As mulheres devem estar na política o tempo todo e não apenas em ano eleitoral, afirma Cida Carvalho
Por Karina Costa - 12 de dezembro de 2024
Em 2024, ela disputou pela primeira vez uma vaga na Câmara Municipal de Vitória da Conquista pelo PCdoB. Como advogada e uma mulher de axé, sua trajetória é marcada pelo combate à intolerância e ao racismo religioso.

Filha de Dona Zélia e Seu Chico, Maria Aparecida Rocha Carvalho nasceu em Guanambi, mas com três meses de idade chegou a Caetité, município localizado a mais de 200km de Vitória da Conquista. Foi na cidade natal do escritor e educador Anísio Teixeira que Cida, como é mais conhecida entre os amigos e a família, completou sua formação escolar e deu os primeiros passos na trajetória política.
Antes mesmo de ingressar no ensino superior, gostava de se envolver em atividades e mobilizações estudantis. Nos ensinos fundamental e médio, foi líder de turma e participou de processos eleitorais dentro da escola. Mais tarde, iniciou sua militância na União da Juventude Socialista (UJS) e, aos 21 anos de idade, filiou-se ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), quando ainda morava em Caetité.
Em 2011, ela iniciou uma graduação em História, mas foi no curso de Direito, na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), campus de Vitória da Conquista, que encontrou o seu caminho profissional. Em seguida, veio a especialização em Direito do Trabalho. Paralelo a isso, nunca deixou de lado a militância e o ativismo em defesa dos direitos humanos, principalmente das mulheres e da população negra.
De 2019 a 2021, atuou como vice-presidenta da Comissão de Direitos Humanos da OAB – Subseção de Vitória da Conquista. Além disso, foi presidenta da Comissão de Igualdade Racial da instituição até junho de 2024. Por meio desses trabalhos, acompanhou de perto crimes de racismo religioso cometidos no município. Como advogada e uma mulher de axé, sua trajetória é marcada pelo combate às violências que tentam diariamente demonizar as pessoas adeptas às religiões de matriz africana.
Neste ano, disputou pela primeira vez uma vaga na Câmara de Vereadores. Em entrevista ao Conquista Repórter, ela falou sobre as dificuldades enfrentadas por mulheres que decidem ingressar na política, o racismo latente em Vitória da Conquista e o apoio do PCdoB à candidatura de Ivan Cordeiro para a presidência do Legislativo municipal. Confira a seguir:
CR: Em 2024, você concorreu a uma vaga na Câmara Municipal de Vitória da Conquista. Não conseguiu se eleger, mas agregou na sua candidatura a representatividade de uma mulher negra, progressista e de axé que buscava uma mudança no Legislativo. Historicamente temos uma ausência de diversidade na política conquistense, em todos os aspectos. Como você observa esse cenário?
Cida Carvalho: Eu sempre falo sobre isso quando sou convidada para palestrar em escolas. Eu pergunto para os estudantes: vocês conseguem olhar para o Legislativo e ver alguém que se parece com vocês? Esse é o nosso principal questionamento. Eu mesma não consigo me ver representada por nenhuma das pessoas que estão lá. Por mais que eu tenha respeito a cada uma delas, não há uma representatividade. Além disso, existem outros fatores. O primeiro é que Vitória da Conquista é uma cidade muito racista. O segundo é que o processo eleitoral em si é voltado para o capital, ou seja, para quem tem o dinheiro e consegue fazer a melhor propaganda. O terceiro fator, ao meu ver, é a descrença no meio político. Nas minhas andanças, escutei muito as pessoas dizerem que qualquer um que fosse eleito, não ia fazer nada pela população. Para mim, ser candidata foi uma experiência boa porque me permitiu conhecer ainda mais o município. Eu consegui visualizar a cidade não como a terceira maior da Bahia, mas como um lugar com muitas mazelas. São problemas que, muitas vezes, são escondidos. É muito mais interessante vender a ideia da cidade que é referência em educação ou polo de comércio mas, na verdade, há muita pobreza em Vitória da Conquista.
