“Não existe coisa mais cruel”: funcionários do Hospital de Base denunciam atrasos de salários
Por Karina Costa - 18 de outubro de 2024
A situação afeta terceirizados contratados pela Fundação José Silveira. Outras queixas envolvem atraso no recebimento do complemento salarial, previsto na Lei do Piso Nacional da Enfermagem, do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do pagamento de férias.
“Estou aos prantos, não aguento mais essa situação”. O desabafo é de Miriam Gentil Alvarez, técnica em enfermagem que atua no Hospital Geral de Vitória da Conquista (HGVC). Diante de uma rotina exaustiva de trabalho, que inclui longos plantões e o atendimento direto a pessoas em estado grave de saúde, ela ainda se depara com o atraso recorrente do seu salário. “Imagina você ter filhos em casa sem saber o que vai dar para eles comerem ou não saber o que fazer para pagar as contas. É todo mês isso”, afirma.
Miriam está cansada de se dedicar ao trabalho e não receber o que é seu por direito, mas ela não é a única que enfrenta esse problema. No Hospital de Base, a situação é frequente para muitos funcionários terceirizados contratados pela Fundação José Silveira (FJS), empresa de Salvador que presta serviço para a unidade hospitalar, por meio de contrato com a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab).
Segundo relatos ouvidos para esta reportagem, os técnicos em enfermagem já chegaram a receber seus salários com 20 dias de atraso. Mas esse não é o único direito trabalhista que vem sendo desrespeitado pela empresa contratante. Os funcionários também denunciam atraso no recebimento do complemento salarial, previsto na Lei do Piso Nacional da Enfermagem (Nº 14.434/2022), do valor referente ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), dos salários família e do pagamento de férias.
“Nós já conversamos com o diretor do hospital, tentamos ligar para o RH e, quando a gente entra em contato com Salvador, os funcionários nos atendem numa falta de educação e de respeito, dizem que vamos receber na sexta-feira, e assim passam o mês todinho nos enrolando”, relata a enfermeira Thaís Silva. “No RH de Conquista nunca tem informação, ninguém sabe de nada”, complementa.
A situação se estende por meses e as consequências não são poucas, principalmente para quem depende apenas dessa renda. “São pessoas que moram de aluguel e estão perdendo suas casas. Temos gente com contas básicas atrasadas, de água e luz. Eu tenho uma colega que me relatou que está indo a pé da Vila Serrana até o Hospital de Base porque não tem o dinheiro da passagem”, conta Thaís.
Histórico de atrasos
Ao longo dos anos, a Fundação José Silveira é mencionada em diversas matérias que denunciam irregularidades no pagamento de funcionários. Em 2016, o portal G1 Bahia noticiou a paralisação de 300 trabalhadores terceirizados da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Vale dos Barris, em Salvador. Na localidade, a empresa é responsável pela gestão da UPA, por meio de contrato com a Prefeitura Municipal. Na época, a categoria em protesto alegava atrasos nos recebimentos de 13º salário e férias.
No mês de maio de 2023, também em Salvador, foi a vez do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do Estado da Bahia (SindiSaúde) protestar em frente ao Hospital Santo Amaro, unidade que integra a fundação. Segundo reportagem do site iBahia, a mobilização ocorreu em razão de salários atrasados, da falta de pagamento das férias e da não aplicação de reajuste salarial. Já em outubro e dezembro do mesmo ano, a FJS foi novamente alvo de denúncias que chegaram até a mídia.
Em Vitória da Conquista, em abril e maio de 2024, diferentes meios de comunicação locais deram visibilidade às mesmas reivindicações dos trabalhadores do Hospital Geral. Ao Blog do Sena, profissionais relataram que, mesmo após denúncias no Ministério Público do Trabalho (MPT), a situação se repete mensalmente. “Essa novela continua, funcionários que necessitam de transporte público diariamente, que têm contas e crianças em casa, ficam prejudicados”, afirmou uma fonte anônima à redação.
“Não existe coisa mais cruel”
Meses depois, as mesmas denúncias chegaram ao Conquista Repórter. Além dos prejuízos materiais e financeiros, os atrasos nos pagamentos vem causando danos à saúde mental dos trabalhadores do Hospital de Base. “Isso está provocando doenças psicológicas e pode causar até uma tragédia maior porque chega uma hora que a pessoa entra em um desespero muito grande. Não existe coisa mais cruel do que você estar trabalhando e passando privação”, ressalta a enfermeira Patrícia Sousa.
Outra funcionária do Hospital Geral de Vitória da Conquista, que preferiu não se identificar, destaca que a situação é especialmente difícil para aqueles que possuem filhos. “Quando a gente recebe, vem o salário seco e você precisa ficar escolhendo qual conta pagar. É muito complicado, nós temos filhos que vão para a escola, temos aluguel. É desesperador”, diz a técnica em enfermagem.
Além de não receber os salários e outros direitos trabalhistas de forma regular, os profissionais relatam que não há uma comunicação clara e efetiva da Fundação José Silveira com os contratados. “A gente liga pra um e pra outro, e aí falam que é amanhã ou tal dia. Cria uma falsa esperança. Tudo isso mexe com o psicológico da pessoa”, desabafa Patrícia. Com a empresa sediada em Salvador e os trabalhadores lotados em Vitória da Conquista, o diálogo entre as partes é ainda mais difícil.
Diante da persistência das irregularidades, o que a categoria quer é um posicionamento da empresa contratante. “Queremos saber quando eles vão regularizar a questão do FGTS, das férias, dos atrasos de salário e dos retroativos. A gente quer uma data estabelecida para o recebimento de cada valor. Porque já vieram representantes de Salvador aqui duas vezes e não resolveram nada”, conta Thaís Silva.
Outro lado
O Conquista Repórter solicitou, via e-mail, esclarecimentos da Fundação José Silveira e da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) a respeito das queixas apresentadas pelos funcionários do Hospital Geral de Vitória da Conquista (HGVC). Até o momento da publicação desta reportagem, não obtivemos respostas de ambas as instituições. O HGVC, por sua vez, se limitou a informar que qualquer solicitação deveria ser encaminhada para os representantes da fundação responsável pelos contratos.
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