o mundo. Em Vitória da Conquista, é hora de colocar a cultura no centro da agenda política e transformar a cidade em um exemplo de resistência e criatividade.
*Herberson Sonkha é um militante comunista negro que atua em movimentos sociais. Integra a Unidade Popular (UP) e o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB). É editor do Blog do Sonkha e, atualmente, também é colunista do jornal Conquista Repórter.
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