Removidos do Terminal, ambulantes relatam cenário de intimidação e queda de vendas

Por - 1 de dezembro de 2024

"Me sinto como se estivéssemos fazendo alguma coisa errada, sendo que a gente tá só trabalhando", afirma vendedora. Transferidos para as imediações da Ceasa, trabalhadores querem demarcação dos espaços para os carrinhos.

Karina Costa

Era quinta-feira, 28 de novembro, quando desembarquei na Estação de Transbordo Herzem Gusmão, no Centro de Vitória da Conquista, por volta das 10h30. Fazia mais de duas semanas desde a ação da Secretaria Municipal de Serviços Públicos (Sesep) para a retirada dos vendedores de frutas dos arredores do antigo Terminal Lauro de Freitas. Naquela manhã, não havia mais sinal dos trabalhadores no local. Em meio ao vai e vem de pessoas, o que chamava a minha atenção era um carro da Guarda Municipal.

O veículo estava estacionado em um dos pontos que dá acesso ao terminal de ônibus. Mas essa não foi a única viatura da força de segurança que avistei. Munida da informação de que os ambulantes tinham sido realocados para a região da Ceasa (Central de Abastecimento), caminhei até o novo destino. Lá, encontrei mais dois carros da Guarda Municipal, além de homens vestidos com uniformes da Polícia Militar.

“Não sei se é pra gente ter medo. Me sinto como se estivéssemos fazendo alguma coisa errada, sendo que a gente tá só trabalhando”, me contou a vendedora Rita*. Cercada por guardas e policiais, ela tinha a sensação de estar infringindo a lei. “É como se estivesse vendendo drogas, algo ilícito”, complementou.

Laura* compartilha do mesmo sentimento. Há mais de quatro décadas a comercialização de verduras é o seu ganha pão. “Fico constrangida. Nós somos trabalhadores. Não é porque a gente vende verdura que somos desonestos. A gente acorda cedo e vem aqui vender porque precisamos disso”, ressaltou.

Durante as quase duas horas que passei na Ceasa naquela manhã, a presença dos agentes de segurança era constante. Segundo os vendedores ambulantes, essa tem sido a regra desde a segunda-feira, 11 de novembro, quando a Sesep, com o reforço da Guarda Municipal e da PM, proibiu os trabalhadores de comercializar os seus produtos dentro do terminal de ônibus e nas ruas adjacentes.

A justificativa

Os primeiros indícios do que estava por vir surgiram nos dias 7 e 8 do mesmo mês. Nesse período, a Sesep distribuiu folders para avisar aos vendedores que, a partir da segunda, 11, eles não poderiam mais trabalhar nos arredores da Estação de Transbordo. De acordo com a Prefeitura, a medida se baseia no Artigo 134, do Código de Posturas do Município, que “proíbe ao vendedor estacionar e impedir o trânsito de veículos em vias públicas, bem como dificultar ou impedir a circulação de pedestres nos passeios”.

Em publicação feita no dia 22 de novembro, a gestão Sheila Lemos (União Brasil) afirmou que vinha recebendo denúncias da população, principalmente de pessoas com mobilidade reduzida, motoristas e comerciantes. Segundo o Executivo municipal, as queixas alegavam que “os carrinhos obstruem as calçadas, os pisos táteis destinados a pessoas com deficiência visual e atrapalham o trânsito”.

Desde o dia 11 de novembro, agentes de segurança estão no Centro para evitar que os ambulantes retornem para a Estação de Transbordo Herzem Gusmão. Foto: Secom/PMVC.

Com a justificativa apresentada, a Sesep iniciou o processo de remoção dos ambulantes do Centro, mas a ação logo gerou protestos dos trabalhadores. Além disso, a partir do envolvimento da PM, houve um episódio de truculência que terminou com vendedores detidos e mercadorias no chão. Após a repercussão do ocorrido, a Prefeitura buscou se justificar por meio de nota enviada à imprensa.

No informe, o Município disse que as equipes tentaram negociar a saída dos ambulantes da Rua Francisco Santos, mas que “não houve acordo”. Por esse motivo, dois vendedores foram conduzidos à Delegacia de Segurança Pública (Disep). “A Sesep ressalta que, além de cumprir o que determina o Código de Posturas, o setor atende o pedido da população”, destaca um trecho do comunicado.

