Os desafios de quem busca viver da literatura em Conquista: “é como estar em um lugar invisível”

Por - 23 de julho de 2021

Ouvimos os relatos de três escritores independentes da cidade sobre o mercado editorial a nível local e nacional; Veja o que nos disseram

A paixão pela escrita, pela literatura e a vontade de viver exclusivamente da publicação de livros são elementos que unem as histórias de três escritores independentes de Vitória da Conquista: Giulia Santana, Jaya Magalhães e Victor Lima. Todos eles sentiram e sentem a necessidade de expressar suas visões de mundo através das palavras. Crônicas, contos, poesia, drama, terror, romance. Independentemente do gênero com o qual trabalhem, os principais desafios que enfrentam são os mesmos: ganhar visibilidade no mercado literário e fazer com que suas obras alcancem o maior número de pessoas.

Jornalista, autora de ‘A Linha de Rumo’ e do livro-reportagem ‘Vozes’, Giulia soube desde os nove anos de idade que queria ser escritora. Na época, seu sonho era ser poetisa, tanto que a sua publicação de estreia foi um livro de poemas. Aos 11, ela teve a vontade de criar uma super heroína sem interesses amorosos. E foi a partir desse momento que sua atenção se voltou para a escrita de ficção. “Escrever começou a fazer parte de mim e, em toda oportunidade que tinha, eu ia para o computador escrever algo. Aos 12, comecei oficialmente meu primeiro livro de ficção”.

Jaya também sentiu uma conexão com a escrita ainda muito jovem. “Eu nem sabia escrever e já escrevia. Pegava vários papéis e fazia rabiscos que, para mim, pareciam letras. Eu era capaz de ficar horas nesse processo”, contou. Apesar de ter no subconsciente o sonho de ser escritora, fez graduação em Direito. Mas há alguns meses, ela vive um momento de transição no âmbito profissional. Atualmente, trabalha nas áreas de jornalismo e redação publicitária. Além disso, ela tem dois livros publicados, “Líricas” e “Bem Ditas Cartas”, mas ainda não consegue se dedicar apenas a produção de suas obras. “Atuar exclusivamente como escritora é uma sorte que poucas pessoas têm”.

A história de Victor com a literatura começou na adolescência. Ele costumava se apropriar dos contos de fadas e adicionar a eles elementos cômicos. O conquistense, que hoje é mestrando no Programa de Linguística da Uesb (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia) e autor de “O Festim das Bruxas”, nunca teve muitos livros ou incentivo à leitura na infância, mas os filmes e os casos contados pela família o inspiraram. “A Conceição Evaristo sempre diz que ela não nasceu rodeada de livros, mas nasceu rodeada de palavras e histórias. Eu me identifico muito com isso”.

O Conquista Repórter ouviu as opiniões dos três escritores sobre o mercado editorial a nível local e nacional. Nossa reportagem também os questionou sobre os principais desafios de ser um escritor independente em Vitória da Conquista, na região Sudoeste da Bahia.

Jaya: “Enxergo o mercado editorial bastante machista”

“Para mulheres escritoras, enxergo o mercado [editorial] bastante machista e, por isso, quase sempre inacessível. Existe uma clara preferência das grandes editoras em publicar escritores homens, ainda que a maior parte da produção deles fale quase sempre sobre mulheres. Como produzo conteúdo de escrita também no Instagram, vejo que além de valorizarem mais os homens, existe uma disposição do mercado em publicar pessoas que tenham um grande número de seguidores nas redes, muitas vezes sem prezar tanto pela escrita em si, e mais pela demanda de vendas que trará. Não sei como é feita essa seleção exatamente, mas é isso que consigo enxergar do meu lugar de mulher que escreve há mais de dez anos na internet, e com dois livros publicados de maneira independente.

Além disso, ser uma escritora independente em Conquista ainda é como estar em um lugar meio invisível. Não temos feiras literárias, por exemplo. Não temos espaços de divulgação, suporte para publicação. Falta visibilidade para a arte literária, principalmente se compararmos às demais produções artísticas na cidade”.

