Ingrith Oliveira: “Existe beleza e sensualidade em cada uma de nós mulheres”

Por - 25 de abril de 2023

Idealizadora do Ezili Sex Shop, localizado na zona oeste de Vitória da Conquista, a empreendedora e jornalista acredita que a sexualidade está ligada ao autoconhecimento e autoestima.

Na porta de entrada do Ezili Sex Shop, no bairro Brasil, quem me recebe é Ingrith Oliveira. Com as luzes amenas, o licor de maracujá oferecido logo no momento de chegada e uma recepção calorosa, o ambiente já desperta as sensações de aconchego e tranquilidade. Em um espaço muitas vezes considerado proibido ou tabu, o sentimento é de estar à vontade, sem constrangimentos.

Ao me oferecer as boas vindas, Ingrith veste roupas na cor preta, reflexo de sua elegância e sofisticação. Na boca, um batom vermelho cereja, e os cabelos afro soltos que evidenciam a autoconfiança da jornalista formada pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), empresária e dona do estabelecimento localizado na zona oeste de Vitória da Conquista.

Sua desenvoltura está intimamente ligada à sua conexão com a deusa haitiana Erzulie, padroeira das mulheres, do amor e da paixão que potencializa a energia sexual feminina. No peito, Ingrith carrega esses mesmos preceitos, na intenção de mostrar para as mulheres que elas podem se sentir bem consigo mesmas, buscar o próprio prazer e olhar de forma sensível e gentil para suas histórias. 

No entanto, nem sempre foi assim para a empresária. Ela precisou passar por um processo de autodescoberta sexual. Nascida em Vitória da Conquista, no berço de uma família conservadora, ela encontrava barreiras diante da possibilidade de despertar para o autoprazer. Apenas na fase adulta entendeu que não deveria se culpar por gostar de sexo e passou a se aprofundar no assunto, até chegar a conclusão de que nasceu para ajudar outras pessoas a também se libertarem de seus medos. 

A jornada para tornar essa missão possível não foi rápida nem fácil. Segundo Ingrith, desde cedo tinha vontade de empreender, herdada pelo convívio com o pai, Erisvaldo Cerqueira, representante comercial que a levava nos eventos da empresa em que trabalhava. Mas ela precisou vender doces, tiaras de cabelo, cursar Jornalismo e até mesmo trabalhar em uma revista por dois anos para descobrir o que realmente gostaria de fazer: comercializar vibradores, lingeries, lubrificantes e outros produtos íntimos.

Hall de entrada do Elizi. Foto: Conquista Repórter.

Em 2019, foi aprovada em um concurso público para trabalhar em uma policlínica da região, onde, segundo ela, assinou sua sentença de desgaste mental. Nesse período, nasceu o Ezili Sex Shop, fruto de sua dedicação e da necessidade de se libertar de um trabalho exaustivo. No entanto, num primeiro momento, a empresária precisou conciliar as duas atividades, trabalhando incansavelmente para manter o sex shop de portas abertas. “Eu trabalhava sem parar para não deixar o Ezili morrer”, afirma. 

No ano seguinte, durante o período de isolamento ocasionado pela pandemia da covid-19, Ingrith tomou a decisão de seguir apenas com seu empreendimento, que completou quatro anos no último dia 19 de abril. Com um sorriso largo no rosto, faz questão de ressaltar, durante nossa conversa, que o Ezili existe não somente graças a ela, mas também à dedicação de seu parceiro, o mixologista Vinicius Santos, com quem compartilha a vida e as responsabilidades na loja desde 2020.

“A gente tem muitos tabus que envolvem a sexualidade masculina e Vinicius veio somando nisso, até mesmo para mostrar a outros casais que a vida sexual pode ser muito mais divertida, pode ser muito mais leve”, conta a jornalista e empreendedora.

Desde a sua criação, o Ezili Sex Shop vem quebrando barreiras e abrindo janelas para que pessoas de todos os gêneros e idades se enxerguem de maneira única e especial. Não é à toa que a mãe de Ingrith, Juscelia Reis, aos 47 anos, e sua avó Elezenita Reis, aos 73, tenham descoberto, a partir do sex shop, um entendimento muito maior sobre suas próprias sexualidades.

