Com uso do plenário negado, vereadores da oposição ouvem testemunhas da CPI da Saúde em gabinete

Por - 22 de novembro de 2024

A utilização do espaço foi negada pela Mesa Diretora da Câmara Municipal, presidida pelo vereador Hermínio Oliveira (PODE). Depoimentos foram ouvidos na última quinta-feira, 21.

Secom/PMVC

Na última quinta-feira, 21, os vereadores Alexandre Xandó (PT) e Márcia Viviane (PT), membros da Comissão de Fiscalização dos Atos do Poder Executivo da Câmara Municipal, ouviram depoimentos sobre as denúncias de fraude na Secretaria Municipal de Saúde (SMS). As testemunhas foram convocadas pelos parlamentares diante da inércia da CPI da Saúde, instaurada somente após determinação judicial. As oitivas ocorreram no gabinete do líder da bancada de oposição após a Mesa Diretora do Legislativo, presidida por Hermínio Oliveira (PODE), negar o uso do plenário para a realização das escutas.

As denúncias sobre possíveis irregularidades na SMS vieram a público em abril deste ano, a partir da deflagração da Operação Dropout pela Polícia Federal (PF). Naquele mês, a PF cumpriu mandados de busca e apreensão para apurar o desvio de mais de R$670 mil da pasta, que teria ocorrido durante a pandemia da covid-19, no ano de 2020. Um mês depois, em maio de 2024, vereadores protocolaram o pedido de abertura da CPI para contribuir com a apuração das suspeitas de corrupção.

Porém, mesmo com a solicitação dos edis, a nomeação dos membros da comissão só ocorreu no dia 23 de outubro, após determinação da 1ª Vara da Fazenda Pública de Vitória da Conquista. Diante disso, os integrantes da CPI foram escolhidos pelos líderes das bancadas de situação e oposição, respeitando o cálculo da proporcionalidade partidária. Foram nomeados para o grupo de trabalho os vereadores Alexandre Xandó (membro), Edjaime Rosa (relator) e Chico Estrella (presidente).

Ato de protocolamento do pedido de abertura da CPI da Saúde, em maio de 2024. Foto: Ascom/CMVC.

Com a comissão formada, houve uma primeira reunião da CPI, durante a qual o representante da bancada de oposição, Alexandre Xandó, solicitou a realização de oitivas para ouvir testemunhas. De acordo com o vereador petista, o requerimento foi aprovado e o uso do plenário da Câmara para a escuta dos depoentes foi solicitado desde o dia 12 de novembro. Entretanto, o presidente da CPI, o parlamentar Chico Estrela (PDT), estabeleceu que os relatos seriam ouvidos em sigilo.

Diante das tentativas de estagnar os trabalhos da CPI da Saúde, Alexandre Xandó e Márcia Viviane decidiram convocar as testemunhas para uma sessão pública da Comissão de Fiscalização dos Atos do Poder Executivo. Porém, dois dias antes da data em que seriam ouvidos Tereza Moraes, presidente do Conselho Municipal de Saúde, e Edmundo Ribeiro Neto, ex-procurador do município, um despacho da Mesa Diretora proibiu o uso do plenário para a realização das oitivas.

“Autoritarismo e censura”

No despacho do último dia 19, assinado por Hermínio Oliveira (PODE), Subtenente Muniz (Avante), Ricardo Babão (PCdoB) e Nelson de Vivi (PSDB), a Mesa Diretora determinou a “suspensão imediata dos trabalhos da Comissão de Fiscalização dos Atos do Poder Executivo” e a “indisponibilidade do Plenário Carmen Lúcia por tempo indeterminado”. De acordo com o documento, a atuação do grupo integrado por Xandó e Viviane “conflita com a competência da CPI da Saúde instalada na Casa”.

Os vereadores da oposição classificaram o ato como “autoritarismo e censura”. Em vídeo publicado nas redes sociais, os edis denunciaram a situação e anunciaram que as oitivas seriam mantidas, mas realocadas para o gabinete do parlamentar Valdemir Dias (PT). “Por que eles têm tanto medo desses depoimentos? Essa é a primeira vez que eu vejo um presidente de Câmara impedindo que vereadores cumpram sua obrigação legal de fiscalizar o Executivo”, afirmou Xandó.

Márcia Viviane também destacou a obstrução das investigações na Câmara Municipal. “Os vereadores da prefeita não deixam a CPI andar, estão obstruindo os trabalhos e agora querem derrubar a comissão para a qual fomos eleitos. Mas nós temos a prerrogativa de colher denúncias de mal uso do dinheiro público. Por isso, vamos manter a oitiva e não seremos impedidos de forma alguma”, ressaltou.

Na tarde da quinta-feira, 21, após a repercussão do caso, a Mesa Diretora da Câmara publicou uma nota de esclarecimento. De acordo com o comunicado, a matéria que propôs a realização das oitivas não foi lida em plenário, o que contraria o regimento interno da Casa Legislativa. “Trata-se de uma total falta de segurança jurídica, uma vez que as Comissões devem se ater aos ditames estabelecidos pelo Regimento Interno da Casa quando assim provocada”, diz um trecho do pronunciamento.

