Artigo | A população não pode ser responsabilizada pela negligência da gestão municipal com a dengue
Por Herberson Sonkha* - 27 de fevereiro de 2024
A epidemia não encontrou na cidade apenas as portas totalmente escancaradas, como também o Poder Público despreparado para lidar com a situação.
Os alertas das autoridades sanitárias brasileiras sinalizam mais um possível cenário epidêmico no país. Todos os dias boletins epidemiológicos informam a sociedade sobre os níveis altíssimos de proliferação da dengue, chikungunya e zika. Em Vitória da Conquista, esses altos índices tem a ver com a facilidade para a propagação de vetores das arboviroses e a sobrecarga na rede pública de saúde por conta do adoecimento acelerado da população.
No município, registrou-se 2.742 casos notificados de dengue, sendo 564 confirmados e dois óbitos, segundo o boletim divulgado pela Secretaria Municipal de Saúde na última segunda-feira, 26. O que parece é que a epidemia não encontrou na cidade apenas as portas totalmente escancaradas, como também o Poder Público despreparado para lidar com a situação. O governo municipal deliberadamente deixou a população vulnerável às ameaças das arboviroses.
Embora a Prefeitura tenha resolvido falar timidamente sobre os riscos dessas doenças, não foi erguida nenhuma barreira sanitária. As rotineiras medidas de controle de endemias jamais foram desenvolvidas preventivamente. Mais especificamente, a gestão municipal do SUS não realizou mais do que 30% de ações preventivas para tentar barrar a proliferação da dengue, chikungunya ou zika. Não fez nem mesmo duas visitas às unidades residenciais e comerciais do município, quando o Ministério da Saúde recomenda a realização de no mínimo seis visitas anuais ao mesmo imóvel.
Em recente reunião do Conselho Municipal de Saúde, a representante do Núcleo Regional de Saúde do Sudoeste (NRS) trouxe à tona uma série de dados estatísticos preocupantes, que expõem as fragilidades da gestão municipal e explicam o impacto delas na propagação descontrolada da dengue na cidade.
O município vivenciou recentemente o drama coletivo de uma situação pandêmica (covid-19) e a população sofreu muito, principalmente com os óbitos que poderiam ter sido evitados. Apesar disso, esse mesmo governo não aprendeu absolutamente nada com o sofrimento do nosso povo.
Sem a prevenção, sem o controle eficiente realizado pelo centro de endemias, e com as unidades de saúde inoperantes, inevitavelmente o desenvolvimento dos sintomas, sobretudo da dengue, forçará a população a procurar hospitais para resolver as consequências da infecção, que em situações extremas, pode evoluir para complicações mais sérias ou até óbito.
Infelizmente, a situação do município de Vitória da Conquista não é nada boa, pois o governo municipal e a Secretaria Municipal de Saúde não fizeram o seu dever de casa. A experiência recente (com a pandemia da covid-19) nos mostra um perverso histórico de uma gestão irresponsável e negacionista, que foi negligente com as medidas e ações cruciais de combate ao coronavírus.
A dengue já fez duas vítimas e o que o governo municipal apresenta é um atabalhoado de dados desatualizados, ineficiência na cobertura de ações de prevenção de endemias e a reedição do mesmo filme de desespero e terror pelos corredores dos hospitais superlotados.
Se depender da responsabilidade e comprometimento desse governo, vai morrer muita gente pobre e periférica, vítima do descaso e da incompetência da Secretaria Municipal de Saúde. Afinal, perder alguém depois de utilizar todos os recursos financeiros, equipamentos tecnológicos, médicos e científicos dói, mas tem-se a consciência de que se esgotaram todos as medidas possíveis. Porém, perder alguém “simplesmente” porque os verdadeiros responsáveis desmontaram a política municipal da rede de atenção básica, como determinam as diretrizes do SUS, é criminoso e revoltante.
A gravidade da situação exige ações imediatas. Não é sobre a inquestionável competência dos agentes de endemias de Vitória da Conquista, é sobre a política desastrosa dessa gestão. Inclusive, é importante ressaltar que o atual quadro de agentes de endemias é insuficiente para cobrir todo o município.
Num contexto de intenso desmonte das políticas públicas do município, sobretudo da saúde, é obvio que os vetores de arboviroses vão se propagar sem nenhuma dificuldade com extrema rapidez. A tendência de curto prazo é que haja um aumento exponencial da quantidade de pessoas infectadas, o que irá superlotar os hospitais em função do agravamento do quadro clínico desses pacientes.
A ausência funcional de serviços que deveriam ser ofertados pela Rede de Atenção Básica leva inevitavelmente à superlotação da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e demais hospitais públicos da rede SUS. Uma situação caótica criada pelo governo municipal que, para fugir de suas responsabilidades, culpa a população de não eliminar vasos, vasilhames e espaços com água parada de suas residências.
É a gestão municipal a verdadeira responsável pela propagação descontrolada de arboviroses em Conquista. A Secretaria Municipal de Saúde recebe recurso específico destinado ao controle de endemias e à realização da vigilância epidemiológica sanitária. A chance de atacar com eficiência doenças como a dengue é antes da larva se transformar no mosquito. Por isso, deve-se ter o máximo de vigilância com o lócus, realizando o monitoramento e a intervenção necessária.
A população tem papel fundamental na parceria com os órgãos sanitários para ajudar a eliminar todo e qualquer espaço propício para a proliferações dos mosquitos. Contudo, os cidadãos e cidadãs não podem ser responsabilizados por aquilo que é de estrita obrigação e competência legal da autoridade sanitária e do próprio governo municipal.
A Vigilância Epidemiológica não cumpriu a sua principal obrigação de prevenção e controle de endemias e mente quando diz que a Secretaria Municipal de Saúde está fazendo tudo o que pode. Portanto, esse desespero é fruto da desorganização administrativa, incompetência técnica e negligência política da gestão das diretrizes do SUS no município.
*Herberson Sonkha é um militante comunista negro que atua em movimentos sociais. Integra a Unidade Popular (UP) e o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB). É editor do Blog do Sonkha e, atualmente, também é colunista do jornal Conquista Repórter.
Foto de capa: Secom/PMVC.
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