Falta de notas no histórico escolar gera incertezas para alunos da rede municipal em seleção do IFBA
Por Karina Costa - 10 de novembro de 2022
No documento de Lorrany, estudante em uma escola na zona rural de Conquista, as notas do 7º e 8º ano foram substituídas por resoluções do Conselho Municipal de Educação. As séries foram cursadas nos anos de 2020 e 2021, período da pandemia da covid-19.
No dia 18 de novembro, chega ao fim o período de inscrições do processo seletivo IFBA 2023, voltado para adolescentes e jovens que desejam ingressar em cursos técnicos de nível médio. Com campus em Vitória da Conquista, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia avalia os candidatos por meio de análise do histórico escolar. A prática é comum, mas, no caso de alunos da rede municipal de ensino, a falta de notas no documento deixou dúvidas quanto à possibilidade de concorrer ou não a uma vaga.
“Eu fui lá na escola pedir o histórico e, nesse momento, a secretária já comentou que não estavam dando as notas dos anos em que teve a pandemia. Mas ainda assim, eu busquei o documento e pedi ajuda a uma prima para fazer a inscrição. Foi ela quem me disse que a gente não iria conseguir se inscrever porque faltava as notas”, contou Lucimara Oliveira. Sua filha, Lorrany, está finalizando o 9º ano e deseja ingressar no IFBA em 2023.
De acordo com o edital para cursos integrados, destinado às pessoas que pretendem cursar o Ensino Médio e o Técnico simultaneamente, para realizar a inscrição, o candidato deve apresentar histórico escolar com “as notas (ou conceitos) finais anuais das disciplinas Língua Portuguesa, Matemática, História e Geografia (ou equivalente), dos 6º, 7º e 8º anos, do Ensino Fundamental II”.
São justamente as notas do 7º e 8º ano que não constam no histórico escolar de Lorrany, estudante da Escola Municipal José Rodrigues do Prado, localizada no Povoado Pradoso, zona rural de Conquista. No documento, ao invés das notas, estão presentes dois carimbos de resoluções do Conselho Municipal de Educação (CME), correspondentes aos anos de 2020 e 2021, período em que as aulas ocorreram, principalmente, na modalidade remota.
“Eu não entendo isso. Os meninos passaram dois anos fazendo tarefas e provas em casa, tiveram aulas online e, mesmo assim, não têm notas?”, questionou Lucimara. “A gente faz planos e acaba sendo prejudicada por algo que não deveria nem acontecer. Eu acho que a Secretaria de Educação deveria dar uma posição para o IFBA, fazer qualquer coisa para que os alunos não sejam prejudicados”, complementou.
Retificação do edital e equivalência de notas
O edital do processo seletivo IFBA 2023 foi publicado, pela primeira vez, no dia 12 de setembro. Mais de um mês depois, em 1º de novembro, foi divulgada uma versão retificada do documento. No tópico 6, que discorre sobre a inscrição, foram adicionadas informações sobre o que devem fazer alunos com histórico escolar que não dispõe de notas numéricas. Confira abaixo o trecho acrescentado ao edital IFBA ProSel 2023:
Os pontos destacados em vermelho não constavam na primeira versão do edital de forma explícita e objetiva. A referência clara aos documentos escolares sem notas numéricas foi acrescentada, segundo a coordenação do ProSel IFBA 2023, em “atendimento a pedidos de alguns candidatos que relataram dificuldade de localizar essa informação”.
Em nota ao Conquista Repórter, a assessoria do IFBA afirmou ainda que “a informação referida já constava na tabela de equivalência de notas e conceitos do edital publicado em sua primeira versão em 12/09/2022. […] A retificação apenas inseriu um parágrafo textual em referência à equivalência que já constava na versão original”.
De acordo com as regras do processo seletivo, os alunos que estão sem notas numéricas no histórico escolar devem digitar, no sistema de inscrição, uma média equivalente, descrita no anexo 4 do edital. Na tabela de equivalência, consta que a nota correspondente definida pela equipe pedagógica é 6,00.
Mas esse aspecto da inscrição não estava claro para pessoas como Lucimara, que tinha receio de que sua filha não pudesse participar do processo seletivo, já que a própria escola a havia informado que nada poderia ser feito para incluir as notas de Lorrany no histórico.