Com brilho nos olhos, a empresária revela que a mãe e a avó foram se descobrindo com o passar do tempo, e hoje são as maiores fãs e apoiadoras do Ezili, participando de eventos e falando abertamente sobre assuntos que antes consideravam tabus. “É assim que eu quero que as pessoas enxerguem o Ezili, como um espaço para falar sobre sexualidade de forma natural, como deve ser”, diz. 

Além de administrar o sex shop, Ingrith faz pós-graduação em sexualidade humana pela Faculdade Faveni, com a intenção de adquirir conhecimentos mais específicos na área e aplicá-los no Ezili. Enquanto estávamos sentadas nas poltronas laranjas da loja, ela revelou que um dos seus maiores desejos é ver o empreendimento alcançar pessoas além de Vitória da Conquista. Até o momento, são oferecidos atendimentos presenciais apenas no município, mas entregas são realizadas para todo o Brasil

Ainda durante a entrevista, a empresária falou mais profundamente sobre a relação das mulheres com a própria sexualidade, a libertação do corpo e da autoestima durante o processo de autodescoberta, e o que o Ezili Sex Shop tem feito para ajudar cada vez mais pessoas a se sentirem bem consigo mesmas. Confira:

CR: Segundo a pesquisa “A Revolução do Prazer”, conduzida pela sex tech Lilit em 2020, apenas 30% das mulheres atingem o clímax durante a relação sexual. Na sua opinião, por que as mulheres ainda sentem receio em conhecer seus próprios corpos e quais seriam os melhores caminhos para quebrar esse tabu? 

Ingrith Oliveira: Eu fui criada numa religião muito conservadora e conhecer o próprio corpo era ir contra Deus, era pecaminoso. Eu lembro que me senti suja após a minha primeira relação sexual. Então, como é que a mulher trabalha o prazer vendo ele de forma tão negativa? A gente tem a nossa relação com o prazer muito reprimida, muito conturbada, porque a gente não pode se tocar, não podemos nem olhar ou lavar a vagina. Se você fosse lavar, existia até medo de romper o hímen. Então, antes mesmo da mulher chegar a sentir o prazer, é preciso quebrar todas essas objeções que a fazem enxergar a sexualidade e as vivências sexuais de forma tão negativa. Os dados refletem essa falta de autoconhecimento, da mulher pegar um espelho para ver onde fica o clitóris, ver como funciona a anatomia e como ela gosta de ser estimulada. Eu gosto de me aprofundar nessa questão, porque acredito que a descoberta do prazer vem de dentro para fora. Quando eu digo que é importante a mulher se tocar, quero dizer que é necessário que exista um autoconhecimento, de dentro pra fora, para depois ir quebrando as objeções. Isso começa a partir do modo como a mulher se olha no espelho e como ela se enxerga no mundo, porque autoconfiança e autoestima também permeiam o prazer. Logo, quanto mais a mulher está confiante, mais ela se sente à vontade para achar o próprio prazer. 

CR: No Brasil, muitas mulheres não se sentem confortáveis com o próprio corpo, visto que segundo pesquisa do instituto Sophia Mind, 56% delas não estão satisfeitas consigo mesmas. O que o Ezili tem feito para desconstruir essa percepção de insegurança que ainda existe em nossa sociedade?

Ingrith Oliveira: Muitas mulheres dizem pra mim que não conseguem se relacionar abertamente com seus parceiros. Mesmo depois de ter uma certa intimidade, elas não se aprofundam nisso por não se sentirem bem com seu corpo, por acharem que aquele corpo não é o ideal, e pasmem, mulheres que também têm um corpo dentro do padrão trazem essas inseguranças aqui pra mim, porque às vezes não é só o físico. Elas escutaram coisas que as machucaram e isso reflete na necessidade da mulher provar ser “boa de cama”. Essa necessidade de se provar ser suficiente é muito forte e vem desde nossa infância, e não dá para falar de sexo e autoestima sem nos voltarmos para os nossos contextos. Além disso, é importante salientar que existem grupos que vivem isso de forma muito mais intensa. Eu, por exemplo, sou mulher negra e preciso me provar suficiente o tempo inteiro. Então, quando a gente vai aprofundar isso em grupos de mulheres negras, mulheres gordas, mulheres da comunidade LGBTQIA+, existe essa necessidade de provar para o mundo que elas são capazes. Isso porque a gente já espera que o outro não nos olhe com afeto, logo, não dá para trabalharmos autoestima e inseguranças de forma generalizada, apenas falando para a pessoa que ela precisa se aceitar, porque isso é muito superficial. 

