Artigo | As eleições municipais de 2024 e a necessidade de aquilombarmos a política

Por - 22 de julho de 2024

O nosso voto é sobre a vida - enquanto existência - e o destino de cada grupo que historicamente sofreu e sofre as mais diversas violências.

Estamos às vésperas de mais um período eleitoral. Por isso, venho reforçar aqui nessas linhas (texto inicialmente escrito para estudantes quilombolas e indígenas universitários) o quanto este é um momento CRUCIAL para as nossas vidas. De acordo com o ‘senhor gugol’ (Google), a definição de CRUCIAL é: “algo fundamental para a existência, o que é importante para o DESTINO de algo ou alguém”. Essa também poderia ser a definição cabal de política.

É possível dizer que já percebemos o quanto a POLÍTICA é fundamental, porque ela está no fundamento da garantia de tudo o que precisamos para viver. Triste é quem acha que não seja assim.

Dias atrás, eu sugeri ao meu sobrinho adolescente que fizesse um exercício de reflexão. Ele gosta muito de assuntos relacionados à política. Mas eu quis chamá-lo à atenção para algo que nos é cotidiano. Me parece que convivemos com dois tipos de mídia jornalística: uma, focada no sangue derramado, dando uma cor aos ditos “culpados”, e peso de aço à solução, sem nenhuma análise sobre qual seria a razão de tudo aquilo. E outra, talvez por considerar o lugar da ciência em nossa existência moderna, apresenta o olhar de especialistas, que quase sempre representam uma instituição, a exemplo de universidades.

Portanto, sugeri ao meu sobrinho atentar-se para o quanto a universidade pública é um desses espaços estratégicos. É um lugar de pesquisas, invenções, inovações, descobertas e até esperanças para superarmos os problemas mais críticos que teimam em abreviar a nossa existência. E, consequentemente, é um espaço que desperta o ódio de uma classe de políticos. Eles odeiam esta instituição porque a temem, da mesma forma que detestam as políticas de cotas e tentam destrui-las.

Mas, voltando a falar sobre o período eleitoral, as eleições municipais são as mais importantes na vida de uma democracia, em uma república federativa como a do Brasil. Nenhuma pessoa é eleita para a Câmara de Vereadores de qualquer município sem estar ligada a algum deputado estadual ou federal. E, por conseguinte a um senador ou senadora.

As eleições municipais de 2024, provavelmente, para o presente e o futuro de nosso país, são muito mais importantes do que foram as eleições na União Europeia, ou serão as próximas eleições na Venezuela, nos próximos dias, ou, na véspera do meu aniversário, nos Estados Unidos.

A democracia é uma construção cotidiana. E dela participamos o tempo todo. Inclusive, quando nos isentamos, lavando as mãos, tirando o corpo fora. Mas, principalmente, quando passamos a compreender que a vida clama por um posicionamento em sua defesa. Então, fica esse convite: apaixone-se pela POLÍTICA. Caso não seja possível apaixonar-se, desenvolva o AMOR pela vida comunitária e social.

Nesse apaixonar-se pela POLÍTICA está a nossa consciência de que somos e pertencemos a grupos que historicamente sofreram e sofrem as mais diversas violências: trabalhadores, mulheres, negros, negras, indígenas, favelados, periféricos, LGBTQIAPN+, quilombolas, pessoas com deficiência, ciganos, imigrantes refugiados, migrantes forçados da indústria da seca, juventude, integrantes das religiões afro-brasileiras, desempregados, estudantes universitários, estudantes secundaristas, crianças, adolescentes, idosos. O seu voto é sobre a vida – enquanto existência – e o destino de cada um desses grupos. Sobre o seu direito à vida em plenitude. Sobre os direitos dos seres humanos e da própria vida que nos rodeia.

O seu voto decidirá se teremos um município que cuida dos mais pobres ou que só faz atender aos interesses dos abastados. A democracia só será real em nosso país quando tivermos representatividade nos parlamentos, nos “lugares de fala” e de decisão das nossas vidas, que são as câmaras legislativas, de vereadores, de deputados e de senadores. Por isso, a pergunta que não quer calar é: quem é a candidata negra e do campo progressista (antifascista) que você irá apoiar nas eleições de 2024?!

A política é que nos levará para a vida ou para o abismo. A política é que nos levará para a democracia ou para o fascismo. Não é uma mera escolha pautada em critérios estranhos a nós. Da mesma forma que se escolhe seguir ou cancelar um perfil, a nossa posição frente à politica diz muito sobre como cada pessoa vive a sua vida e o que dela espera. Nossos antepassados sofreram todo tido de violência, incluindo a escravidão que é, ao final, a retirada de toda a liberdade de escolha. Mas, também resistiram e criaram outras formas de viver e estar no mundo, as quais demos o nome, no Brasil, de QUILOMBOS.

De tão crucial, a política, em uma democracia representativa e participativa, apresenta-se também como uma encruzilhada de caminhos. Não é possível querer uma sociedade mais democrática e igualitária e, contraditoriamente, votar em quem está alinhado aos poderes que tentam retirar os direitos duramente conquistados.

Então, que nos próximos dois meses, tenhamos coragem de fazermos escolhas que representem os mais potentes valores que nos fizeram chegarmos vivas e vivos até aqui. Nossos antepassados fizeram a sua parte: construíram quilombos, uma outra realidade possível.

E nós, qual será a nossa contribuição política para a transformação da realidade?! Como vamos aquilombar, enegrecer e diversificar a política em nossos municípios, em nosso país, em nosso mundo? Sim, crucial, “para ontem”, é o movimento de aquilombarmos a política.

*Flávio Passos é mestre em Ciências Sociais, professor da Rede Pública Estadual de Ensino da Bahia, e secretário de Combate ao Racismo no Diretório Municipal do PT de Vitória da Conquista.

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