Chico Estrella, presidente da CPI da Saúde, também se manifestou sobre o assunto por meio de nota enviada ao Conquista Repórter. Ele afirmou que “todos os vereadores tem trabalhado incansavelmente pela conclusão mais fidedigna do caso investigado”. Além disso, disse que a CPI não pode ser utilizada “para fazer a politicagem baixa e rasteira, tentando macular a imagem de quem quer que seja, senão a dos envolvidos no processo”. Confira o comunicado na íntegra aqui.

Testemunhas ouvidas

Após a mudança de local, as oitivas ocorreram na manhã da quinta-feira, 21. Por volta das 9h30, foi ouvida a atual presidente do Conselho Municipal de Saúde (CMS), Tereza Moraes. Em novembro de 2020, o órgão identificou os primeiros indícios de irregularidades na compra de testes da covid-19 pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Na mesma época, as suspeitas foram divulgadas pela imprensa.

Segundo a depoente, foram observadas discrepâncias nos valores dos testes. Naquele período, a presidente do CMS era Lúcia Dórea (hoje falecida), mas Tereza já era membro da entidade e acompanhou de perto o trabalho durante a pandemia da covid-19. “Solicitamos para a diretora de vigilância em saúde da época, Ana Maria Ferraz, que ela fosse ao conselho fazer uma apresentação para nos dizer como estava sendo a testagem, quantos testes já haviam sido adquiridos, quais eram os critérios”, explicou.

A reunião em que a ex-diretora de vigilância esteve presente e apresentou os dados solicitados ocorreu no dia 11 de novembro de 2020. De acordo com Tereza Moraes, as informações fornecidas não foram esclarecedoras o suficiente, então o conselho pediu que a profissional retornasse numa próxima reunião com dados mais detalhados sobre fornecedores e valores investidos nos testes.

“No dia 17, ela trouxe uma outra apresentação que diferia da anterior”, disse a depoente. Tereza contou ainda que, logo após a primeira presença de Ana Maria Ferraz em reunião do conselho, no dia 12 de novembro, a comissão de saúde foi até o almoxarifado municipal para uma visita em loco. “Quando chegamos lá, a gente percebeu que a quantidade de testes e os valores que haviam sido informados no dia anterior diferiam muito do que vimos no local”, ressaltou a presidente do CMS.

Diante das discrepâncias observadas, o Conselho Municipal de Saúde deliberou que as compras em curso dos testes de covid-19 deveriam ser suspensas até que tudo fosse esclarecido. Segundo Tereza, a decisão foi encaminhada por ofício para a então secretária de Saúde do município, Ramona Cerqueira. “Não queríamos parar os testes, mas queríamos que fossem disponibilizados de uma forma que o dinheiro público fosse melhor utilizado”, destacou.

Em abril de 2024, a PF cumpriu mandados de busca e apreensão para apurar o desvio de mais de R$670 mil da Secretaria Municipal de Saúde. Foto: Gov/BR.

Edmundo Ribeiro Neto, ex-procurador do município, foi a segunda testemunha a depor na Câmara Municipal de Vitória da Conquista. Ele contou que recebeu do ex-prefeito Herzem Gusmão, em novembro de 2020, a informação de que um blog havia denunciado o superfaturamento na compra de testes da covid-19. O gestor pediu que o advogado investigasse o caso. “Como era período eleitoral, eu iniciei esse procedimento interno convocando o servidor responsável pelas licitações da saúde”, relatou.

No seu depoimento, Edmundo afirmou que, na investigação interna realizada por ele, foi constatada a existência de “gravíssimos indícios de superfaturamento”. Segundo o ex-procurador, na ausência de Herzem, que nesse período já estava afastado da Prefeitura em razão do adoecimento por covid-19, ele encaminhou um relatório para a procuradoria geral do município. “Eu imaginava que a procuradoria aguardava que Herzem retornasse para dar o direcionamento”, afirmou.

O ex-procurador contou ainda que, após a morte do Herzem, no dia 22 de março de 2021, ele encaminhou uma mensagem para a prefeita Sheila Lemos. Durante o depoimento, gravado e transmitido pelas redes sociais, o advogado leu parte do recado. “Queria prestar solidariedade e dizer que haviam tratativas que Herzem cuidava pessoalmente que estou levantando em relatório, e até quinta vou passar para Dimas [na época, era assessor de Sheila]. Seria interessante você conhecer e aprofundar”, disse.

Segundo o depoente, depois que ele se reuniu com Dimas para tratar do assunto, a comunicação com o assessor de Sheila foi ficando mais difícil. Pouco tempo depois, Edmundo foi afastado da procuradoria da saúde, em abril de 2021. Posteriormente, foi transferido para a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, onde afirma ter sofrido perseguição até pedir exoneração no dia 9 de agosto de 2021.

Após tentar por diversas vias que a investigação seguisse, inclusive por meio da Câmara de Vereadores, Edmundo protocolou uma denúncia no Ministério Público Federal (MPF), o que levou à operação da PF na Secretaria Municipal de Saúde. Os depoimentos na íntegra estão disponíveis aqui e aqui.

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