Seis meses após fortes chuvas, quilombolas lidam com prejuízos econômicos e desigualdade social

Por - 1 de julho de 2022

Na Bahia, Vitória da Conquista foi o município que registrou o maior número de comunidades quilombolas atingidas pela enchente. Todas elas estão localizadas na zona rural.

Os prejuízos da enchente que assolou a Bahia em dezembro de 2021 já somam mais de R$5 milhões, em perdas na lavoura, de animais e moradias nas comunidades quilombolas espalhadas pelo estado. As fortes chuvas foram causadas pela Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), mas o desmatamento de mata ciliar, bem como o assoreamento de riachos e rios podem ter agravado tragédia. A “Suíça Baiana” virou “Veneza”. Vitória da Conquista registrou maior número de comunidades quilombolas atingidas pela enchente: 14, todas situadas na zona rural.

De acordo o levantamento do Movimento Estadual das Comunidades Quilombolas da Bahia (Cenaq) e da Secretaria Estadual de Relações Institucionais (Serin), cerca de 63 comunidades foram atingidas direta ou indiretamente pela enchente. Dentre os 27 municípios, destacam-se: Bom Jesus da Lapa, Palmas de Monte Alto, Simões Filho, Ibipeba, Vitória da Conquista, Serra do Ramalho, Anagé e Itacaré.

Claudenice dos Santos, quilombola de Vitória da Conquista, lamenta os prejuízos após as chuvas. Foto: Janaína Neri.

Claudenice dos Santos, quilombola do Boqueirão, em Vitória da Conquista, viu sua plantação de milho e feijão ir por “água abaixo”. O desespero foi ainda maior, pois o marido, Joel, na época, tinha sofrido o segundo AVC (Acidente Vascular Cerebral). Celeste precisou contar com a ajuda de vizinhos para salvar a casa. A Defesa Civil do Município esteve no local, alertou sobre o risco de desabamento, mas não adotou medidas emergenciais para segurança da família.

Histórias como a de Claudenice ecoam pelo país. O nordeste brasileiro é uma das regiões do Planeta mais vulneráveis às mudanças climáticas. As fortes chuvas na Bahia ativaram o alerta para a emergência climática, pois os locais mais atingidos foram áreas da zona rural. É preciso considerar a vulnerabilidade, agravada pela ação humana com o assoreamento dos rios e perda de vegetação que segura o solo das matas ciliares que protegem as margens fluviais.

Nas cidades, os alagamentos são agravados pela impermeabilização do solo e canalização de rios e canais que impedem a absorção da água. Na COP26, o Governo Federal se comprometeu a reduzir 50% das emissões dos gases de efeito estufa da atmosfera até 2030. Mas, na contramão disso, o desmatamento aumentou vertiginosamente no Brasil.

“A atmosfera mais quente é capaz de armazenar mais vapor d’água. Para chegar ao ponto de saturação, mais água precisa ser retirada da superfície via evaporação ou evapotranspiração. Isso agrava as condições de estiagem com o prolongamento dos períodos de seca. Do outro lado, uma vez a atmosfera mais ’saturada‘, têm-se mais vapor d’água para se condensar, produzindo chuvas mais intensas e bastante concentradas”, explicou Alexandre Costa, físico com doutorado em Ciências Atmosféricas pela Universidade do Estado do Colorado e professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece). A ausência de vegetação para proteger o solo e as nascentes aumenta o risco de enchentes cada vez mais devastadoras.

No Quilombo Barreiro do Rio Pardo, também em Vitória da Conquista, famílias tiveram que sair às pressas de suas casas utilizando helicóptero, por conta do aumento do nível do Rio Pardo, devido à abertura das comportas da Barragem Machado Mineiro, em Minas Gerais. O quilombola Pedro Vieira dos Santos, de 50 anos, ribeirinho nascido e criado no quilombo, presenciou as águas do rio inundarem sua plantação de milho, feijão, banana e hortaliça, totalizando um prejuízo de mais de 10 mil reais. Sem alimentos e sem renda, ele precisou se reinventar, e hoje, as águas do rio são utilizadas na irrigação da roça, agora, a alguns metros de distância das margens.

A titular da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma), Ana Claudia Passos, indagada sobre projetos para recuperação de matas ciliares, informou que o município não tem nenhum projeto de reflorestamento na zona rural ou campanhas de educação ambiental junto às comunidades quilombolas. 

Depoimento

“Na véspera de Natal, dia 24, eu, meu marido e dois filhos tivemos que ir para casa dos meus pais buscar abrigo. Minha produção de bolos caseiros estava em risco, a água nas estradas me impediu de entregar as encomendas. E, infelizmente, o pior estava por vir: a água levou parte da minha casa, indo junto à cozinha de adobe e minha fonte de renda. Agora, nesse São João, aqui na comunidade, ganhamos gás de cozinha da ação social (Brasil Sem Fome) e espero tirar um dinheirinho com a venda dos meus bolos, para tentar reconstruir meu lar”. Luciana Rosa, do Quilombo do Boqueirão, em Vitória da Conquista (BA).

