Com R$85 milhões gastos em contratos emergenciais, transporte público ainda é alvo de queixas

Por - 3 de junho de 2021

Atrasos nos horários, falta de manutenção e quantidade insuficiente de veículos em circulação continuam sendo as principais reclamações dos conquistenses; Só para a Viação Rosa, a Prefeitura pagou mais de R$70 milhões

Na última quarta-feira, 2 , mesmo dia em que a Estação de Transbordo Herzem Gusmão foi inaugurada em Vitória da Conquista, Bárbara Santos teve que esperar durante quase uma hora para retornar à sua casa depois do trabalho. Essa não é a primeira vez que a usuária do transporte coletivo urbano passa por uma situação como essa. E ela também não é a única que enfrenta dificuldades para se locomover dentro da cidade ao usar os ônibus das duas empresas que atendem o município atualmente em caráter emergencial: a Viação Rosa e a Atlântico Transportes.

“O fiscal disse que os ônibus estavam atrasados por causa da inauguração, mas a questão é que os carros atrasam todos os dias. Era para o R11 [Conveima x Centro] passar às 19h38 e ele só foi chegar às 20h30”, explicou Bárbara. Além dos atrasos, a falta de higienização e manutenção adequada dos veículos e a quantidade insuficiente de ônibus em circulação são as principais queixas dos conquistenses.

Ana Paula dos Anjos, profissional de serviços gerais, utiliza o transporte público desde a adolescência, quando estudava no Instituto de Educação Euclides Dantas (IEED), popularmente conhecido como Escola Normal. “Naquela época, eu pegava muito a linha UESB, mas agora uso mais Guarani x Centro [R13]. A situação do transporte piorou. A quantidade de ônibus diminuiu muito e temos menos linhas porque tiraram várias”, disse.

As condições das estruturas físicas dos veículos também precisam de melhorias, segundo Ana Paula. “Antes tinha carros bem mais novos, davam bem menos problema do que os que têm atualmente. Já peguei um ônibus que quebrou a suspensão e outro que parou no meio do caminho”, contou.

Morador do Vila Serrana há mais de 30 anos, Manuelito Rodrigues também já presenciou muitas cenas com ônibus quebrados em meio às ruas da cidade. “Os ônibus estão velhos e sempre quebrando. Além disso, temos poucos ônibus e muita aglomeração por causa disso. Fica muito cheio, né? Fora que, às vezes, atrasam muito”, relatou o aposentado.

Contratos emergenciais

As reclamações dos usuários do transporte coletivo de Conquista, em 2021, são as mesmas desde pelo menos 2018, quando a crise do setor se agravou com o cancelamento do contrato com a Viação Vitória. No mesmo ano, em agosto, a Cidade Verde assumiu emergencialmente as linhas de ônibus. Entre abril de 2019 e junho de 2021, mais três empresas foram contratadas, em caráter emergencial, para operar na cidade.

A Viação Novo Horizonte começou a circular no município após a Cidade Verde ter abandonado cinco linhas menos rentáveis. A contratação ocorreu em 14 de abril de 2019. De acordo com a edição extra do Diário Oficial do Município (DOM), sete ônibus e dois micro-ônibus foram locados em um contrato que totalizou R$810 mil. 

No mês seguinte, no dia 24 de maio de 2019, foi a vez da Viação Rosa operacionalizar, por meio da dispensa emergencial nº 28/2019, as rotas inicialmente desprezadas pela Cidade Verde. O valor total do contrato foi de R$1.010.816,50, o que incluiu o aluguel de oito ônibus e dois micro-ônibus por 60 dias. Já em 12 de julho de 2019, a Rosa assumiu todas as linhas do lote 1 do transporte coletivo urbano. De acordo com o DOM, a Prefeitura gastou R$4.421.455,00 com a contratação.

Em setembro de 2020, por meio do Decreto nº 20/513, o então prefeito Herzem Gusmão anunciou o rompimento do contrato com a Cidade Verde e determinou a abertura de uma nova licitação para o transporte coletivo. Mas a publicação do edital só viria a acontecer em 12 de março de 2021, seis dias antes da morte do chefe do executivo. 

Para suprir a demanda deixada pela Cidade Verde, a Prefeitura contratou a Viação Atlântico, em outubro de 2020. No Diário Oficial, consta o valor de R$14.400.000,00 para a locação de 50 ônibus e 10 micro-ônibus por 180 dias.

Entre maio de 2019 e junho de 2021, a Viação Rosa foi contratada oito vezes pelo Executivo conquistense. O valor total do gasto com a empresa é de mais de R$70 milhões. A quantia exata é de R$70.395.225,66. Cada contrato emergencial tem validade de até 180 dias. Após esse período, o acordo pode ser prorrogado até que sejam realizados os procedimentos necessários para a aquisição do serviço por meio de licitação.

Suspensão do novo edital de licitação

Após mais de dois anos operando o transporte coletivo urbano em caráter emergencial, a Prefeitura de Vitória da Conquista publicou, em 12 de março deste ano, o edital de licitação 002/2021 para contratação de novas empresas de ônibus. Entretanto, menos de dois meses depois, no dia 3 de maio, o processo licitatório foi suspenso. Duas empresas do setor, a Amaral Transportes e a Auto Viação Veloz Transportes e Turismo, contestaram a proposta e entraram com pedidos de impugnação do edital.