As consequências

Depois da ação da PM que terminou em uma delegacia, a Prefeitura anunciou, no dia 18 de novembro, que estava realocando vendedores para locais próximos à Ceasa. A atitude só foi tomada pela gestão dias após a retirada dos comerciantes da Estação de Transbordo. “Quando fomos notificados, eles não nos deram um lugar pra ficar. Simplesmente falaram que a gente não poderia mais ficar lá a partir da segunda”, explicou Rita*, que vende frutas na Avenida Lauro de Freitas há quatro anos.

Segundo a comerciante, após a notificação, ela acreditou que poderia ao menos vender seus produtos em circulação ao invés de permanecer parada em um ponto. “Pensei que a gente ia poder transitar pelo terminal, mas nem isso eles estavam deixando. Eu ainda rodei por fora um tempo até que eles disseram que se eu continuasse iam apreender meu carrinho”, afirmou.

Laura*, de 53 anos, é mais uma pessoa que depende do comércio de frutas e verduras no Centro de Vitória da Conquista. Ao me relatar as dificuldades que vem enfrentando, ela se emocionou. “Eu comprei um carrinho fiado e agora não tenho como pagar. Tá muito difícil. Lá no terminal vendia o suficiente para pagar as contas, mas aqui às vezes a gente só faz 15 ou 25 reais, que só dá pra um marmitex”, desabafou.

Após a proibição da Sesep, os vendedores foram realocados para um espaço em frente à Ceasa. Foto: Karina Costa.

Rita* também relatou uma baixa nas vendas no novo local. Na quinta-feira em que conversamos, das 8h30 às 12h, ela só conseguiu ganhar 30 reais. Quando comercializava na Avenida Lauro de Freitas, durante esse período de tempo, ganhava pelo menos 350 reais. “Aqui é mais difícil pra vender”, lamentou.

O que os comerciantes querem é serem ouvidos e tratados com mais dignidade. “A gente conversou com o coordenador e falamos de pontos estratégicos que não atrapalham a passagem. Tem alamedas que são grandes. Nós demos sugestões, mas eles só falam que vão analisar”, apontou a vendedora.

As promessas

De acordo com os trabalhadores com quem conversei, a realocação para o espaço próximo à Ceasa não foi uma solução apresentada imediatamente pela Sesep, coordenada por Joelson Moreira. “Na verdade, a gente foi encostando aqui e acho que eles aproveitaram. Foram certos em nos avisar antes que teríamos que sair de lá, mas ao mesmo tempo não nos deram outra alternativa”, me contou Pedro*.

Quando a transferência começou, a Secretaria Municipal de Serviços Públicos prometeu que seria feito um cadastro dos vendedores, além da demarcação do novo espaço. Mas na quinta-feira em que visitei o local, isso ainda não tinha acontecido. “O que a gente pede é organização. Porque é difícil a gente ir pra casa e ficar na insegurança sem saber se vamos poder voltar pra cá. Pedimos agilidade da Prefeitura para demarcar aqui e padronizar, se for possível”, destacou o comerciante de frutas.

Em matéria publicada no dia 22 de novembro, a gestão municipal afirmou que cada vendedor cadastrado terá direito a um espaço de dois metros. Mas segundo os comerciantes, essa promessa está se arrastando há semanas. “O que estamos precisando é que seja feito o que prometeram pra nós. Nos cadastrar e fazer a marcação. Queremos estar na legalidade”, desabafou João*, que há cinco anos vende tomates, batatas, cenouras e outras verduras nas imediações da Lauro de Freitas.

A maioria dos vendedores tem como única fonte de renda a comercialização de frutas e verduras. Foto: Karina Costa.

Outro lado

O Conquista Repórter solicitou esclarecimentos da Prefeitura de Vitória da Conquista, via email, enviado na segunda-feira, 2 de dezembro, mas não obteve respostas até o fechamento desta reportagem.

**Os trabalhadores ouvidos para esta reportagem pediram que suas identidades fossem mantidas em sigilo. Por esse motivo, eles ganharam nomes fictícios identificados com o sinal (*) ao longo do texto.

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