LISTA COMPLETA DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS ATINGIDAS

MUNCÍPIOSCOMUNIDADES QUILOMBOLAS
ANAGÉÁGUA DOCE
ANAGÉMANDACARU
ANAGÉTORTA DOS PRETOS E LAGOINHA
BELO CAMPOBOMBA
BOM JESUS DA SERRAMUNBUCA
BOM JESUS DA LAPA LAGOA DO PEIXE
BOM JESUS DA LAPAARAÇA CARIACÁ
BOM JESUS DA LAPABEBEDOURO
BOM JESUS DA LAPARIO DAS RÃS
BOM JESUS DA LAPANOVA BATALHINHA
CAETITÉSAMBAÍBA E MATA DO SAPÊ
CAMPO FORMOSOLAGE DOS NEGROS
CONTENDAS DO SINCORÁSÃO GONÇALO
ENCRUZILHADABREJINHOS
ÉRICO CARDOSOPARAMIRIM DAS CRIOULAS
IBIASSUCÊSANTO INÁCIO
IBIPEBASERRA GRANDE
IBIPEBASALVA VIDAS
IBIPEBAOLHO D’ÁGUA DO BADU
IBITITÁCANOÃO
ITACARÉSANTO AMARO
ITACARÉJOÃO RODRIGUES
MALHADATOMÉ NUNES
MALHADAPARATECA E PAU D’ARCO
MUQUEM DE SÃO FRANSCISCOFAZENDA GRANDE
NOVA CANAÃLAGOINHA
PALMAS DE MONTE ALTOBARRA E JUAZEIRINHO
PALMAS DE MONTE ALTOEMPOEIRA
PALMAS DE MONTE ALTOLAGOA SECA
PALMAS DE MONTE ALTORANCHO DAS MÃES
PALMAS DE MONTE ALTOANGICO
PALMAS DE MONTE ALTOAROEIRA,TOQUINHA E BRASILEIRA
PALMAS DE MONTE ALTOMARI
PALMAS DE MONTE ALTOVARGEM CUMPRIDA
PALMAS DE MONTE ALTOCEDRO,CURRAL NOVO E SITIO CANJIRANA
PALMAS DE MONTE ALTOJUREMA
PALMAS DE MONTE ALTOVARGEM ALTA
PALMAS DE MONTE ALTOLEÃO
PIRIPÁLAJINHAS
RIBEIRÃO DO LARGOTHIAGOS
RIACHO DE SANTANAPAUS PRETOS DE VESPERINA
RIACHO DE SANTANAAGRESTE
RIO DE CONTASBARRA, BANANAL E RIACHO DAS PEDRAS
SERRA DO RAMALHOBARREIRO GRANDE, ÁGUA FRIA E PAMBU
SIMÕES FILHORIOS DOS MACACOS
TREMEDALQUENTA SOL
VITÓRIA DA CONQUISTABARREIRO DO RIO PARDO
VITÓRIA DA CONQUISTABOQUEIRÃO
VITÓRIA DA CONQUISTABAIXA SECA
VITÓRIA DA CONQUISTALAGOA DE MELQUIADES
VITÓRIA DA CONQUISTARIBEIRÃO DOS PANELEIROS
VITÓRIA DA CONQUISTACACHOEIRA DOS ARAÇAS
VITÓRIA DA CONQUISTACORTA LOTE
VITÓRIA DA CONQUISTAFURADINHO
VITÓRIA DA CONQUISTALAMARÃO
VITÓRIA DA CONQUISTASÃO JOAQUIM DE PAULO
VITÓRIA DA CONQUISTASINZOCA
VITÓRIA DA CONQUISTAVELAME
VITÓRIA DA CONQUISTALARANJEIRAS
VITÓRIA DA CONQUISTACACHOEIRA DO RIO PARDO
WANDERLEYSACUTIABA
WENCESLAU GUIMARÃESRIO PRETO
XIQUE XIQUEXAMPRONA

*Esta reportagem, de autoria de Janaína Neri, é fruto do edital do Instituto ClimaInfo, em parceria com o Observatório do Clima e com o apoio do Programa SPIPA(*) por meio do Instrumento de Parceria da União Europeia e do Ministério Federal Alemão para o Meio Ambiente, Conservação da Natureza e Segurança Nuclear (BMU) no contexto da Iniciativa Climática Internacional (IKI). A matéria foi publicada, originalmente, no Olhos Jornalismo, veículo independente de Alagoas.

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