Entre os questionamentos das empresas licitantes está a falta de dados sobre o quantitativo de passageiros nos últimos 24 meses, período que abarca a pandemia da covid-19. Além disso, as organizações cobraram da Prefeitura a planilha de custos e orçamentos que demonstrem a viabilidade da tarifa de R$ 3,80 e a mudança do valor do salário do cobrador, pré-fixado no edital em R$ 1.089,63, quantia inferior ao mínimo legal.

Um dia após o anúncio da suspensão no Diário Oficial do Município, o executivo publicou uma nota em seu site oficial. De acordo com o ex-secretário de Mobilidade Urbana (Semob), Diêgo Gomes, a Prefeitura precisa realinhar os pontos apresentados no edital. “Tínhamos um estudo pré-fixado e agora as empresas interessadas querem saber como os custos poderão ser compostos a partir do momento da pandemia”, explicou.

O governo municipal informou que a Semob e a Procuradoria Jurídica estão analisando os pedidos de alteração no documento. A previsão era de que o novo edital fosse publicado na quinta-feira, 3 de junho, 30 dias após a suspensão. Mas isso não aconteceu até o fechamento desta reportagem. 

Linhas sociais excluídas

Os pedidos de impugnação não são as únicas polêmicas que envolvem o edital 002/2021. Em 19 de março, os vereadores Luciano Gomes e Ricardo Babão, ambos do PCdoB (Partido Comunista do Brasil), enviaram um ofício ao Ministério Público (MP) pedindo a intervenção do órgão para alterar o documento. O motivo foi a exclusão das linhas de ônibus que atendem as localidades Padroso, Santa Marta, Conveima, Guarani, Lagoa das Flores, Cruzeiro, Campo Verde, Alto Maron, além do trajeto que vai até o Aeroporto Glauber Rocha, localizado na BR-116 – KM 832.

Além de acionar o MP, o edil Luciano Gomes protocolou um requerimento na Câmara Municipal de Vitória da Conquista (CMVC). A matéria legislativa solicita à prefeita Sheila Lemos a inclusão das linhas no edital do transporte público municipal. “Não podemos permitir que a prefeitura dê continuidade a essa licitação que exclui o ser humano, que exclui os mais pobres, as pessoas da zona rural”, disse Gomes na ocasião.

Durante audiência pública da CMVC, no dia 30 de março, moradores do Santa Marta e do Pradoso questionaram a exclusão das linhas e relataram os problemas enfrentados pelas comunidades. “Nós já estamos sofrendo há dois anos. Tem os idosos e cadeirantes que já contam com o passe livre e agora estão querendo tirar esses ônibus?”, indagou Carlos Amaral, representante do Santa Marta.

Usuária do transporte público há 21 anos, todos os dias, Ana Araújo tem que pegar quatro ônibus: dois no período da manhã e outros dois à tarde. O trajeto requer que ela use a linha R24 [Cruzeiro x Centro], uma entre as nove que foram excluídas do edital de licitação suspenso. “Os ônibus têm péssima qualidade, sempre atrasam e, além do mais, são poucos os que circulam. Mas agora, com a exclusão, vai ficar pior”, disse a auxiliar pedagógica.

Lorena Lopes, 20, também será afetada pela decisão de retirar as linhas sociais do sistema de transporte coletivo urbano. Alto Maron, Senhorinha Cairo e Nova Cidade são as linhas que ela utiliza diariamente. “Eu tenho que esperar quase 50 minutos pelo ônibus, sempre atrasa. Vai ser bem ruim [a exclusão da linha] porque a gente depende desse transporte para vir para o Centro e depois voltar para casa”, desabafou.

Kairan Rocha, Secretário de Administração, disse que as linhas retiradas do edital são “aquelas que não dão lucro para a iniciativa privada”.

Em entrevista ao Conquista Repórter, o Secretário de Administração, Kairan Rocha, disse que as linhas retiradas do edital são “aquelas que não dão lucro para a iniciativa privada”. De acordo com ele, a Prefeitura busca um equilíbrio econômico e a exclusão das rotas “faz com que as empresas visualizem com mais bons olhos a proposta do município”.

Segundo o secretário, o plano do Executivo é ofertar as linhas excluídas do novo edital através do transporte alternativo ou complementar, atualmente realizado pelas vans, veículos ainda não regulamentados pelo município. “O que nós queremos fazer é disponibilizar micro-ônibus, que passarão por um processo de regulamentação, equipados com catraca, com opção de pagamento por vale transporte e que serão higienizados e fiscalizados”, explicou.

Transporte complementar

Prevista desde 2017, a regulamentação do transporte alternativo ou complementar realizado pelas vans nunca foi concretizada. No ano de 2018, um edital de licitação chegou a ser publicado pelo então prefeito Herzem Gusmão, mas foi suspenso após recomendação do Ministério Público da Bahia (MP-BA). Na época, os próprios ‘vanzeiros’ foram contra o texto do documento. A exclusão da categoria no processo de construção do edital foi uma das queixas dos trabalhadores.

Três anos depois, em 30 de março de 2021, a Prefeitura abriu uma consulta pública para recolher opiniões e sugestões dos conquistenses sobre a primeira versão do novo edital de concorrência para a prestação do serviço. O formulário esteve disponível até o dia 6 de abril. O documento final será apresentado à população por meio de audiência pública, mas o evento ainda não tem data marcada. 

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Uma resposta para “Com R$85 milhões gastos em contratos emergenciais, transporte público ainda é alvo de queixas”

  1. […] meses ou encerrado antes. A Viação Rosa, opera desde o dia 24 de maio de 2019, e desde então R$70.395.225,66, foram gastos em 8 renovações  de contratos de 180 […]

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