Supremo MC: “O Hip Hop é o movimento de mais impacto social dos últimos tempos”

Por - 19 de dezembro de 2024

Em dezembro de 2024, o artista lançou o seu segundo EP, intitulado “Proeminente”. Com seis faixas inéditas, o álbum mistura estilos como Trap, R&B e Afrobeat, utilizando influências da música latina e afro-caribenha.

Bruno Midas/Laís Novais

Filho de mãe baiana e de pai pernambucano, Ruan Cardoso, conhecido como Supremo MC, nasceu em Riacho de Santana, município localizado a mais de 300 km de Vitória da Conquista. Aos três anos de idade, após a separação dos pais, veio a mudança para Curitiba. Foi lá que ele teve o seu primeiro contato com a cultura Hip Hop. Na adolescência, a banda Charlie Brown Jr. era uma de suas principais referências.

“O Chorão foi o meu primeiro ídolo e os álbuns dele tinham muitas participações do Rap, como Sandrão RZO, Sabotage e De Menos Crime”, conta. Mas para além do Hip Hop, os diferentes gêneros musicais sempre estiveram presentes na sua formação por influência de sua mãe. Em casa, era comum os dois escutarem MPB, Bossa Nova, Rock nacional ou internacional.

Aos 17 anos, mudou mais uma vez de cidade. Desembarcou em Vitória da Conquista para passar um tempo com o pai, que agora morava no sudoeste baiano. Inicialmente, a pretensão não era permanecer no município, mas sua vida tomou outro rumo quando ele começou a se envolver com a cena musical. Em 2009, foi responsável pela criação do grupo Complexo Ragga, ao lado de Jhonny Ranks. 

Por mais de dez anos a banda movimentou o cenário cultural em Conquista e região. Com a mistura de SoundSystem, Reggae, Dancehall e outros ritmos, o grupo realizou muitos bailes ao som de músicas como “Sensimilla”, “Esse é Meu Ragga” e “Moombah”. “O Ragga foi a minha escola. Foi lá que eu aprendi tudo que sei sobre palco e música”, afirma Supremo. 

Depois de se dedicar por muito tempo ao Complexo Ragga, em 2017, embarcou em sua carreira solo. No ano seguinte, lançou seu primeiro EP, intitulado “O Segredo do Jogo, Vol 1”. A partir disso, firmou parcerias importantes para a sua trajetória profissional, como a colaboração com a banda Àttooxxá, no single “#Botukap”, e a participação em “Tambor”, faixa do álbum Pó de Estrelas, de Luiz Caldas. 

Seis anos após o primeiro trabalho solo, Supremo lançou, em dezembro de 2024, o seu segundo EP. Com seis faixas inéditas, o álbum “Proeminente” mistura estilos como Trap, R&B e Afrobeat, utilizando influências da música latina e afro-caribenha. O trabalho conta com apoio financeiro da Lei Paulo Gustavo, além de produção e direção musical de Caiik.

Em entrevista ao Conquista Repórter, o artista falou sobre o conceito do seu mais novo projeto, a importância do Hip Hop para as periferias e a necessidade de fomento à arte. Confira a seguir:

CR: No dia 13 de dezembro, o segundo EP da sua carreira solo, Proeminente, foi lançado nas plataformas digitais. Na divulgação desse trabalho, você convida as pessoas a serem proeminentes. O que isso significa? O que você espera despertar nas pessoas com as músicas desse novo projeto?  