Giulia: “O escritor independente precisa ser mais que escritor”

“Para mim, não existe um mercado editorial, existem mercados editoriais. Eu descobri isso porque passei muito tempo visitando eventos literários no Rio de Janeiro e em São Paulo, e também aqui na Bahia. Conheci muita gente desde que lancei meu livro de estreia e isso só ficou mais forte para mim. A depender de onde você mora e a quais ferramentas você tem acesso para deslanchar sua carreira, você está em um mercado literário completamente diferente do de outro autor. E agora com a internet, existem bolhas e nichos também.

Nosso sonho é alcançar muita gente e se tornar best seller na Veja, mas também existem muitos outros livros que vendem muito e nunca entraram nessa lista por causa do seu nicho. Eu tenho me distanciado dos grandes grupos editoriais porque sei que a única forma de alcança-los é vendendo muito. Meu foco agora é meu nicho, quem quer crescer comigo. Acho que é uma forma mais saudável de enfrentar essa e qualquer crise na literatura nacional.

Também acredito que Conquista e o resto do país têm andado em sentidos opostos. Essa é uma cidade universitária, onde as pessoas que têm acesso à livros tem um perfil mais tradicional – livros físicos, textos mais sérios. Não existem, há muito tempo, eventos literários públicos que incentivem a leitura para crianças. Enquanto isso, o país vai na contra mão: existe um crescimento de livros digitais disponíveis e de leituras mais rápidas, cativantes. Os leitores são mais jovens e têm menos tempo.

O único problema é que os leitores do resto do país têm um acesso menor a livros de escritores que não sejam do eixo Rio-São Paulo porque as editoras tradicionais não se importam com a gente. Então, o escritor independente precisa ser mais que escritor: tem que saber de marketing, ser criador de conteúdo, tem que saber se projetar no mercado de um jeito que as pessoas tenham acesso a ele e suas obras”.

Victor: “O eixo Sul-Sudeste monopoliza o mercado editorial”

“Existe o grande mercado editorial com publicações tradicionais e há um mercado que está fervilhando, aquele que a gente chama de mercado indie. E é nesse espaço que temos revistas literárias digitais de ficção especulativa, ficção científica, fantasia, horror. Temos jovens autores se autopublicando, sendo publicados nessas revistas, pequenas editoras independentes criando projetos de financiamento coletivo, publicando livros de contos com vários jovens autores. Eu, inclusive, participo este ano de duas antologias. Uma delas se chama “Panóptico”, pela editora Cyberus, do Pará, e a outra é a “Fábulas e Lendas Africanas Reimaginadas”, pela editora Escureceu, do Rio de Janeiro.

Em Conquista, mesmo em um mercado alternativo e cheio de novas ideias, ainda há uma predominância muito grande do eixo Sul-Sudeste, principalmente do Sudeste. Eu acho que eles monopolizam o mercado por uma questão de poder econômico também. É um pouco difícil quebrar isso, mas nós jovens escritores independentes temos nos apropriado dessa coisa do ‘Own Voice’. Isso significa a gente contar nossas próprias histórias, nossas próprias vivências, e existem pessoas que querem consumir isso.

Então, ao mesmo tempo que é muito difícil, existem movimentos, através da Editora Corvus, por exemplo, que tem trabalhado com projetos focados em escritores do Norte e Nordeste que são marginalizados dentro do mercado editorial. Temos o movimento Sertãopunk e a própria Amazon, que é importante porque é por onde as pessoas conhecem o nosso trabalho, sabem que a gente existe e está escrevendo.

Se eu fosse contar com o mercado tradicional aqui em Vitória da Conquista, não alcançaria resultado algum, porque nós não temos editoras locais interessadas no que eu escrevo e quero publicar. Inclusive, há concursos literários como, por exemplo, o Zélia Saldanha, da editora da Uesb, mas normalmente são aceitas literaturas mais tradicionais”.

Foto de capa: Pixabay

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