Nessas situações que envolvem a mulher é preciso entender como ela foi criada, como foram suas relações afetivas e até mesmo o que ela escutou na infância. Na minha, por exemplo, eu era considerada a menina mais feia da sala. Assim como eu, muitas mulheres escutaram coisas horríveis em sua infância, e não dá pra tratarmos a sexualidade agora, na vida adulta, sem voltar pra nossa história, sem voltar para as nossas questões durante a vida escolar, que, muitas vezes, é quando nossos principais traumas ficam marcados em nós. Aí essa mulher chega num momento de maior intimidade, quando está nua na frente de outra pessoa, ela não vai saber lidar com isso. Se não voltar lá atrás e refazer tudo isso, ela não vai poder lidar com seus traumas e inseguranças.

No Ezili, eu converso de uma forma mais próxima da mulher, sem formalidade, justamente pensando em mostrar que a sensualidade dela é única. Por isso, eu tento trabalhar com ela a diversidade, mostrando que existe beleza e sensualidade em cada uma de nós. Além de trabalhar isso no nosso contato diário e no Instagram, é algo que eu faço nos meus eventos, nos encontros femininos, nos quais a gente reúne mulheres diferentes para mostrar suas potencialidades de forma dinâmica, fazendo brincadeiras que envolvem espelhos e o olhar para si. Então existem várias formas de trabalharmos essas inseguranças, despertando na mulher a sensação de que ela pode se sentir especial sendo ela mesma. 

CR: A divulgação do Ezili Sex Shop é voltada para a libertação do corpo e a autoestima, e você, inclusive, mostra seu próprio corpo nas divulgações dos produtos. Como você se sente ao fazer isso? E qual a importância das mulheres verem corpos cada vez mais reais sendo representados?

Ingrith Oliveira: A princípio, quando eu trabalhava somente com mulheres, eu tinha muito receio disso ser absorvido de outra forma. Quando a gente fala de insegurança na mulher, é preciso considerar várias vertentes, inclusive em relação ao ciúme dos namorados e maridos, então, eu tinha medo delas entenderem que eu estava fazendo as fotos e vídeos apenas para me exibir. Eu sei que muita gente deve acreditar que eu faço isso só para me mostrar, mas tudo bem, não se pode agradar todo mundo. Eu gosto muito de me exibir na tela para mim mesma para enxergar o quanto eu sou bonita e gostosa. No Ezili, isso também acontece de uma forma muito natural e eu respeito os meus limites.

Então, logo nos primeiros dias em que eu comecei o Ezili, fui estudando ainda mais para falar com propriedade sobre o assunto. Eu acredito que quanto mais se estuda, pratica e se abre para novas vivências, mas se consegue dividir aquilo. Aqui, eu divido minhas experiências reais, não invento histórias ou situações. Se eu trago uma exposição de um produto para minhas clientes, às vezes até ilustrando o produto, é porque aquilo funcionou pra mim ou porque outras pessoas me trouxeram essas experiências e eu quis dividir com elas dessa forma. Nesse sentido, na parte das lingeries, da disposição ali que tem meu corpo, tem essa função mesmo de mostrar pra outras mulheres que elas podem ser sexy, que elas podem ser sensuais do jeito que elas são.

CR: Como é para você, enquanto mulher e empreendedora, ver mulheres conquistenses à procura dos produtos da Ezili Sex Shop e descobrindo o próprio prazer?

Ingrith Oliveira: Nós temos muitos tabus em Vitória da Conquista, uma vez que esta é uma cidade muito conservadora. Apesar do nosso atendimento ser individualizado, muitas mulheres ainda têm vergonha de vir até a loja e não se sentem à vontade sendo vistas. Nós até nos preocupamos em não colocar o nome sex shop na fachada da loja, mas ainda não foi o bastante. Assim, eu espero que, em algum momento, as pessoas não se preocupem tanto com o que os outros estão pensando. Enquanto esse momento não chega, a gente trabalha essa insegurança de uma forma leve e sem vulgaridade, respeitando o espaço e a privacidade das clientes.  

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