Supremo MC: Quando eu ouvi essa palavra pela primeira vez, me despertou muita curiosidade, porque é uma palavra antiga. Quase ninguém mais usa. Quem eu vi usando esse termo na música foi o Link, que é um rapper de São Gonçalo. Eu sempre fui muito fã do trabalho dele e chegou um momento em que a gente começou a se conectar através do Twitter. Rolou até a oportunidade da gente fazer uma música juntos, mas acabou não dando certo. O Link é aquele cara que vive a música, mas também não liga muito para o mercado, ele só cria. É um cara fora da curva que vinha falando sempre sobre ser proeminente nas músicas dele. Foi uma parada que me contaminou. Então, quando surgiu a oportunidade de escrever um projeto para edital, eu falei: pô, preciso de um nome para essa parada. Como “proeminente” foi algo que me marcou, pensei: esse nome é muito bom, mano. E no contexto que eu vivo, na minha cena cultural, me sinto uma pessoa proeminente, alguém que vem abrindo caminhos e se destacando no que se propõe a fazer. Tem tudo a ver com o que eu sou, com o que eu represento. Então eu acabei me apropriando disso, mas com o aval do Link. Inclusive, a música Proeminente era para ter tido a participação dele, o que acabou não rolando, mas ele gostou muito do resultado. No final, fez muito sentido pra mim usar esse nome. Não foi só uma palavra que eu escolhi porque era bonita, tá ligado? Era uma parada que eu realmente estava vivendo e vivo até hoje. Além disso, acho importante a gente despertar esse sentimento nas pessoas. Porque ser proeminente não é só você ocupar um lugar de destaque, é você puxar as pessoas também. Cada um é especial em alguma coisa. Às vezes as pessoas mais tímidas são as mais inteligentes. Então, o que eu quero transmitir com esse álbum é que nós temos que explorar cada vez mais as nossas proeminências, as nossas polivalências, as nossas qualidades.

Em 2009, Supremo foi responsável pela criação do grupo Complexo Ragga, ao lado de Jhonny Ranks. Foto: Bruno Midas/Laís Novais.

CR: Seu primeiro EP, intitulado O Segredo do Jogo, Vol 1, foi lançado em 2018. Depois disso, você viveu outras experiências e firmou parcerias com grandes nomes, como a banda Àttooxxá e o cantor Luiz Caldas. E agora, seis anos depois, estreia Proeminente. O que há de novo nesse trabalho e de que forma ele representa um retorno às suas raízes? 

Supremo MC: O Segredo do Jogo foi minha estreia solo. Eu estava muito imaturo naquela época, não tinha conhecimento sobre produção executiva ou planejamento de álbum. Mas ainda assim, foi importante pra mim lançar esse trabalho da maneira que eu lancei, totalmente na raça. Na verdade, quando decidi fazer meu trabalho solo, eu era do Ragga (Complexo Ragga), só que a minha raiz de formação era o Hip Hop. Então, em 2017, quando eu lanço minha carreira solo, eu quero resgatar isso, o Rap, o Trap, que estavam também num momento de ascensão no Brasil. Apesar de eu ser muito grato pelo fato do Ragga ter sido a minha primeira experiência com música, queria muito voltar a fazer Rap. E foi o que eu fiz. De lá pra cá, fiz parcerias, comecei a viajar pelo Nordeste. Tudo isso me moldou e me trouxe a experiência de entrar no estúdio e saber fazer um som ali na hora. Foram seis anos. Teve pandemia no meio, o que me afastou da música por um tempo por problemas pessoais. Eu acho que tudo isso me preparou para que agora eu conseguisse entregar um trabalho mais consistente, com conceito maior, com a ideia mais amarrada e as músicas com mais intenção, tá ligado? Foram seis anos extremamente importantes para que eu conseguisse atingir esse nível de musicalidade, de profissionalismo e de produção executiva. Com o EP Proeminente, eu que tive que fazer tudo porque era um edital pequeno. Então acho que existe uma diferença muito grande entre os meus dois trabalhos solo. Porém, a essência é a mesma, é o mesmo Supremo, aquele cara sonhador que ama fazer essa parada, só um pouco mais maduro.

CR: O rap surgiu como uma forma de protesto, especialmente de jovens das periferias. Para você, qual a importância desse estilo musical para a juventude, principalmente em uma cidade como Vitória da Conquista onde as opções de cultura e lazer são limitadas? 

