Lei Aldir Blanc | Com editais lançados no período eleitoral, artistas avaliam que faltou escuta para aplicação do recurso
Por Karina Costa e Victória Lôbo - 14 de outubro de 2024
Entre setembro e outubro, a Prefeitura de Conquista publicou quatro chamadas públicas com recursos da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB). Apesar da realização de oitivas, agentes culturais relatam pouca divulgação dos encontros e inércia do Conselho Municipal de Cultura.

Entre setembro e outubro de 2024, a Prefeitura de Vitória da Conquista lançou uma série de editais que distribuem recursos oriundos da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB), prevista na Lei nº 14.399/2022. Após a realização de oitivas para a escuta dos agentes culturais da cidade, que ocorreram durante uma semana, em maio, os chamamentos foram lançados em meio às eleições municipais. Segundo o portal de compras do município, o edital mais recente foi publicado no dia 1º de outubro, apenas cinco dias antes do primeiro turno do pleito eleitoral.
O edital nº 08/2024, que busca premiar 117 artistas com o valor de R$3.000 cada, foi o primeiro da série a ser publicado. O registro no portal do município mostra a data 17/09/2024. A publicação surpreendeu integrantes do setor cultural não somente pelo período de lançamento, mas também pela modalidade de premiação. “Não tem política pública nesse prêmio. É um prêmio por politicagem”, destaca Brenda Luara dos Santos de Souza, psicóloga e produtora cultural do Coletivo Ave Creator.
A artista e professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) foi uma das pessoas que participou das oitivas realizadas antes da publicação dos editais. Para ela, apesar da premiação remunerar um artista local, não é uma medida que fomenta o setor. “Eu acho importante, mas com esse dinheiro que era para ser democratizado? Acaba se tornando algo que vai para um único indivíduo. Não tem proposta. Mais uma vez é uma estratégia eleitoreira, ficou claro”, afirma Brenda.

Dayse Maria, atriz e produtora cultural, também recebeu com estranheza o lançamento do edital de premiação naquele período. “Nós tivemos vários momentos para que se tivesse essa publicação, claro que é bem vinda e os artistas precisam, mas de repente nós vimos uma publicação tendenciosa, às portas das eleições. Isso em um cenário em que a Prefeitura não atende hoje, dentro da sua representação da Secretaria [de Cultura], o que de fato é a demanda do setor cultural”, ressalta.
Publicidade vedada
Além do edital nº 08/2024, no período que antecedeu o primeiro turno das eleições de 2024, foram lançadas pela gestão Sheila Lemos (União) outras três publicações com recursos da PNAB. Nessa época, em conformidade com a legislação eleitoral (Lei nº 9.504/1997), é vedada a publicidade institucional de órgãos públicos. Dessa forma, nenhuma divulgação sobre os editais culturais em questão pôde ser feita no site ou nas redes sociais da Prefeitura de Vitória da Conquista.
Foi somente na quinta-feira, 10 de outubro, com a reativação do perfil da Prefeitura no Instagram, que foram divulgadas de forma mais ampla as inscrições para os editais. Além disso, foi inserido no site da gestão municipal um banner que redireciona o usuário para uma lista dos chamamentos públicos. Em razão da ausência de publicidade massiva, muitos agentes culturais, inclusive aqueles entrevistados para esta reportagem, não tinham conhecimento de todos os editais abertos.

De acordo com o Executivo Municipal, em nota enviada ao Conquista Repórter, o lançamento dos editais, e mais especificamente daquele que diz respeito à premiação, ocorreu no mês de setembro para que fosse publicado ainda no ano de 2024 e, assim, fosse possível “garantir a execução dos recursos dentro do prazo legal, conforme orientações do Ministério da Cultura, que, inclusive, disponibiliza instruções normativas e tutoriais para a execução de recursos em períodos eleitorais”.
No comunicado, a Secretaria de Comunicação informou que optou por utilizar o formato de premiação para “ampliar o número de artistas contemplados”. A gestão afirmou ainda que, apesar da escolha inicial, o fomento não foi deixado de lado. “Atualmente, o município também conta com um edital de fomento, aberto até o dia 31 de outubro de 2024, destinado a atividades de formação cultural, que selecionará 30 projetos”, diz um trecho do e-mail encaminhado à reportagem.
Repasses da PNAB
Os editais em questão utilizam recursos da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB), criada para financiar a Cultura mediante repasses da União aos Estados, Distrito Federal e Municípios de forma continuada. Ao longo de cinco anos, serão transferidos R$ 3 bilhões anuais aos entes federativos para a execução de ações culturais. Para receber os recursos, é necessário que os gestores públicos estaduais, municipais e distritais elaborem um Plano Anual de Aplicação dos Recursos (PAAR).
O PAAR de Conquista foi publicado no Diário Oficial do Município no dia 16 de julho de 2024. O plano descreve quatro ações gerais: 1) Premiação de agentes culturais no valor estimado de R$350 mil; 2) Edital de formação com o uso de R$150 mil; 3) Obras, reformas ou aquisição de bens culturais no montante de R$1 milhão; 4) Subsídio e manutenção de espaços e organizações culturais com R$ 255 mil.
Na publicação do DOM, consta ainda a premiação de 52 pontos de cultura por meio da Política Nacional de Cultura Viva (Lei nº 13.018/2014), com o valor estimado de R$615 mil, além da contratação de uma consultoria para a elaboração do Plano Municipal de Cultura (R$50 mil) e de 10 pareceristas (R$40 mil).
De acordo com a Secretaria de Comunicação da Prefeitura, até o momento, o montante efetivamente recebido por Vitória da Conquista da PNAB foi de R$2.461.180,00. O mesmo valor consta no painel de dados do Ministério da Cultura. No Portal da Transparência do município, também encontra-se registrado os mais de R$ 2 milhões, numa transferência datada de 06 de março de 2024. Mas além disso, em 28 de março, aparece no sistema o valor arrecadado de R$491.047,46, com origem da PNAB.

