Atletas lidam com falta de apoio e espaços precários para práticas esportivas em Conquista

Por - 8 de agosto de 2024

"Nós somos nosso próprio incentivo”, desabafa a karateca Thalita Dias. Assim como ela, outros esportistas da cidade se destacam em campeonatos e premiações mesmo sem auxílio do Poder Público.

Matheus Bonfim Custódio conheceu o basquete há seis anos e, hoje, participa de disputas profissionais da modalidade. Zenon Sales Cruz Junior se dedica a competições de jiu-jitsu, que pratica há cerca de uma década. Já Thalita Silva Dias constrói sua história com o karatê há 29 anos. O que esses três atletas têm em comum? Lidam com a falta de apoio e de espaços públicos adequados às práticas esportivas em Vitória da Conquista.

Na terceira maior cidade da Bahia, os segmentos de Cultura, Turismo, Esporte e Lazer estão condensados numa mesma pasta pela Prefeitura Municipal (PMVC), a Sectel (Secretaria Municipal de Cultura, Turismo, Esporte e Lazer). Com isso, partilham de um orçamento fiscal que, quase sempre, representa menos de 2% dos recursos do município, o que por si só dificulta e limita o investimento nessas áreas.

Em 2021, chegou a ser realizada uma audiência pública na Câmara de Vereadores para discutir a criação de uma Secretaria e de um Conselho Municipal específico para o setor de Esportes. A partir disso, seria possível garantir uma dotação orçamentária maior para a área. Contudo, o projeto, proposto pelo vereador Luís Carlos Dudé, não avançou, e os debates em torno do assunto perderam destaque na Casa.

Um levantamento feito pelo Conquista Repórter a partir de dados disponíveis no Portal da Transparência apontou que em média, nos últimos seis anos, apenas 0,71% do orçamento fiscal do município foi destinado à Coordenação de Esporte e Lazer, áreas reunidas em um mesmo setor na estrutura organizacional da Sectel. Houve períodos em que a verba foi inferior a 0,4%, como 2021 e 2023.

Essa não é a primeira vez que os números colocam em evidência o descaso da gestão municipal com o esporte. No ano de 2022, para realizar um acréscimo de R$7 milhões à Secretaria de Mobilidade Urbana (Semob) e R$129 mil à Secretaria de Infraestrutura Urbana (Seinfra), a Prefeitura retirou mais de R$2 milhões do orçamento da Cultura, Turismo, Esporte e Lazer. Diante dessa realidade, atletas da cidade se desdobram para conseguir treinar e alcançar bons resultados em competições com grande visibilidade por todo o país.

Esforços multiplicados

“Hoje, em Vitória da Conquista, a maioria dos eventos e das ações esportivas é construída de forma popular, por meio de quem é do esporte, da saúde, e professores das modalidades. São pessoas que têm interesse em promover o esporte, realizar campeonatos na cidade ou com objetivo social, incentivando crianças e pessoas mais carentes às práticas”, relata o lutador de jiu-jitsu Zenon Junior.

O atleta se mudou há cerca de cinco meses para o estado de São Paulo com o objetivo de alavancar sua carreira no esporte. Premiado em disputas profissionais e amadoras, tanto em âmbito nacional quanto internacional, se aproximou dos tatames por meio de um projeto desenvolvido na igreja por seu pai e professor de jiu-jitsu, Zenon Cruz.

Zenon Junior já conquistou o 1º lugar na Copa TAS de Jiu-Jitsu. Foto: Acervo Pessoal.

Atualmente, Junior representa Vitória da Conquista na equipe de jiu-jitsu Lotus Club, que possui mais de 300 filiais por todo o mundo. Mas ele só alcançou esse objetivo devido aos esforços de familiares e colegas.

Thalita Dias é outra conquistense que acumula vitórias e títulos no segmento das artes marciais. Ela é bi-campeã brasileira de karatê e vice-campeã na etapa zonal. Além disso, conquistou sete vezes o primeiro lugar em campeonatos baianos.

