Após mudanças no transporte coletivo, moradores de Conquista relatam aumento do tempo de deslocamento

Por - 27 de outubro de 2025

No dia 14 de setembro, a Prefeitura anunciou alterações em oito linhas em caráter experimental. Segundo pesquisadora, é preciso que a gestão pública municipal reconfigure o transporte "incluindo mais do que excluindo".

Secom/PMVC

Desde o mês de setembro, uma alteração no transporte coletivo urbano de Vitória da Conquista modificou a rotina da estudante Ana Karolina Reis, de 22 anos. Moradora do bairro Morada dos Pássaros, ela utiliza diariamente a linha P50 para chegar ao Instituto Federal da Bahia (IFBA), no Zabelê, onde faz o curso noturno de Sistemas de Informação. Antes, o ponto de ônibus ficava a somente 220 metros de sua casa, agora a distância aumentou para aproximadamente um quilômetro.

Até o dia 13 de setembro, a linha P50 fazia o trajeto Conquista VI x Vilas Serranas. Com a mudança implementada pela Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (Semob), o percurso passou a ser Conquista VI x Miro Cairo. Para quem vive no Morada dos Pássaros, isso significa que avenidas do bairro que antes eram atendidas deixaram de fazer parte da rota, como as ruas D, E, L e N.

A nova configuração do transporte obriga Ana Karolina a pegar mais de um ônibus para chegar até o IFBA. Para continuar utilizando somente um veículo, ela teria que caminhar até a Avenida Juracy Magalhães, mas como estuda à noite, não se sente segura para fazer o trajeto sozinha. “Entendo que as voltas que o carro dava eram algo que as pessoas reclamavam, mas muitas outras também se beneficiavam desse trajeto”, disse.

A estudante não foi a única a sentir os impactos das mudanças recentes no transporte. As alterações foram feitas pela Prefeitura, em caráter experimental, sob a justificativa de redução de tempo de espera por ônibus para alguns bairros e incentivo à caminhada a fim de melhorar a saúde pública. Mas para muitos usuários do sistema, as medidas tiveram o efeito contrário, deixando rotinas já cansativas ainda mais longas.  

As alterações nas linhas entrarem em vigor no dia 14 de setembro. Foto: Secom/PMVC.

Patrícia Jordânia Alves, de 52 anos, mora no Condomínio Europa Unida, no bairro Nova Cidade. Todos os dias, ela usava uma das linhas extinta pela Semob, a D41, para chegar ao trabalho. Diante da mudança, o seu tempo de deslocamento aumentou. Antes, pegava dois ônibus por dia, agora são quatro. Em cada viagem, passa cerca de uma hora dentro do veículo. “Está um caos, um horror”, desabafou.

A linha D41 (Vila Bonita x Nova Cidade) foi substituída pelas linhas R64 (Vila Bonita x Centro) e R63 (Nova Cidade x Centro, via Alto Maron). Mas até a terceira semana de outubro, os ônibus não entravam no Condomínio Europa Unida, o que deixava moradores como Patrícia desassistidos. Foi somente no dia 20, após queixas dos usuários, que o ponto final da linha R63 voltou a ser em frente ao residencial.

Sem a opção do D41, Patrícia agora usa a linha R07 (Nova Cidade x Centro), que também teve o seu itinerário alterado e deixou de atender os condomínios Mirante Vitória, Mirante da Conquista e Mirante do Candeias, próximos à Avenida Presidente Vargas. “Essa linha é sempre lotada. O ônibus para em vários pontos, mas ninguém consegue entrar porque já está completamente cheio”, contou.

A superlotação também afeta a rotina de Edilça Soares, de 40 anos, outra moradora do Condomínio Europa Unida, que depende do transporte público para trabalhar e estudar. “As mudanças no itinerário aumentaram o tempo da minha viagem diária, pois agora preciso fazer baldeação ou esperar mais tempo pelo ônibus”, ressaltou. Ela passa de duas a três horas em deslocamentos diários.

As mudanças afetaram também as linhas D35, R03, R10 e R23. Foto: Secom/PMVC.

Para Maira Verônica Santos, que vive no bairro Nova Cidade, as mudanças deixaram a sua rotina mais cansativa. Antes, o trajeto até o trabalho durava cerca de 40 minutos com a linha D41. Atualmente, o tempo ultrapassa 1h30min. “Preciso sair mais cedo de casa para não correr o risco de me atrasar. Com isso, tenho menos tempo para descansar”, explicou.

Anteriormente às medidas da Semob, seu dia começava às 6h, pegando o D41 às 6h50 e chegando ao trabalho por volta das 7h40. Com os novos horários, Maira precisa acordar às 5h20 para embarcar no R07 e, em seguida, caminhar até a estação para pegar a linha R22, que a leva ao destino final.

Para Maira, a justificativa de que as mudanças visam promover a saúde da população não se sustenta. “Estender o deslocamento de alguém e esperar que a pessoa encontre tempo para atividades saudáveis em uma escala de trabalho 6×1 é ilógico, é desumano. Não é nada eficaz”, afirmou. 

Justificativa não convence

Segundo o governo municipal, uma das diretrizes da Organização das Nações Unidas (ONU) orienta que “o transporte público incentive que a população caminhe de 500m a 1km por dia, para melhoria da saúde pública, redução dos casos de sedentarismo e da perspectiva de vida.”

