Artigo | Descaso da Prefeitura com o novo cemitério municipal mostra que o racismo ambiental é uma realidade em Conquista

Por - 16 de agosto de 2022

Termo é usado para evidenciar como minorias étnicas são sistematicamente submetidas a situações de degradação ambiental.

A polêmica em torno do novo cemitério municipal de Vitória da Conquista, denominado “Campo da Paz”, está atravessada pelo racismo ambiental. Talvez, alguns setores da sociedade local não abordem o assunto, necessariamente, sob essa ótica. Contudo, o fato de o equipamento ter sido construído praticamente em meio a um aterro sanitário, ao lado de um local onde caçambas da Prefeitura foram flagradas despejando toneladas de lixo e entulhos, não deve ser visto somente como mais um descaso da gestão Sheila Lemos.

A superlotação do Cemitério do Kadija já era prevista. Dessa forma, deveria ter sido providenciado com urgência uma área com condições seguras e adequadas para o sepultamento de cidadãos e cidadãs que são oriundos, em sua maioria, da classe trabalhadora da cidade, formada, principalmente, por pessoas afrodescendentes e de baixa renda. Só quem foi ao novo cemitério pode compreender o quão constrangedor é ter esse lugar como única alternativa para sepultar seus entes queridos.

Enterrar um ser humano numa vala rodeada por lixo, moscas verdes e mau cheiro é, no mínimo, humilhante. Trata-se de um local impróprio, absolutamente diferente do Cemitério Memorial das Acácias, localizado às margens da BA-262, longe de áreas onde são despejados resíduos tóxicos potencialmente nocivos à saúde da população.

Infelizmente, no período de implantação e inauguração do Cemitério Campo da Paz, localizado no bairro Zabelê, na saída para Anagé, essa questão não foi devidamente debatida com a população conquistense pelo governo municipal nem pela Câmara de Vereadores, que não deu a atenção necessária ao assunto. Por isso, entidades do Movimento Negro, a exemplo dos Agentes de Pastoral Negros e Negras do Brasil (APN’s), têm posição crítica sobre a situação e se propõem a analisá-la à luz do conceito de racismo ambiental.

Esse termo foi cunhado na década de 1980 pelo estadunidense Benjamin Chavis, um ativista de direitos civis que fora assistente de Martin Luther King. Na época, a expressão fora utilizada por ele para designar a “discriminação racial no direcionamento deliberado de comunidades étnicas e minoritárias para exposição a locais e instalações de resíduos tóxicos e perigosos, juntamente com a exclusão sistemática de minorias na formulação, aplicação e remediação de políticas ambientais”, conforme aponta artigo do Portal Geledés.

É exatamente isso que observamos na decisão da prefeita Sheila Lemos de construir e manter um cemitério público em uma área repleta de lixo e entulhos. Ao fazer isso, sua gestão institucionaliza uma espécie de racismo que aumenta o fosso que separa ricos de populações afrodescendentes e em situação de pobreza. Afinal, não é a elite conquistense que fará uso desse novo equipamento que, vale destacar, já custa aos cofres públicos mais de R$ 805 mil, cerca de R$300 mil a mais do que o valor inicial previsto para a obra.

A crítica ao Cemitério Campo da Paz dialoga com o conceito de Chavis ao revelar a “correlação entre raça e localização de resíduos tóxicos”. Nesse sentido, a população negra conquistense será, sem dúvidas, a mais prejudicada pelos impactos ambientais ocasionados pelo espaço e pela “exclusão sistemática” que ele gera.

Pergunto: será que o governo municipal não poderia conseguir outra área não contaminada para construir o novo cemitério público? Óbvio que poderia, mas não o fez pelas mesmas razões históricas que quaisquer racistas violam direitos, desumanizam, exploram, expropriam, constrangem, impõem privações e humilham as populações negras no Brasil desde o período colonial, no começo do século 16.

Esse é o mesmo governo politicamente conservador que pratica a criminalização de pessoas afrodescendentes e as expulsam de áreas centrais da cidade. Um governo que parece entender que “gente preta” deve ser confinada em espaço geopolítico pré-definido para confinamento de descendentes de escravos.

Sem nenhuma perspectiva de ascensão intelectual e material na sociedade burguesa, só restaria para a “pretaiada” o confinamento e a invisibilidade em meio a entulhos e resíduos tóxicos. E nesse contexto de dominação do poder econômico, social e político pela classe branca, que diferença faz jogar corpos negros em uma vala no lixão? Aparentemente, para a prefeita Sheila Lemos, nenhuma.

*Herberson Sonkha é um militante comunista negro que atua em movimentos sociais. Integra a Unidade Popular (UP) e o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB). É editor do blog do Sonkha e, atualmente, também é colunista do jornal Conquista Repórter.

Foto de capa: Secom PMVC.

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