Larice Ribeiro: “A juventude tem um grande potencial criativo e pode fazer a política acontecer”
Por Victória Lôbo - 6 de maio de 2022
Militante de movimentos sociais e estudantis, Ribeiro luta por políticas públicas para a classe trabalhadora e por melhorias nas universidades. Recentemente, foi eleita coordenadora geral do Diretório Central dos Estudantes da Uesb.
Dirigente do Levante Popular da Juventude, do Brasil Popular e da União dos Estudantes da Bahia (UEB), a itapetinguense Larice Ribeiro foi eleita coordenadora geral da gestão Marielle Franco do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Uesb (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia), em março deste ano. Na instituição, é graduanda do curso de Ciências Sociais no campus de Vitória da Conquista, e há seis anos decidiu ingressar no movimento estudantil.
“Me organizei ali a partir do golpe [que depôs] a presidenta Dilma, em 2016. Foi um ano decisivo na minha história de vida, com uma virada de chave gigantesca. Isso colocou muita coisa em xeque, tanto em relação ao reconhecimento do meu lugar no mundo quanto às percepções do que são as minhas concepções políticas, feministas, populares e de combate às opressões”, conta.
Em entrevista ao Conquista Repórter, Larice falou sobre a atual conjuntura política do país e comentou a participação da juventude em movimentos sociais, estudantis e nas decisões que devem ditar os rumos do país nos próximos quatro anos. Confira:
CR: Há pesquisas que apontam um grande desinteresse de jovens pela política, sobretudo a política partidária. Antes das diversas campanhas que foram promovidas nos últimos dois meses por artistas, organizações e pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE), uma parcela muito pequena desse público havia se mobilizado para tirar o título de eleitor e assim exercer o direito ao voto nas eleições de 2022. A que você atribui isso?
Larice Ribeiro: Esse sintoma que a gente está vivenciando hoje em uma larga escala e de forma muito intensa se alicerçou mesmo entre 2013 e 2016, o ano do golpe. Essa despolitização não é um fenômeno natural. Ela é causada pelo interesse de uma classe, que é, inclusive, a classe dominante, que desestimula o debate público para ter o poder concentrado em suas mãos. E isso acontece a partir do momento em que nós cidadãos não nos enxergamos como seres políticos, delegando essa função para outras pessoas. E é justamente esse o interesse da classe dominante. Exemplo disso são todos esses movimentos que se dizem apartidários, mas que, na verdade, se tornam partidos. Foi o que aconteceu com o MBL (Movimento Brasil Livre), naquele período de 2013. E desde então, não há espaço para o debate, não há espaço para a democracia. É um período de neofascismo na política brasileira.
CR: Recentemente, o Levante Popular da Juventude esteve em escolas públicas de Vitória da Conquista com o objetivo de mobilizar estudantes a tirarem o título de eleitor, cuja data limite foi no último dia 4 de maio. Para você, por que os adolescentes e jovens precisam se engajar na política e nas decisões tomadas para o nosso país?
Larice Ribeiro: Se fizermos uma retomada da história política do Brasil e da América Latina, é perceptível que todas as nossas movimentações políticas e revolucionárias tiveram jovens presentes e à frente [desses movimentos]. É isso que a gente precisa fazer. A gente acredita que a juventude não é só essa fase transitória da vida em que a pessoa está se preparando para ser um adulto funcional para o mercado, um adulto que vai servir ao capital. A gente entende a juventude como uma potência gigante, porque há um número muito grande de jovens em nosso país. Se a gente conseguir olhar por essa perspectiva, veremos que as produções culturais, revolucionárias, políticas, em todo momento onde tem jovem, tem essa movimentação.
CR: Mas você percebe uma dificuldade latente em mobilizar a juventude a se engajar com a política?
Larice Ribeiro: Na verdade, não. A gente não tem uma só forma de fazer política e eu acho que algumas pessoas não conseguem enxergar movimentações políticas em jovens se organizando para pintar uma quadra de esportes, por exemplo. Então, é muito importante reconhecer as potencialidades de organização da juventude fora desse modelinho [de política] que a gente imagina. A juventude tem um grande potencial criativo e pode fazer a política acontecer, pode se organizar, se mobilizar.
CR: Nesse sentido, qual a importância dos movimentos sociais e estudantis em espaços como a universidade pública?
Larice Ribeiro: A universidade não foi criada para ser aberta ao povo, foi criada para os filhos da classe dominante. Mas a gente tem que se apropriar desse espaço. E como é um lugar que não foi desenhado pra mim, mas estou nele, eu preciso fazer que esse lugar seja desenhado para as pessoas que virão. E isso parte de como a gente o ocupa. Por isso, uma reunião de um Centro Acadêmico para debater as pautas que serão discutidas em conselhos superiores da universidade importa tanto quanto uma organização coletiva de um movimento social, que está dentro da universidade também. A meia passagem de ônibus, o restaurante universitário, a residência universitária, todas essas coisas são resultado de muita luta, principalmente do movimento estudantil. Ao longo de todos esses anos, eu acredito que o movimento estudantil tem essa função: não só politizar e promover debates, mas também fazer mudanças estruturais dentro da universidade e fora dela.
CR: Estando no movimento estudantil, você consegue perceber qual é o perfil do jovem que hoje atua ativamente na política?
