“HandsPlay”: startup conquistense lança serviço de streaming 100% acessível para pessoas Surdas

Por - 24 de março de 2023

A plataforma já conta com mais de 40 produções audiovisuais em seu catálogo, todas com interpretação em Libras.

Garantir o acesso de pessoas Surdas ao entretenimento audiovisual de qualidade. Esse é o principal objetivo da HandsPlay, plataforma de streaming inteiramente adaptada com interpretação em Libras para séries, longas e curtas-metragens. O serviço, lançado no último dia 14 de março, é fruto de uma parceria da startup conquistense Mãos Tagarelas com produtores audiovisuais da Bahia e de todo o Brasil.

Inicialmente, estão sendo disponibilizados cerca de 40 filmes na plataforma, mas outros 90 devem ser inseridos em breve no catálogo. Um dos seus diferenciais é que cada personagem das obras disponíveis recebe um intérprete de Libras diferente, com base no gênero do ator em cena. O profissional que realiza a tradução para a língua de sinais aparece em evidência no vídeo, ficando ao lado da tela.

Essa medida foi adotada para assegurar que a pessoa Surda possa captar as emoções e gestos encenados nas produções. “A interpretação é construída coletivamente sempre visando a melhor compreensão possível para os Surdos”, diz Bruna Karoline Vasconcelos Oliveira, socióloga e intérprete de Libras na HandsPlay. 

Apesar do público-alvo do serviço ser a comunidade Surda, a plataforma também será um espaço de aprendizado para estudantes de Libras, que poderão compreender como as sinalizações são feitas, além de colegas, amigos e até mesmo familiares de pessoas Surdas, que podem ajudar na inclusão social do indivíduo. 

Pelo menos um filme, série ou documentário será lançado por semana na plataforma, e os usuários terão acesso às obras de forma gratuita até o dia 14 de abril. Após esse período, serão oferecidas três modalidades de assinatura, com valores que variam de R$10,90 a R$12,90.

Uma série de desafios 

A HandsPlay surgiu da inquietação do professor de Libras Aisamaque Souza, idealizador da Mãos Tagarelas. Ainda em 2010, quando a TV e o Cinema dominavam a cena audiovisual no Brasil e no restante do mundo, ele percebeu a falta de acessibilidade para pessoas Surdas nos serviços de mídia que mal começavam a despontar no mercado.

“A finalidade maior da HandsPlay é a causa da pessoa Surda, porque, durante muito tempo, essa comunidade não teve acesso às obras audiovisuais em sua língua. Então, muitos apenas visualizavam a informação mas não a materializavam para sua realidade”, explica Aisamaque. 

Segundo dados coletados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2022, estima-se que há cerca de 2,3 milhões de pessoas com deficiência auditiva ou com algum grau de surdez no Brasil. Mesmo diante dessa quantidade abundante, ainda não há uma lei que exija a interpretação de Libras para essa população nas plataformas digitais de mídia.

Ainda no ano passado, a senadora Mara Gabrilli (PSDB) apresentou o projeto de lei n° 247/2022, que busca regulamentar a aplicação das normas do Estatuto da Pessoa com Deficiência aos serviços de compartilhamento de vídeos pela internet. A intenção é que as empresas do setor passem a oferecer recursos de acessibilidade de forma efetiva, como janela de Libras, closed caption e audiodescrição. No entanto, até o momento, a proposta não foi votada. 

Para Lucas Silva de Oliveira, bacharel em Sistemas de Informação e um dos desenvolvedores da HandsPlay, é imprescindível que mais plataformas de vídeo ofereçam recursos de acessibilidade para pessoas Surdas. “Atualmente, o streaming é bastante relevante, até mesmo para o Surdo participar de conversas entre grupos. Por isso, é preciso começar a pensar mais nas pessoas com deficiência”, afirma. 

Para atender a essa necessidade, a HandsPlay se lança no mercado como uma das principais startups que atendem pessoas com deficiência auditiva. Mas, para tornar isso possível, além dos intérpretes de Libras responsáveis pela tradução, o serviço também conta com uma equipe de avaliação do conteúdo, composta por pessoas Surdas que analisam minuciosamente a qualidade das interpretações.

O cuidado com a Handsplay também fica por conta das equipes de desenvolvimento e de montagem do sistema, que garantem sua funcionalidade. As orientações para o trabalho de interpretação das obras na língua de sinais e a edição de vídeos fica a cargo de Aisamaque. Segundo ele, as pessoas que estão inseridas no projeto têm muita humildade e boa vontade, visto que a startup ainda não alcançou a sustentabilidade financeira. 

O professor também conta que ainda há preconceito em relação ao projeto, visto que há quem não enxergue o real propósito de todo o trabalho e dedicação por trás da empresa. “Muitas vezes, somos mal interpretados. Algumas pessoas acham que a HandsPlay foi feita para eu me exaltar, mas é o contrário disso. É para exaltar somente a causa das pessoas Surdas”.