A organização didática do IFBA estabelece como mínimo para aprovação em seus cursos 60% de aproveitamento, o que equivale a 6,00 em uma escala de 0,00 a 10,00. Quando questionada se os estudantes da rede pública poderiam ou não ser prejudicados pelo uso da nota mínima, a equipe do instituto esclareceu que há cotas específicas para esse grupo.
“Estudantes da rede pública de ensino concorrem apenas entre si a 50% das vagas ofertadas, conforme determina a lei nacional de cotas”, explicou a coordenação do processo seletivo. Portanto, nesse cenário, segundo o IFBA, os alunos sem notas no histórico escolar não poderiam ser prejudicados em relação a discentes da rede privada de ensino.
Confira na íntegra os esclarecimentos do IFBA aqui.
Resoluções do CME e questões em aberto
Em resposta aos questionamentos do Conquista Repórter, a assessoria do IFBA informou que a instituição não foi comunicada pela Secretaria Municipal de Educação (SMED) a respeito da falta de notas de alunos no histórico escolar. Nossa equipe buscou esclarecimentos junto à SMED e também ao Conselho Municipal de Educação (CME), mas, apesar das tentativas, algumas dúvidas e questões em aberto não foram respondidas.
No documento escolar de Lorrany, que estuda na Escola Municipal José Rodrigues do Prado, ao invés de notas, constam duas resoluções do Conselho Municipal de Educação, as de número 013/2020 e 083/2021. A primeira autorizou as escolas municipais a manterem o regime especial de aulas não presenciais e discorreu sobre avaliações para analisar o desenvolvimento dos alunos durante a pandemia da covid-19.
Já a segunda também estabeleceu normas para as atividades de estudo não presenciais e para o ensino híbrido, correspondentes ao ano letivo de 2021. No capítulo III, há menções a avaliações formativas e diagnósticas de cada estudante, mas ainda assim, não fica claro como ocorreu, na prática, o processo avaliativo dos alunos durante o período pandêmico.
Uma das principais dúvidas de Lucimara Oliveira, mãe de Lorrany, é justamente sobre o porquê da ausência de notas, já que ela mesma acompanhou a filha durante a realização de atividades e provas virtuais nos anos de 2020 e 2021. “Eu não entendo isso. E também não fui informada pela escola sobre como seria feita essa avaliação no final do ano”, disse.
No dia 21 de outubro, o Conquista Repórter solicitou, pela primeira vez, entrevista com o secretário de Educação, Edgard Larry, para esclarecimentos sobre o tema tratado na matéria. Na segunda e terceira tentativas, nossa reportagem não recebeu resposta da Secretaria de Comunicação da Prefeitura (Secom/PMVC).
Já na quarta solicitação, fomos informados de que toda a equipe da SMED estava empenhada na realização do Festival de Educação e Cultura de Vitória da Conquista (Festeccon) até o sábado, 12. Após três tentativas, também não foi possível obter posicionamento oficial do Conselho Municipal de Educação (CME) sobre o assunto.
Confira na íntegra os questionamentos feitos à Secretaria Municipal de Educação (SMED) e ao Conselho Municipal de Educação (CME), via e-mail:
1 – Como foi feita a avaliação dos alunos ao longo de 2020 e 2021, período em que as aulas da rede municipal de ensino aconteceram de forma remota e, posteriormente, em modelo híbrido?
2 – Ao invés de notas, constam em históricos escolares de alunos da rede municipal carimbos de resoluções do Conselho Municipal de Educação. O que exatamente isso significa? Não há notas, mas foram realizadas atividades online. Elas não fizeram parte do processo de avaliação?
3 – Muitos processos seletivos ocorrem por meio de avaliação do histórico escolar, a exemplo de um que está aberto para o ensino médio no IFBA. Como a SMED e o CME pensaram em auxiliar os alunos que podem ser prejudicados futuramente pela falta de notas dos anos de 2020 e 2021? Foi informado às instituições que cobram as notas em processos seletivos acerca dessa questão?
4 – Nas resoluções do CME, há menção a uma avaliação do processo de ensino e aprendizagem, que não pode levar em conta apenas o número de atividades e/ou quantitativo de alunos que as realizaram. Como foi feita essa avaliação? E qual foi o resultado geral do desempenho dos alunos considerando o período pandêmico?
Foto de capa: Secom/PMVC.
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