Supremo MC: O Hip Hop é o movimento de mais impacto social dos últimos tempos. Não é à toa que é um dos gêneros mais ouvidos do mundo no Spotify. Essa força que vem das ruas, do gueto querendo se organizar para o próprio gueto, é uma força vital para que a cultura da periferia seja vista. Na verdade, o Hip Hop não surgiu como uma forma de protesto. Ele sempre foi uma opção de lazer para a periferia. Com o tempo, quando a elite branca começou a ver que existiam pretos se organizando e um movimento acontecendo, foi aí que o Hip Hop viu a força que tinha e começou a mudar o discurso. Porque tinha muitas coisas que precisavam ser ditas e, no Brasil, isso caiu como uma luva. Não é um gênero musical natural nosso, mas hoje temos editais voltados para a cultura Hip Hop. Isso mostra o quão importante ele é. Quando a gente fala de Rap, de música, acho que não necessariamente precisa ter um protesto. Só o fato de uma pessoa preta, de periferia, fazer uma música e ser vista, isso pra mim já é um protesto. A pessoa pode falar de qualquer coisa, de amor, de superação e até de ostentação, mas eu acho que se vem de alguém que nunca teve aquele reconhecimento e agora está podendo ter, é muito válido. O dinheiro precisa voltar para o gueto, para o Hip Hop, para a periferia.

Com seis faixas inéditas, o álbum “Proeminente” mistura estilos como Trap, R&B e Afrobeat. Foto: Bruno Midas/Laís Novais.

CR: Historicamente, no Brasil, a cultura não é um segmento valorizado. Em Vitória da Conquista, essa realidade não é diferente. Por anos as reivindicações dos trabalhadores da cultura são as mesmas: mais investimento na arte e valorização dos artistas locais. Enquanto artista que iniciou sua carreira no município, o que você acha que é necessário para fortalecer e fomentar a cena do rap a nível local? 

Supremo MC: Nós precisamos de dinheiro e de público, principalmente. A gente está no Nordeste, no interior da Bahia, onde os gêneros musicais mais ouvidos são o sertanejo, o arrocha, o samba, tá ligado? Mas eu acho que nós também temos que nos orgulhar do que é nosso. Para o Hip Hop conquistar um espaço de destaque como o sertanejo tem, aqui no interior da Bahia, é quase impossível. Nas capitais isso já está acontecendo. Mas aqui ainda é muito difícil. Além disso, falta investimento na arte em geral. Em resumo, o que eu acho que falta mesmo é grana porque artistas bons nós temos muitos. Enquanto cidade, Vitória da Conquista ainda está engatinhando, mas eu me vejo como alguém que abriu portas para que gêneros como o Hip Hop, o Rap e a música eletrônica pudessem ocupar espaços. O Complexo Ragga é uma referência. Isso se dá muito pelo movimento que nós construímos. Por isso acho importante os próprios artistas se profissionalizarem, ficarem ligados nos editais e buscarem captar recursos.

CR: Seu EP recém-lançado contou com o apoio financeiro do Ministério da Cultura e da Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista, através da Lei Paulo Gustavo. Para você, qual o impacto de políticas de incentivo como essa, especialmente para a valorização da arte do interior?

Supremo MC: Como eu falei, nós precisamos de grana. O Poder Público tem que estar ligado nisso. Se o que a massa consome é o sertanejo, não precisa investir mais grana no sertanejo. Tem que investir na música urbana, na periferia. Ainda não é o ideal, mas de dois anos para cá temos tido mais editais nesse sentido. Acredito também que precisa haver uma preocupação em facilitar o processo de inscrição porque é muita burocracia. Sei que tem que ser assim porque é uma responsabilidade grande pegar uma grana e executar um projeto. Mas é preciso facilitar e divulgar para que todos tenham acesso. E o básico é o Poder Público reconhecer que ao fazer esse investimento, a gente também movimenta a economia, contrata pessoas, além das contrapartidas que geram visibilidade para o próprio governo.

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