Larice Ribeiro: Com a democratização da universidade nos governos de Lula e Dilma, inclusive, como resultado das cotas, conseguimos perceber que o público da universidade e do movimento estudantil tem mudado. Hoje, a gente tem uma maioria de jovens que são negros, por exemplo, em nossa chapa do DCE. Ela é constituída, em sua maioria, por mulheres negras. Assim, tem esse recorte de raça, de gênero e classe. Então, à medida que a universidade vai mudando, essa configuração do movimento estudantil também muda. Em outros momentos, ele já foi um movimento constituído por pessoas de classe média, brancas, mas hoje a gente tem essa percepção de que o movimento estudantil tem mudado a sua cara nesses aspectos. A presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Bruna Brelaz, por exemplo, é uma mulher preta e nortista. Quando isso aconteceu em nossa história? A gente tem forjado muitas dirigentes mulheres que estão aí dirigindo os movimentos sociais, os movimentos coletivos.
CR: E como você observa o papel da universidade pública na formação política de estudantes e como esse papel foi ou ainda tem sido afetado, na sua visão, por ideias como as do projeto “Escola Sem Partido”?
Dentro das universidades, a gente sempre tem essas disputas e é uma necessidade disputar, inclusive, os currículos, as nossas formações. A universidade pública tem essa importância de formar professores, principalmente aqui na região Sudoeste. A própria Uesb, por exemplo, tem diversos cursos de licenciatura formando pessoas que formarão outras pessoas. Mas esse movimento do Escola Sem Partido vem muito direcionado de uma bancada de parlamentares de extrema direita, voltada para as necessidades das elites. A universidade tem o seu papel e vem resistindo inclusive a duros ataques de sucateamento, de deslegitimação das formações, de distorção e negação das ciências.
CR: Recentemente, foi eleita uma nova gestão para o Diretório Central dos Estudantes da Uesb, do qual você faz parte. Como vocês pretendem fortalecer a participação dos alunos nas ações e discussões em torno das pautas estudantis e das pautas políticas de modo geral?
Larice Ribeiro: A nossa visão é que o DCE não serve somente como uma estrutura institucional [dentro da universidade]. A gente entende que a nossa luta pra fora da Uesb é tão importante quanto as lutas aqui dentro. Se a gente sofre a perda de um direito de acesso à saúde, vemos esses reflexos aqui também. Se a família de um estudante teve perda de renda, esse estudante é afetado. Então, todas essas questões refletem no cotidiano da universidade e dos alunos como um todo. As lutas não são separadas, elas são completamente integradas. Portanto, vemos a necessidade de um DCE que esteja presente dentro e que também seja referência fora da universidade, fortalecendo as ações dos movimentos sociais, legitimando-as e não criminalizando como acontece em outros espaços.
CR: Mês passado, também houve eleição para a reitoria da Uesb, que, historicamente, sempre foi bastante disputada. Lhe preocupa o fato de apenas uma chapa ter concorrido ao pleito, diferentemente do que aconteceu em anos anteriores, quando pelo menos duas chapas concorriam?
Larice Ribeiro: Sim, o cenário é preocupante e demonstra cansaço e desinteresse da comunidade acadêmica, que acaba escolhendo um lugar mais confortável de crítica. Não podemos ignorar que esses anos de pandemia causaram isso. Muito sobrecarga, e todas essas coisas têm interferência direta no cenário político dentro e fora da universidade. A gente se preocupou com essa questão da eleição da reitoria com chapa única porque isso desestimula o debate, não tem com quem debater, não tem com quem participar. Ainda assim, a gente não deslegitima o processo eleitoral. Ele aconteceu, foi democrático e não vamos nos afastar dessa disputa, do que é o programa político dessa atual reitoria para a universidade. Para além de criticar de forma distante, a gente pretende também apresentar soluções.
CR: Que diferença faz, para uma sociedade como a nossa, eleições diversas, representativas e com altos índices de participação popular?
Larice Ribeiro: Quando temos essa participação, não só de votar, mas de se colocar também nesse lugar de disputa, a gente assume essa responsabilidade. Precisamos não só desse sentido esvaziado e mercadológico de que é bom estar vendo a mulher no poder, mas entender qual é a política dessa mulher que está no poder? Qual é a agenda política dessa pessoa negra que está no poder? Isso vai favorecer o nosso povo? Todas essas coisas importam quando a gente fala de um projeto popular: pensar na autonomia de escolha do povo, de termos oberania sobre todas essas questões de setores importantes e estratégicos para o desenvolvimento nacional do nosso país. Todas essas questões importam.
CR: Para finalizar, você tem algum recado para deixar para o jovem que vai votar neste ano?
Larice Ribeiro: Temos essa possibilidade de escolher os nossos representantes, mas que a gente faça isso com muito senso crítico, porque não existe um cenário ideal, existe a realidade. Então, observando a nossa realidade, é preciso pensar em como a gente pode mudá-la. Temos total potencialidade para isso, porque as coisas que fazemos já são coisas políticas. O fato de mulheres jovens, mulheres que amam mulheres conseguirem se amar, se relacionar, são fatos políticos, são coisas políticas no nosso dia a dia. Então, é só a gente se enxergar como um ser político e se colocar nesse lugar. Por muito tempo, as pessoas acharam que jovens não querem nada com a vida e só encararam essa como uma fase rebelde, como uma fase que vai passar. A gente precisa enxergar, na verdade, que essa rebeldia é necessária porque se esse sistema nos enxerga como rebeldes é porque ele não está funcionando. A gente vai conseguir se organizar e mudar o que está ao nosso redor dentro das nossas possibilidades de fazer política. Votem, mas também vamos nos organizar coletivamente porque as nossas saídas são coletivas. Individualmente, a gente não consegue fazer isso.
*Foto de capa: Acervo pessoal/Larice Ribeiro.
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