CR: Nos últimos anos, o discurso sobre a necessidade de mais mulheres na política vem sendo muito utilizado por partidos. Como alguém que passou recentemente por esse processo, qual você diria que é a principal dificuldade enfrentada por mulheres que decidem disputar um cargo eletivo?
Cida Carvalho: Essa questão da candidatura feminina perpassa por todos os partidos, seja de direita, esquerda, centro ou extrema direita. Nós mulheres somos utilizadas por causa da cota de 30% prevista em lei. Mesmo entre aquelas com atuação política, poucas são as mulheres que tem um financiamento e um abraço dos partidos para que elas façam as suas projeções. Para os homens é muito mais fácil. Por exemplo, no caso do PCdoB, na última eleição municipal, as três mulheres que se candidataram pelo partido foram as três menos votadas da sigla. E aí você me pergunta: por quê? Porque não houve essa projeção durante o restante do tempo. Eu digo com tranquilidade. O presidente do PCdoB em Conquista abriu muitas portas. Na divisão do fundo partidário minha candidatura não ficaria com quase nada por ter sido a primeira eleição, mas ele agiu para aumentar um pouco essa possibilidade. Pelo menos para pagar as bandeiras e o material gráfico. Foi suficiente? Não. Mas essa é a questão. Nós temos o hábito de pensar em campanha feminina apenas em ano eleitoral, mas a mulher deve estar na política o tempo todo. Falta esse incentivo e o processo político é caro. Para estar na militância, eu preciso ter dinheiro, e não posso parar de trabalhar para isso. Muitas vezes temos mulheres que têm filhos e lidam com as duplas ou triplas jornadas. A carga de trabalho da mulher é muito maior. Quando a gente vê algumas que conseguem chegar nos cargos, muitas são mulheres que têm uma condição financeira melhor para poder se projetar. Então, falta esse incentivo financeiro para as mulheres. Quando se trata de homens, é diferente, infelizmente. É uma realidade dura. Ao meu ver, ou nós enfiamos o pé na porta ou a gente acaba sendo utilizada por esse sistema. Estou esperando pela alteração na lei que a Câmara dos Deputados disse que ia fazer. É a proposta de ter vagas reservadas para mulheres no Legislativo. Isso não afetaria muito o âmbito federal, mas faria muita diferença em cidades menores.

CR: Em Vitória da Conquista, assim como em todo o país, o racismo religioso é uma realidade, inclusive nas escolas. Já tivemos na cidade diversos casos de destruição de terreiros, interrupção de celebrações de axé e até violência física contra pessoas adeptas às religiões de matriz africana. Para você, qual o papel do Estado no combate ao racismo religioso? E a nível local, como você avalia as ações do Município para enfrentar esse tipo de violência?
Cida Carvalho: Temos alguns meses em que se fala muito sobre isso e, no restante do tempo, não temos nada. Em novembro, é o mês todo debatendo sobre o racismo, as escolas falam e, muitas vezes, de forma estereotipada. Nós temos uma legislação que prevê a obrigatoriedade de incluir no currículo escolar a real história do povo negro, mas que não é colocada em prática. A nível municipal, pelo menos até o ano passado, na jornada pedagógica, não tinha nenhum tipo de formação sobre esse assunto. Isso é um desserviço para a nossa sociedade e para a comunidade negra. Com relação aos casos de racismo religioso, a maioria deles eu acompanhei junto à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil – Subseção de Vitória da Conquista). Só houveram encaminhamentos porque existiu uma cobrança do Legislativo através do vereador Alexandre Xandó (PT) e também da própria OAB. Aqui no município, falta muito a formação política. Por mais que existam professores que têm a mente mais aberta para essas questões, a gente ainda tem situações complicadas. Por exemplo, conheço uma mulher que é de Candomblé e o filho dela também. E na escola, todos os dias, tanto no início da manhã quanto na hora do lanche, a criança era obrigada a rezar o pai nosso, que é uma prática cristã. Quando ela foi questionar a direção, disseram que o menino teria que mudar de escola. E aí levamos essa problemática para uma audiência pública da OAB. Isso é falta de empatia e de laicidade do próprio Estado. Muitas escolas ainda utilizam essa prática, principalmente no Ensino Fundamental 1. Então, falta uma intervenção do Município para que aquilo que está na constituição seja colocado em prática. O que acontece muito também é que, quando há situações de racismo religioso entre os pares (entre os alunos), as escolas, por não ter preparo para lidar com isso, não sabem como agir para coibir qualquer tipo de violência. E quando a gente fala de racismo religioso, há uma resistência porque a nossa religião é vista como algo ruim, diabólico. Nós temos dificuldade até com as instituições. Quando o Terreiro de Xangô foi depredado, inicialmente, o delegado entendeu que aquilo foi só um dano, não compreendendo que era uma situação de racismo religioso. Eu observo que falta preparo em todos os espaços, nas escolas, polícias, nas instituições públicas e privadas.