O Conquista Repórter não encontrou o dado em publicações da ONU. Mas a organização recomenda para adultos, por semana, 150 a 300 minutos de atividade física de intensidade moderada ou 75 a 150 minutos de exercício de alta intensidade. Já a informação sobre os 500m de caminhada até a estação de transporte está em relatório do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP).

No entanto, a justificativa não convenceu os usuários do transporte coletivo de Vitória da Conquista. Edilça Soares considera que, apesar da boa intenção, “a forma como as mudanças foram implementadas desconsidera a realidade das pessoas que dependem diariamente do serviço”.

A estudante Ana Karolina acredita que a infraestrutura urbana não é adequada para pedestres. “As calçadas são horríveis até para quem é saudável. Imagine então para uma pessoa com deficiência visual ou motora. Se a Prefeitura se importa tanto com o combate ao sedentarismo, por que todas as melhorias tem foco em quem transita de automóvel?”, questionou.

Em 2021, algumas linhas que atendiam bairros periféricos foram excluídas de um edital de licitação do transporte. Foto: Secom/PMVC.

Para a pesquisadora e docente do curso de Geografia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), Drª Aleselma Silva Pereira, antes de colocar em prática as mudanças, era necessário ouvir a população que utiliza o serviço. “Quem poderá fazer a avaliação mais adequada é o usuário-consumidor, isto é, o trabalhador/trabalhadora ou o estudante que reside nas áreas da cidade onde as linhas e horários foram alterados”, ressaltou a professora.

“Não há justiça social”

Essa não é a primeira vez que o transporte coletivo é alvo de críticas da população ou que linhas são suspensas pelo governo municipal. Em março de 2021, vereadores acionaram o Ministério Público (MP) contra um edital de licitação que excluía as chamadas linhas sociais, responsáveis por atender bairros periféricos e a zona rural, como Pradoso, Santa Marta, Conveima e Lagoa das Flores. 

Além da representação no MP, os parlamentares Luciano Gomes e Ricardo Babão, ambos do PCdoB, enviaram um requerimento à prefeita Sheila Lemos (União Brasil) pedindo a reinclusão das linhas. Na época, em entrevista ao Conquista Repórter, o então Secretário de Administração, Kairan Rocha, disse que as linhas foram excluídas porque não davam lucro para a iniciativa privada.

Para a pesquisadora Aleselma Silva, esse é um dos principais problemas: quando prevalecem os interesses da iniciativa privada. “O Estado (no caso, a Prefeitura) legitima o que as empresas privadas do setor propõem. Não há resistências, enfrentamentos, mas “coalização de forças” ou melhor, “aliança”, por isso, não há “justiça social”. Quando os interesses dos usuários-consumidores foram incorporados ao planejamento do transporte público urbano neste município?”, questionou.

Segundo ela, são necessárias políticas públicas específicas para populações em situação de vulnerabilidade, como desempregados, pessoas com deficiência e moradores de bairros periféricos. Além disso, o acesso a serviços essenciais, como postos de trabalho, o SAC e o CEMAE, exige soluções diferenciadas de transporte público, que hoje não estão contempladas nas linhas de ônibus.

Ao todo, são ofertadas 52 linhas de ônibus, operadas pelas empresas Viação Rosa e Atlântico Transportes. Foto: Secom/PMVC.

Embora a Lei Municipal nº 968/99 determine que o atendimento à população de baixa renda deve ser prioritário, na prática isso não se concretiza. É o que mostra a pesquisa “Transporte Público Coletivo em Vitória da Conquista: a Geografia da Mobilidade e da Segregação Socioespacial”, de Thiago Rebouças, orientada por Aleselma, publicada em 2017 pela Revista Extensão e Cidadania, da Uesb.

O estudo aponta que lugares habitados por pessoas de maior poder aquisitivo recebem atendimento de melhor qualidade, enquanto nas periferias o serviço é notoriamente inferior. “A falta de linhas, veículos e horários em determinados bairros das classes de baixa renda se efetiva como verdadeira estratégia de
contenção dessa população nas áreas reservadas ao trabalho e à moradia”, diz um trecho do texto.

Nas considerações finais, a pesquisa revela que o sistema de transporte coletivo “trabalha no sentido único da geração do lucro, deixando em segundo plano a eficiência”, uma realidade que não é muito diferente nos dias atuais. Uma reportagem especial do Conquista Repórter, de setembro de 2024, expôs a pouca disponibilidade de horários e ausência de veículos que atendem as populações dos distritos e zonas rurais do município, dificultando o acesso dos moradores a serviços essenciais.

“O que um usuário quer é um transporte que faça um trajeto curto, com horários regulares, segurança, e veículo de boa qualidade. Ele quer economizar tempo para usar esse tempo no descanso, lazer, estudos”, ressalta Aleselma. Mas, historicamente, não é isso que é oferecido à população de Conquista.

Apesar da existência de normas como o Estatuto da Cidade e a Lei nº 12.587/2012, que institui a Política Nacional de Mobilidade Urbana, em Vitória da Conquista, o direito ao transporte coletivo eficaz e de qualidade não é universal. Para a pesquisadora, é preciso que a gestão pública municipal reconfigure o transporte público urbano “incluindo mais do que excluindo.”

*Maria Eduarda Leite é estudante do 8º semestre do curso de Jornalismo da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) e estagiária do Conquista Repórter.

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