Artigo | É possível resumir em palavras o que é a Bahia?
Por Herberson Sonkha* - 20 de janeiro de 2025
O estado é movido pela energia de um povo que não se entrega às adversidades. Não é um lugar que se possa descrever, é uma subjetividade que só pode ser sentida.

Era dezembro de 2024 quando retornava de uma viagem a Brasília, após participar de uma Conferência Nacional de Saúde. Meu voo tinha como destino final Vitória da Conquista, mas fazia uma conexão em São Paulo. Acomodado na poltrona, comecei a ouvir duas pessoas conversando sobre a Bahia.
Uma delas, visivelmente interessada, esforçava-se em explicar para a amiga o que é a Bahia. Percebi rapidamente que a ouvinte era alheia à baianidade, provavelmente por ser de outro estado, mas demonstrava curiosidade em compreender o que a Bahia representava.
Curiosamente, o diálogo se assemelhava a um monólogo. Apenas uma das pessoas falava, enquanto a outra, talvez por respeito ou falta de referências, ouvia atenta. Não havia qualquer traço de desrespeito ou preconceito, no entanto, o desconhecimento sobre a Bahia era evidente. A explicação parecia girar em círculos, sem jamais alcançar a essência do que realmente é ser baiano.
Aquela situação me intrigou profundamente. A tentativa de traduzir algo tão vasto e subjetivo como a Bahia parecia semelhante a entregar um pandeiro a alguém que jamais presenciou uma roda de samba e pedir que explicasse o que é a embolada. A Bahia, assim como o som do pandeiro, não é uma simples narrativa, é algo que só pode ser vivido, sentido.
Essa experiência ficou gravada em minha memória e me fez refletir. Senti a necessidade de escrever sobre a Bahia, buscando, ainda que de forma limitada, capturar sua alma. Assim nasceu este texto, um monólogo de um baiano tentando responder a seguinte pergunta: “o que é a Bahia?”
O que é a Bahia?
Você quer saber o que é a Bahia? Pois bem, meu caro, feche os olhos e permita-me conduzi-lo por essa jornada. A Bahia não é apenas um ponto no mapa, é um estado de espírito, uma pulsação que ecoa no coração de quem vive, de quem passa e até de quem só ouve falar.
A Bahia não é só geografia, é história esculpida no suor, no tambor, na fé e no sorriso de seu povo.
Imagine uma avenida onde o mundo inteiro se encontra, onde a alegria não pede licença e a tristeza não se atreve a entrar. Esse é o Carnaval de Salvador. Não é apenas festa. É a Roma Negra, o maior espetáculo popular do planeta. Aqui, o trio elétrico não toca, ele fala, grita e traduz quem somos: celebração e resistência. Quando o timbau chama, é como se os deuses do som estivessem entre nós, reverberando na alma de todos.
E a fé? Ah, na Bahia, a fé tem cheiro de alfazema e sabor de caruru. Deus não habita apenas nas igrejas. Ele dança no samba de roda, canta nas rezas e caminha com um milhão de fiéis rumo ao Bonfim, debaixo de sol ou chuva. O sagrado está no chão que se pisa, no ar que se respira e no mar que abraça a terra.
A música? O som de um arame, uma cabaça e um pedaço de pau vira poesia. É o berimbau, a voz da capoeira, o canto de luta e liberdade. Na Bahia, cada acorde tem uma história, cada melodia carrega o DNA de sua gente. Caetano, Gil, Mariane de Castro, Margareth Menezes, Ilê Ayê, Missinho, Armandinho, Dodô e Osmar, Filhos de Gandhy, Olodum, Moraes Moreira, Dorival e família Caymmi, Ivete, Banda Reflexu’s, Psirico, Chiclete com Banana… Aqui, música é identidade, é expressão de quem somos.
Mas a Bahia não é só Salvador. Ela é recôncavo, sertão, litoral e chapada. É o som da maré em Itacaré, o silêncio das montanhas na Chapada Diamantina e o grito do vaqueiro no semiárido. É o cheiro da moqueca na panela de barro, do café coado nas fazendas, o balanço suave da rede no quintal e a brisa salgada que vem do mar.
A Bahia também é poesia. Quando penso nela, lembro de Castro Alves: “A praça é do povo, como o céu é do condor!”. É isso! A Bahia é praça, céu e condor. É liberdade cantada em versos e vivida em cada esquina.
Na Bahia, a força de trabalho é como o pulsar de seus tambores: incansável e vibrante. Não se engane pelo sorriso fácil e pela ginga leve do baiano. Aqui, a vida é árdua, a labuta é diária, e o trabalho atravessa campos, ruas e mares.
Este estado, maior que a França, é movido pela energia de um povo que não se entrega às adversidades. No campo, mãos calejadas cultivam cacau, mandioca e café, enquanto nas cidades, braços incansáveis carregam o peso do dia a dia, seja em feiras lotadas, no comércio, na pesca ou em incontáveis formas de trabalho informal que sustentam famílias inteiras.
E as festas? Ah, na Bahia, até elas são trabalho. O Carnaval, que para muitos parece apenas folia, é fonte de renda para milhares de pessoas: ambulantes, costureiras, eletricistas, músicos, seguranças, cozinheiros. Trabalha-se intensamente para transformar celebrações em espetáculos que movem a economia.
Aqui, o suor do trabalho é acompanhado pelo som de risos, batuques e canções. Não se trata de ócio, como querem os preconceituosos, mas de um viver que mistura esforço e alegria, onde cada dança e cada canto são, também, uma forma de resistência e de sobrevivência. É na Bahia que o trabalho encontra a música e o cansaço ganha força no compasso do tambor.
Quer entender a Bahia? Não tente reduzi-la a palavras. A Bahia é sentida, vivida, experimentada. É o povo que transpira alegria, exala poesia e se banha na história. Aqui, cada rua tem um ritmo, cada esquina uma história, cada sorriso é uma celebração da vida.
Se você nunca veio, não se preocupe. Um dia, ao pisar em solo baiano, você vai entender. Ou melhor, vai sentir. E, então, nunca mais será o mesmo.
*Herberson Sonkha é um militante comunista negro que atua em movimentos sociais. Integra a Unidade Popular (UP) e o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB). É editor do Blog do Sonkha e, atualmente, também é colunista do jornal Conquista Repórter.
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