No ranking estadual de 2023, ficou nessa mesma posição nas modalidades KATA e KUMITE. Mas assim como Júnior, depende de seu esforço pessoal e do apoio de pessoas próximas para manter sua carreira.

“O sustento da minha prática esportiva é proveniente do meu bolso. Tenho que usar artifícios, como rifas beneficentes ou venda de alimentos, para arrecadar dinheiro suficiente para gastos referentes a participação em campeonatos – passagens, hospedagem, deslocamento, alimentação, inscrição – e, também, para a compra de materiais de proteção e kimonos”, conta.

A karateca faz parte de um grupo de atletas que treina no Estádio Municipal Edvaldo Flores, localizado no bairro Alto Maron. “Não temos qualquer tipo de incentivo, nós somos nosso próprio incentivo”, afirma Thalita, que pratica o esporte numa sala improvisada do equipamento público.

Sala improvisada onde os atletas de artes marciais treinam no Estádio Municipal Edvaldo Flores. Foto: Lays Macedo.

Espaços negligenciados

Para atletas como Thalita, a cidade que tanto investe em pistas de caminhada e ciclovias em locais como a Avenida Olívia Flores, tem tratado com descaso a maioria de seus outros ambientes de práticas desportivas. “Quando dizem que vão construir algo, como quadras em praças, constroem fora do padrão, com materiais de péssima qualidade, fazem tudo de qualquer jeito”, denuncia Matheus Custódio, que se mudou para Minas Gerais em busca da profissionalização da sua carreira no basquete.

O Estádio Municipal Edvaldo Flores, inclusive, passou por sua última grande reforma em 2015. Recebeu campo de futebol com gramado sintético, quadra poliesportiva coberta, sala de artes marciais, vestiários, banheiros masculino e feminino, novos portões de acesso e bilheteria. 

Desde então, em quase uma década, nenhum outro grande investimento foi destinado à manutenção e melhorias no estádio. A karateca Thalita destaca que há apenas um espaço pequeno para seus treinamentos no Edvaldo. O local não conta com piso específico para a modalidade e ainda tem horários de acesso limitados, bem como materiais precários.

O Estádio Municipal Edvaldo Flores passou por sua última grande reforma em 2015. Fotos: Lays Macedo.

O Ginásio de Esportes Raul Ferraz, situado no bairro Jurema, também se encontra em situação de abandono. Desde 2019, o seu espaço interno está fechado para o público em geral por determinação do Corpo de Bombeiros. O uso do equipamento está provisoriamente restrito à área de skatismo e aos campos localizados na sua parte externa.

Numa matéria divulgada em seu site oficial em março deste ano, a Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista afirmou que a recuperação do ginásio, prometida ainda durante o governo do ex-prefeito Herzem Gusmão, havia sido iniciada e seria feita em etapas, a começar pelas estruturas externas – campos de futebol, parque infantil, quadras de vôlei e futevôlei, pista de skate e a chamada “Areninha”, um campo com gramado sintético destinado à prática de futebol society. 

A entrega da primeira etapa estava prevista para abril deste ano, mas os avanços foram poucos. “A gente percebe que a única ação de melhoria realizada foi a pintura de paredes e a instalação de nova iluminação externa. Estamos sem acesso a banheiros. Muitas das nossas atividades começam às 15h e vão até 21h, e não tem lugar para fazer xixi, não tem como usar o banheiro mesmo”, destaca Letícia Figueiredo.

Apesar de não ser atleta, ela acompanha de perto a situação de negligência com o Raul Ferraz porque frequenta o ginásio para participar de competições de slam (performances de poesias faladas ligadas à cultura Hip Hop). Essas atividades têm acontecido na pista de skate do ginásio semanalmente.

Segundo a artista, a ausência de funcionários regulares é outro problema, que causa a subutilização do local. “Revitalizar o ginásio é também pensar na intervenção humana mesmo, em conscientização para quem utiliza o espaço, e contratação de equipes de manutenção e segurança, além de profissionais capacitados para orientar nas práticas de exercícios”, destaca.

