Em quilombo de Vitória da Conquista, escola municipal foi fechada dois meses após reforma
Por Karina Costa - 4 de março de 2024
No Distrito de Iguá, a Escola Municipal Juvêncio Rocha foi desativada em 2022. Segundo liderança comunitária, a justificativa usada pela gestão municipal foi o número reduzido de alunos matriculados na unidade.
Era quarta-feira e uma manhã de muito sol quando chegamos no Distrito de Iguá, na zona rural de Vitória da Conquista, a 35 quilômetros da sede do município. O ponto de encontro com nossa entrevistada era a Escola Municipal Juvêncio Rocha, localizada no quilombo de Cachoeira dos Porcos. Com os olhares voltados para o prédio, a primeira impressão era de que a estrutura estava bem conservada. As cores do mural pintado nas paredes do colégio eram fortes e vivas.
Tão logo nos recepcionou, a coordenadora da associação de agricultores familiares da comunidade remanescente de quilombo, Vitória Fernandes Marinho, explicou a situação: a renovação do espaço tinha acontecido há cerca de um ano, mas ainda assim, a instituição estava desativada. “Só fizeram a reforma para jogar dinheiro fora”, conta.
A escola, que atendia alunos do Ensino Fundamental I (1º ao 4º ano), foi desativada em 2022. A reforma aconteceu no mês de agosto daquele ano. Segundo Vitória, em outubro, as aulas retornaram e dois meses depois, em dezembro, as portas da instituição foram fechadas de vez. Enquanto as obras aconteciam, os alunos foram transferidos provisoriamente para a Escola Municipal São Vicente de Paulo, em Lagoa Formosa.
“Depois da renovação, o objetivo era que os alunos voltassem para Cachoeira dos Porcos, mas já estavam com o esquema todo armado. O plano era fechar a escola e levar os meninos para Campo Formoso, onde já estavam construindo”, explica a líder comunitária.
Em fevereiro de 2023, a Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista inaugurou uma nova unidade de ensino no Povoado de Campo Formoso, a Escola Municipal Otaviano Salgado, a primeira da zona rural com ensino em tempo integral. O prédio já existia, mas foi ampliado para dispor de seis salas de aula, além de laboratório, auditório, cozinha e outros equipamentos. A obra custou mais de R$ 2,3 milhões.
Foi para lá que os estudantes de Cachoeira dos Porcos foram transferidos após a desativação da escola no quilombo. “A desculpa deles é que não tem aluno suficiente, mas tem sim, tenho aqui uma lista para comemoração de dia das crianças, e temos mais de 80 crianças. Disseram que ia ser mais gasto deixar os meninos aqui, mas eles têm verba para pagar ônibus e motorista. Isso é mais barato do que deixar as crianças aqui?”, questiona Vitória Marinho.
A reforma com dinheiro público
No site da Prefeitura Municipal, uma matéria, datada de 6 de maio de 2022, anuncia a visita da prefeita Sheila Lemos (UB) e do secretário de Educação, Edgard Larry, às escolas da zona rural que estavam em reforma. Uma dessas unidades era a Escola Municipal Juvêncio Rocha, de Cachoeira dos Porcos. No total, eram quatro instituições que estavam sendo completamente renovadas. O valor das construções era R$748.563,97.
A reforma incluiu a substituição dos telhados, a instalação de forro nas salas de aula e na cozinha, pintura nova, troca de vidros quebrados e até conserto da bomba do poço artesiano. Durante a visita do Conquista Repórter, Vitória nos mostrou ainda materiais didáticos lacrados. “Não teve inauguração nenhuma, justamente porque se tivesse, a comunidade ia participar. Foi tudo na calada”, destaca.
De acordo com Albetânia Alves, 35 anos, após a renovação do espaço, as crianças voltaram a estudar na escola e encerraram o ano letivo de 2022. Em janeiro, quando começou a movimentação para as matrículas de 2023, as mães do quilombo, assim como ela própria, foram informadas de que os alunos até o 4º ano teriam que ser matriculados no colégio do Povoado de Campo Formoso.
Atualmente, o prédio da Escola Municipal Juvêncio Rocha só é utilizado para reuniões e atividades da associação de agricultores familiares da comunidade. Depois do fechamento, os moradores conseguiram autorização junto à Secretaria Municipal de Educação (SMED) para ocupar o espaço. Mas a decisão de encerrar as aulas naquela instituição não foi revertida, mesmo após mobilização de mães e lideranças.
“A gente foi na secretaria com o Domingos, presidente do Conselho Quilombola do Sudoeste, mas não conseguimos, não resolvemos. Simplesmente chegaram e fecharam a escola. E ficou esse dinheiro jogado fora”, afirma Vitória Marinho.
O Conquista Repórter solicitou esclarecimentos da SMED. Por meio de uma nota enviada via lista de transmissão no WhatsApp, a Secretaria Municipal de Comunicação (Secom) afirmou que a escola Juvêncio Rocha foi reformada para o retorno às aulas presenciais porque “o prédio oferecia risco à integridade física das crianças e a Escola Municipal Otaviano Salgado ainda não estava pronta”.
O órgão disse ainda que atualmente o prédio do colégio desativado vem sendo utilizado pela Secretaria Municipal de Saúde, Defesa Civil e comunidade, “complementando os esforços da administração municipal em assegurar aos remanescentes quilombolas acesso aos direitos que lhe são garantidos”.
Fotos: Afonso Ribas, Karina Costa e Victória Lôbo.
*Reportagem publicada originalmente como parte do especial multimídia ‘Educação Quilombola’, do Conquista Repórter, em dezembro de 2023. A pauta foi selecionada pelo 5º Edital de Jornalismo de Educação da Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação), em parceria com a Fundação Itaú.
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