Enquanto a distribuição dos recursos é algo positivo para os trabalhadores da área, o lançamento dos editais também coloca em evidência a forma como ocorre o planejamento e a execução de políticas públicas voltadas para a Cultura em Vitória da Conquista. Uma das críticas, por exemplo, se refere a maneira como foram divulgadas as realizações das oitivas para a implementação da PNAB.
Ausência de escuta
“Entre os integrantes do meu grupo, a gente se articulou para tentar cobrir o máximo de oitivas possível. Nós nos subdividimos para irmos pelo menos cada um em um dia. E uma das coisas que nos incomodou foi o fato das oitivas terem sido divulgadas muito em cima da hora, principalmente pela diversidade de temas que foram abordados”, explica Brenda Luara dos Santos de Souza, do Coletivo Ave Creator.
Os encontros para a escuta do setor cultural ocorreram de 13 a 17 de maio, na Casa Memorial Régis Pacheco. No perfil da Prefeitura no Instagram, entre essas datas, não há nenhuma publicação registrada que menciona a realização das oitivas. No site do órgão, é possível encontrar uma matéria de divulgação postada no mesmo dia em que aconteceu a primeira reunião. Outro texto sobre o assunto foi publicado no último dia das oitivas, 17, dando destaque ao diálogo com a zona rural.
Além da pouca divulgação das oitivas, alguns agentes culturais consideram que as questões discutidas nesses encontros não foram levadas em consideração para a construção dos editais. Um dos pontos destacados é o uso do recurso da PNAB para a reforma de espaços culturais. No Plano Anual de Aplicação dos Recursos (PAAR), é destinado R$1 milhão para essa finalidade.
“A Prefeitura, mais uma vez, não foi correta nem honesta. Nas oitivas, ficou combinado que a gestão pode usar o valor X da PNAB para a reforma de espaços culturais, desde que ela dobre o valor porque somente aquele recurso não daria, por exemplo, para reformar o Cine Madrigal”, explica o historiador Afonso Silvestre. “Ela [a Prefeitura] agiu como se não tivesse havido oitivas”, complementa.

Brenda Luara também sente que as demandas dos artistas não foram consideradas pelo governo e nem pelo Conselho Municipal de Cultura (CMC/VC), formado por representantes da Prefeitura e da sociedade civil. De acordo com ela, a categoria aceitou que parte do recurso da PNAB fosse utilizado para a reforma de espaços, desde que a Prefeitura dobrasse o valor total com verbas oriundas de outras fontes.
“A gente pediu que, neste primeiro ano, o dinheiro fosse direcionado para o Teatro Carlos Jehovah. Estavam pessoas da economia solidária e das artes visuais. Nós pensamos: de que adianta ter o dinheiro do fomento se a gente não tem espaço para a arte?”, questiona a produtora cultural.
O subsídio para obras, reformas ou aquisição de bens culturais está estimado em R$1 milhão. A informação está no Plano Anual de Aplicação dos Recursos (PAAR) de Conquista. Na descrição da atividade, consta apenas “Unidade Móvel Cultural”. A forma de execução indicada é a Lei de Licitações e Contratos. Quando questionada sobre como será usado o recurso da PNAB, a Prefeitura indicou apenas que os dados estão descritos no PAAR, publicado no DOM de 16 de julho de 2024.

Conselho de Cultura inerte
Além da postura da Prefeitura diante das demandas discutidas nas oitivas, agentes culturais relatam que há uma inércia do Conselho Municipal de Cultura. “Desde junho não se tem plenárias, reuniões ou pautas. Infelizmente, temos um conselho que não tem autonomia, que está aparelhado. Tentamos construir na última eleição uma via possível, mas as pessoas lá acabam sendo engolidas por assédio e outras questões que a comunidade conquistense acompanhou”, ressalta a produtora cultural Dayse Maria.
A psicóloga Brenda Luara conta que, em reunião extraordinária do CMC/VC na qual esteve presente, também não houve uma escuta da categoria. “Em um encontro convocado em cima da hora, a mesma coisa que foi apresentada todos os dias das oitivas foi aprovada. Ou seja, foi uma grande perda de tempo. Foi extremamente desrespeitoso, violento e frustrante”, destaca a profissional.
Em maio deste ano, o Conquista Repórter publicou uma reportagem denunciando práticas machistas cometidas por integrantes do Conselho de Cultura contra a então secretária-executiva do órgão. Após o ocorrido, a conselheira renunciou ao cargo. À época e até hoje, não houve um posicionamento público da entidade sobre o caso. Na implementação da PNAB, o conselho é uma instituição importante para representar as demandas e necessidades do setor cultural do município.
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