O Ginásio de Esportes Raul Ferraz, situado no bairro Jurema. Fotos: Lays Macedo.

O único grande espaço esportivo de Vitória da Conquista reformado recentemente foi o estádio municipal da zona oeste, mais conhecido como Murilão (referência ao ex-prefeito da cidade Murilo Mármore). Depois de quase três décadas de abandono, a PMVC reinaugurou o espaço no início de 2023.

Durante a obra de requalificação, que contou com recursos do Financiamento à Infraestrutura e ao Saneamento (FINISA), o equipamento ganhou campo de gramado sintético, novos vestiários e sanitários, cabines de rádio e TV, melhorias nas arquibancadas – com corrimões e novos alambrados -, salas para práticas de artes marciais, dança e academia ao ar livre. Entretanto, o projeto não se preocupou com a iluminação do estádio, que continua sem poder ser utilizado para atividades noturnas.

O reflexo na educação

A falta de investimentos no Esporte de Vitória da Conquista se estende ainda aos espaços de educação. “Alguns colégios precisam da construção de quadras poliesportivas e coberturas naquelas que já existem”, destaca Alan Damascena, professor que conhece de perto as dificuldades enfrentadas por estudantes da rede municipal de ensino.

O docente dá aulas de Educação Física na Escola Municipal Professora Edivanda Maria Teixeira, situada no bairro Jardim Valéria, e na Escola Municipal José Rodrigues do Prado, no distrito do Pradoso. Ele relata que as aulas práticas e os treinamentos esportivos dos alunos da zona rural, por exemplo, são realizados num campo aberto da comunidade, sem estrutura adequada.

Assim como atletas profissionais da cidade, estudantes da José Rodrigues do Prado se destacam no esporte, apesar da falta de estrutura oferecida pelo Poder Público. Os times da escola obtiveram conquistas significativas na última edição dos Jogos Estudantis realizados pela própria Prefeitura Municipal.

“Mesmo sem ter uma quadra em nossa escola, conseguimos ser campeões nos Jogos Estudantis nas modalidades de futsal, handebol feminino e baleado misto. Além disso, participamos de forma brilhante e emocionante do voleibol misto”, compartilha Damascena, que se orgulha do empenho de seus alunos e alunas.

Apesar da falta de estrutura oferecida pelo Poder Público, estudantes da Escola José Rodrigues do Prado se destacam no esporte. Foto: Blog do Sena.

Consciente da necessidade de mudar um cenário que reflete a falta de investimento em uma área importante para seus estudantes, o professor Alan segue acreditando na importância das práticas esportivas para as crianças, adolescentes e jovens. “Com o esporte, os estudantes aprendem a lidar com as emoções da vitória e da derrota, o respeito às regras, aos companheiros de equipe e aos adversários, e tudo isso ainda estimula o espírito de cooperação e o trabalho em grupo”, pontua.

Outro lado

O Conquista Repórter solicitou posicionamento da Prefeitura de Vitória da Conquista acerca dos relatos e denúncias abordadas nesta reportagem. A gestão municipal, por sua vez, se manifestou por meio de nota enviada ao email da redação.

Quanto aos critérios para a destinação de recursos ao Esporte dentro de uma pasta que une Lazer, Turismo e Cultura, a PMVC informou que os investimentos acontecem por meio de licitação para atender demandas existentes com atletas, eventos esportivos locais e manutenção de 43 estádios, campos e quadras para uso da população. Entretanto, o órgão não esclareceu como são estabelecidas prioridades na divisão das verbas entre as atividades de cada uma das coordenações da Sectel.

A Administração Municipal ainda afirmou disponibilizar aulas de diferentes modalidades gratuitas para cerca de 600 crianças e adolescentes, de 4 a 17 anos, no Estádio Municipal Edvaldo Flores e no Ginásio de Esportes Raul Ferraz. Porém, não detalhou como tem sido utilizado um espaço ainda fechado por determinações de um órgão da Segurança Pública.

Confira a nota na íntegra aqui.

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