Audiovisual regional acessível 

Mesmo diante das dificuldades, a Mãos Tagarelas buscou unir esforços para levar o melhor conteúdo audiovisual acessível à população Surda através da HandsPlay. Para tanto, firmou parceria com a Ato3 Produções a fim de apresentar o streaming ao público durante a 2ª Semana de Projeção REC Conquista, cujo objetivo é democratizar o cinema produzido em Vitória da Conquista e na região do Sudoeste da Bahia.

No dia 14 de março, data de encerramento do evento, foi realizada uma sessão acessível do filme “Alice dos Anjos”, de Daniel Leite Almeida, para pessoas Surdas, ensurdecidas e cegas, com tradução em Libras e audiodescrição. Na ocasião, representantes da Mãos Tagarelas anunciaram o pré-lançamento da plataforma, bem como a inserção dos seguintes filmes: “Final de Linha”, dirigido pelos Irmãos Christofoli; “O bom repórter”, de Leandro Lefa; e o curta-metragem “Passarinho”, do diretor Vinícius Pessoa, que teve seu filme exibido durante a programação da REC Conquista. 

Para Daniel, que também é diretor executivo da Ato3, a HandsPlay é um projeto de grande impacto social. “Quando a gente fomenta uma produção inclusiva e democrática, estamos exercendo nosso papel enquanto cidadãos”, diz. Ele ainda destaca que serão adicionadas cada vez mais produções conquistenses de qualidade no streaming.

“Acredito que podemos esperar cada vez mais de Conquista dentro da plataforma, e filmes de altíssima qualidade, das produções que foram exibidas na 2ª Semana de Projeção. Uma parte significativa delas logo vai estar disponível na HandsPlay”, finaliza. 

Um marco para a comunidade Surda

Desde o pré-lançamento, diversas pessoas que fazem parte da comunidade Surda já tiveram a oportunidade de acessar o streaming e assistir aos filmes disponíveis. Dentre elas, está a professora da rede municipal de ensino e estudante de Libras, Thereza Matos, que resume a experiência com as seguintes palavras: “emoção duplicada, sendo ouvinte e me sentindo, ao mesmo tempo, partícipe da comunidade Surda, sob a perspectiva do universo da cultura, da educação e do entretenimento”.

Já a professora Josineide Blandino dos Santos, ao pensar em acessibilidade para as pessoas não ouvintes, chegou a conclusão de que a HandsPlay é uma das coisas que essa população deseja e necessita. “Quando pensamos em acessibilidade para Surdos, é isso que queremos, que em todos os ambientes eles se sintam acolhidos e entendidos, e essa iniciativa da HandsPlay é de uma grandiosidade inquestionável”, pontua. 

Interface da plataforma. Imagem: Reprodução / HandsPlay.

Apesar dos feedbacks positivos, Aisamaque Souza garante que a plataforma será aprimorada e expandida. Ele conta que a Mãos Tagarelas tem a pretensão de contratar intérpretes de Libras de cada região do Brasil para valorizar o aspecto linguístico de cada local, respeitando suas respectivas sinalizações. 

Além disso, o professor também conta que a HandsPlay tem como um de seus objetivos futuros financiar obras realizadas por pessoas Surdas, com personagens e atores que fazem parte da comunidade. “Eu acho que a gente tem que fortalecer ainda mais essa questão dentro de Conquista e das regiões para expandir para o mundo, porque a causa dos Surdos tem que ser valorizada”, afirma.

Para fazer parte de todo esse processo, as pessoas interessadas podem se cadastrar na plataforma e acompanhar as novidades pelo Instagram da HandsPlay. A divulgação dos filmes, séries e documentários que serão adicionados semanalmente ao catálogo também ocorrerá de forma inclusiva, com interpretação de Libras para falar sobre cada história em formato de vídeo. 

Sobre a Mãos Tagarelas 

A Mãos Tagarelas começou a ser idealizada em 2010. Sua principal missão é desenvolver tecnologias e projetos para tornar o mundo mais acessível e inclusivo para pessoas Surdas. A empresa se classifica como uma edtech, ou seja, se dedica a desenvolver soluções inovadoras para a educação, tendo a tecnologia como principal ferramenta.

Além da HandsPlay, a startup realiza outros projetos como o podcast “Tagarela Cast”, que traz reflexões sobre a realidade do intérprete de Libras e a Biblioteca do Aisa, que dispõe de conteúdos para facilitar a aprendizagem da língua de sinais. Também são oferecidos cursos verticalizados de Libras nos níveis básico, intermediário e avançado, além do Ebook “Como Estudar a Libras por revisão”, escrito por Aisamaque.

Foto de capa: Reprodução / HandsPlay.

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Uma resposta para ““HandsPlay”: startup conquistense lança serviço de streaming 100% acessível para pessoas Surdas”

  1. Tiago Mota disse:

    Um super projeto que trás a tona uma proposta social incrível! Belíssimo trabalho.

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