CR: Historicamente, ao adotar o título de “Suíça Baiana”, Vitória da Conquista tenta se embranquecer ao tempo em que coloca nas suas margens populações rurais, quilombolas e periféricas. Mesmo com ações da gestão municipal que deixam essas populações ainda mais vulneráveis, teremos novamente a partir de 2025 um governo de direita. Na sua opinião, por que observamos nos últimos anos um avanço da extrema direita seja no Legislativo ou no Executivo municipal?
Cida Carvalho: Ao meu ver, não podemos apontar um único culpado, seja pessoa ou partido. Mas uma das críticas que eu faço é que a gente vem se distanciando muito dos movimentos sociais. E eu nem estou falando de grupos específicos, mas das pessoas no geral. Numa certa ocasião, escutei que não sabemos quem são as lideranças dos bairros. A gente não consegue, por exemplo, identificar quais foram as principais dificuldades que enfrentaram as pessoas que vivem nos condomínios do programa Minha Casa, Minha Vida nos últimos cinco anos. E não é à toa que você vê a direita tomando conta. Junto a esse distanciamento, veio uma extrema direita que é muito agressiva, que sabe falar com as pessoas no WhatsApp, no Twitter, no Youtube, com uma linguagem facilitada. Eles sabem usar a rede social e investir dinheiro nisso. Qualquer canal “mais simples” da direita tem dois milhões de seguidores. Um outro fator é a expansão das igrejas, que vem fazendo um serviço para a direita com base na “teoria” de que a esquerda trabalha para destruir a família tradicional brasileira. Eu entendo que são vários fatores e que a gente precisa reaprender a conversar com o povo.
CR: Há mais de 10 anos você é filiada ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Ao mesmo tempo em que a sigla representa uma oposição ao governo atual, temos na Câmara de Vereadores representantes do PCdoB que, muitas vezes, se mostram como aliados da prefeita Sheila Lemos (União Brasil). Um exemplo disso foi o recente apoio declarado ao bolsonarista Ivan Cordeio (PL) para a presidência do Legislativo. Enquanto uma militante do partido, como você observa esse cenário?
Cida Carvalho: O PCdoB sempre teve uma tranquilidade muito grande em fazer composições e alianças em determinados momentos para conseguir chegar em objetivos. Antes mesmo do PT falar em frente ampla, a gente já tinha falado sobre isso. Apenas a esquerda toda unida, muitas vezes, não é suficiente. Existem momentos em que a gente precisa dar alguns outros passos, da mesma forma que acontece na Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) e na Câmara dos Deputados. Aqui em Conquista não é diferente. Nós conversamos com os vereadores e esse apoio a Ivan Cordeiro não foi necessariamente só do PCdoB, mas também de outros partidos de esquerda aqui no município. Claro que existem algumas questões que foram muito polêmicas mas, nesses casos, o próprio vereador tem a liberdade de decidir o que é bom para a sua base. A política, muitas vezes, precisa dessas correlações. O processo político exige esse diálogo, principalmente dentro da Câmara Municipal, até porque hoje a maior parte dos vereadores são, infelizmente, de direita, mas a esquerda também precisa trabalhar. Claro que a gente faz as críticas, mas a compreensão é necessária. E nesse caso específico da presidência da Câmara, não é apenas o PCdoB, outros de esquerda também vão votar em Ivan Cordeiro, mas não fizeram essa declaração de forma explícita.
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